Carlos Carranca - neste lugar sem portas

sábado, setembro 23, 2006

Teixeira de Pascoaes


Falar de Teixeira de Pascoaes é falar do saber fundo da infância radicado nas primeiras experiências, todo intuição.
O cenário bucólico, montanhês, levou-o a uma inquietação religiosa e intemporal, a uma vivência panteísta onde as pedras, as árvores, tudo está impregnado do espírito de Deus - «o verdadeiro sentimento poético é sempre religioso, porque transcende a realidade sem a desnaturar».
O real materializa-se em imagens, e a Saudade vai adquirindo formas, ainda que imprecisas, de «regresso ao paraíso», na busca de uma vivência infantil, de uma idade de ouro.
Tudo é e não é ao mesmo tempo. «O próprio Deus é porque não existe».
Na obra de Pascoaes confraternizam os elementos bíblicos e mitológicos e a sua escrita obedece a forças que se encontram para além da sua consciência.
É um mago de olhos de espírito, abertos aos mistérios da vida.
Enamorado do passado (Mãe) que sublimou, projecta-o para além do Futuro (Saudade).
A prevalência de um imago materno bom, será fonte de felicidade e angústia. Felicidade que encontra ao rememorar; angústia na perspectivação do Futuro.
Dizem os livros de psicanálise que quem não consegue atingir o acto cai no Eu Ideal - o Fantasma. Ora Pascoaes vai tentar atingi-lo, mas as portas que vai abrindo, outras se sucedem, ou são falsas, pois mais não são do que produtos da sua imaginação fértil.
Pascoaes percorre o tempo agindo sem o modificar. A realidade que vê não é acessível aos outros, e assim se perdeu dentro de si como de um poço onde a imaginação se renova.
Tudo para o Poeta era afectivo. A sua relação com as coisas, longe de uma aprendizagem cognitiva, manter-se-á pela vida fora, afectiva. Não é estranho, pois, assistirmos à evocação de mundos de arquétipos criados pela sua imaginação.
A criança continuou, vida fora. Não saiu de um tempo mágico, de um pensamento mágico, cheio de velhas estórias de bruxas, almas do outro mundo, de fantasmas que o Poeta sublimará. E quando, já velho, procura descanso, é junto de uma criança em plena idade mágica que o conseguirá - a sempre eterna idade de Teixeira de Pascoaes.
Contemporâneo de Einstein, de Freud, de Heidegger, de Pavlov, diria que «as formas objectivas do universo ninguém as vê».
Todo o seu percurso poético é de regresso ao Paraíso de onde nunca saiu, o Paraíso Perdido da infância.
Sua mãe, presença eterna até à morte, fonte do seu mundo, será o seu fantasma de carne e osso, a presença do Passado a que o Poeta descerá como um mineiro da alma.
Em A Minha Cartilha, pequeno livro publicado urn ano antes cia sua morte, dirá:
«O homem, como criador é anarquista, exige a liberdade de criar; corno criatura é comunista e sujeita-se ao estabelecido. Os corpos são irmãos; as almas não... Há o trabalho criador e o trabalho conservador, o que produz o pão espiritual, e o que produz o pão material - o que se vende nas Livrarias e o que se vende nas padarias: duas palavras que rimam, e, nesta rima, se irmanaram musicalmente, como também os irmana o serem ambos alimentos. E, por isso, cantei na minha mocidade.
«A pena é irmã da enchada,
A página dum livro é terra semeada».
A sua actividade poético-filosófica levá-lo-ia a gritar:
«Vivamos, enfim no: Faça-se a Luz! e no: Amai-vos uns aos outros! Faça-se a luz é o grito dos anarquistas. Amai-vos uns aos outros é o dos comunistas» (A Minha Cartilha).
Para o inconsciente humano a Natureza é comparada à Mãe e Pascoaes vai criar, pela imaginação, essa Eva Futura, dando voz às correntes inconscientes da alma colectiva - a Saudade.
«Salvemo-nos em esperança ou em lembrança, que a lembrança também incide sobre o futuro na poesia camoniana. E o que é a lembrança incindindo sobre o passado e o futuro? E a alma lusíada, a Saudade».
Lisboa, 19-V-91

In O Fantasma de Pascoaes, Universitária Editora, 2ed., 1997.

Quem são?


Quem são
aqueles que ouvem
a música da noite
e com ela dançam
dançam, dançam, desvairados?

Quem são
eles, os que saltam
os muros da nossa
impotência arrependida
e arrancam sons das cordas
do tempo, do nosso tempo dorido?

Quem são
estes, que nos amam
como se fôssemos
seus, e livres nos deixam,
mais livres se vão,
guardam velhas pautas
e gritam novos sons?

Quem são
esses sonhadores
da trova
da lua nova,
se entregam, morrem
e regressam à vida porque a merecem?

Quem são
esses pobres de Cristo
que nesta terra se enterram
e voam, pássaros aflitos?
(Que nós ouvimos seus gritos...)
Os poetas! Os poetas!

ACADÉMICA SEMPRE - A poética do futebol


O livro de Carlos Carranca aborda a temática mais actual da Académica: que clube para o século XXI? O texto que se segue é o prefácio, da autoria de Manuel António.
EM DEFESA DA NOSSA ACADÉMICA
Quem não tem memória não tem vida!
A Académica de Coimbra tem memória, tem passado de que se orgulha e tem de proceder de forma a compatibilizar agora, como antes, a mística da diferença na prática do futebol, harmonizando as obrigações profissionais com a formação e a cultura dos cidadãos desportistas e profissionais do futebol.
As modernidades e seus procedimentos, do século XXI em que vivemos, fundamentais é certo, não podem contudo esmagar e fazer desaparecer todos os princípios e tradições que sustentaram e sustentam a nossa Académica, carinhosamente a nossa “Briosa”.
Esta publicação do meu amigo Carlos Carranca, um baluarte e eterno defensor da nossa Academia, deslocado geograficamente mas sempre presente na Coimbra de que tanto gosta, é uma chamada à realidade para todos nós, às obrigações que temos na defesa da nossa Académica, para a qual queremos sempre melhor.
Leva-nos para a recordação de tempos bons e sadios, de uma vivência estudantil e desportiva, que nos marcou para toda a vida.
Responsabiliza-nos para uma actuação mais forte na defesa e prossecução daquilo em que acreditamos, de uma prática desportiva engrandecida na educação, cultura e formação profissional.
Obrigado Carlos pelo alerta, com esta publicação tão oportuna, e que a mesma nos reúna a todos agora e sempre no melhor para a nossa Académica.

Manuel António



ACADÉMICA


ao Manuel António

O domingo era sempre o nosso dia
a festa de sermos uma voz.
Éramos cem? Duzentos?
Os outros às vezes eram mil.
Mas éramos nós a ousadia
de quem salta o sonho e o redil.

Eu sei que não sabem destas coisas
os que vivem e se bastam dos presentes.
Mas nós éramos o sonho e a alegria
de sermos todos juntos e diferentes.

O domingo era sempre o nosso dia
de fazermos dos presentes coisa rara.
Era a luz que irrompia e se fundia
gravando no futuro a nossa cara.

Por isto não prescindo de sonhar
convosco outro jogo outra harmonia.
Nós somos desse tempo de ansiar
o lugar onde nasce a poesia.

Monte Estoril, 27.XII.2004


CARLOS CARRANCA

É um verdadeiro embaixador de Coimbra em Cascais. Poeta que canta exemplarmente os poemas, que faz - e os dos outros - na toada única do fado coimbrão; ensaísta que exalta a obra de Miguel Torga, quer em pertinentes digressões ensaísticas, quer declamando-lhe os versos; cultiva esmeradamente a imagem do conimbricense adoptivo fiel à sua pátria cultural, que dela se orgulha e amplia o charme, onde quer que esteja, com o calor da sua voz e o vigor da sua pena. O último livro - Coimbra à Guitarra (ed. Minerva Coimbra) -, que traz a assinatura de Carlos Carranca, é, ainda, uma continuação desse riquíssimo diálogo do poeta com a cidade do Mondego, colaboração da memória sensível que aqui se sobrepõe a todas as outras e lhe permite aprofundar esse grande amor, convocando para a causa da poesia nomes, mitos e lendas que lhe são caros e que nalguns casos se confundem com a nossa própria identidade. Porque Carranca é genuíno nas manifestações desta paixão e constante no esforço de propagação dela, a capa (negra) de embaixador assenta-lhe bem e Coimbra bem pode congratular-se de ter quem assim a "defenda" na enseada amena de Cascais.


Júlio Conrado in "Boca do Inferno", n.2 9, Março 2004

Carlos Paredes


Ó guitarra lusitana!
Ó harpa das loucas correrias!
Salgado mar das fantasias...
É a voz do povo que te chama!
Redentora e fraternal,
és tu quem anuncia
a hora da alegria
de ser de novo
o Povo,
o Rei de Portugal.

1993

COIMBRA, EL CANTO, LA GUITARRA Y LA POESÍA

El pasado viernes se clausuraron las "Jornadas Portuguesas en conmemoración del 25 de abril", que se han celebrado en la Universidad durante los días 5, 6 y 7 de mayo. Para cerrar el programa de actividades se celebró un concierto de fados y un recital de poesía portuguesa, presentados bajo el título "Coimbra, el canto, la guitarra y la poesía".
Los encargados de poner voz a esta especial actuación fueron D. Luis Gois y D. Carlos Carranca, acompañados por D. Durval Moreirinhas (viola) y D. Alexandre Bateiras (guitarra).
A pesar de las grandes dimensiones del Aula Magna, fue un acto recogido y familiar gracias a la penumbra y la concentración de los asistentes en las primeras filas. La proximidad entre el público y los artistas permitió el intercambio de diversos comentarios y guiños entre las butacas y el escenario.
Era emocionante la presencia en la tarima de aquellos cuatro hombres que se elevaban por encima de sus grises cabelleras para llenar el espacio con su música y con sus voces, desgarradas, tristes, dulces, capaces de hacerte temblar con un escalofrío; capaces de hacerte olvidar la frialdad de un escenario académico.

https://couperin.uc3m.es/prueba/GCII/archives/2004_05.html

CARLOS CARRANCA : VINTE ANOS DE POESIA*


TERESA FERRER PASSOS

«De la musique avant toute chose»
Verlaine


A poesia é Neste Lugar sem Portas − título da colectânea dos livros de poesia de Carlos Carranca, escritos nos últimos vinte anos, publicados pela editora Hugin − um lugar bem definido. É um espaço de papel em branco e é um vazio preenchido. É uma abertura para algo de secreto e também de demasiado concreto. É uma porta a abrir o caminho para outros lugares, como se não saísse do mesmo lugar, sendo este já outro lugar.
É um espaço novo a criar o espaço da liberdade. A liberdade, o espaço sem portas privilegiado pelo corpo poético. A liberdade, a inscrever-se num lugar imenso, sem portas e com uma porta aberta para o ser do poeta. O ser a libertar-se das portas e dos lugares da Imagem (1981), da Ressurreição (1992), da Serenata Nuclear (1994), das Pedras Suspensas (1996), do Homo Viator (1997) ou da Íntima Idade (2001). O ser a fazer eclodir a voz, a voz humana (assim chamava o poeta Jean Cocteau a um dos seus mais belos dramas), essa voz cheia de um som melodioso, musical, com uma música secreta, oculta música, música de origem pronta a maravilhar os instantes inesperados, os instantes da emoção já incontida e a saltar, juntando frases, palavras, sílabas, vogais e consoantes num novo e irreconhecível lugar.
É um pouco assim que nasce a poesia, que nasceu a poesia de Carlos Carranca. Uma poética de palavras musicais, melódicas, originárias e inovadoras, sintéticas e a analisar os mais imprevistos sentimentos, a dor e a alegria, a felicidade e desventura, o bem e o mal. Dos mundos subterrânicos do poeta emergem as fontes que alimentam as palavras a ecoar na voz humana. Esses mundos povoados de fantásticas figuras, de memórias mágicas, de feitiços portadores da felicidade e de bons deuses a favorecer os fiéis adoradores, mesmo de simples ídolos.
A poesia é o ofício Maior de Carlos Carranca. E porquê? Porque é, ao cultivá-la, que Carlos Carranca transmite o seu mundo, transmite-se no seu mundo ao mundo que o cerca. A esse mundo sobre que se debruça e que, ao mesmo tempo, está imerso nele e/ou nele se identifica. Esse mundo que o ultrapassa e que Carlos Caranca faz recuar à infância, às figuras lapidares da mãe, do pai, ou seja, da recôndita e indecifrável.
Neste Lugar sem Portas aparecem expressões bem enunciativas do sentido do discurso poético de Carlos Carranca: «Sinto a força da poesia / no calor rústico dos montes»(p.11); «E onde tudo é arte, / é o pão que se reparte / e a poesia»(p.51): «O poeta / é o pássaro / de asas misteriosas // Voa / a inundar / a noite» (p.90); «Tento enumerar a Vida em cada verso» (p.109). Reparemos que, desde o primeiro livro, Imagem, aqui inserido, neste acervo em boa hora oferecido aos portugueses, até ao último, Íntima Idade (2001), o poeta faz-nos disfrutar de uma poesia em que não está presente essa musicalidade encantatória que tantos poetas hoje publicados (e largamente divulgados pelos mais conceituados meios de comunicação social, em que destacamos jornais diários e algumas revistas de literatura) não alcançam. Nesses poetas falta a música, a melodia, o ritmo, a emoção e a invenção, numa conjugação propícia e mesmo indispensável a produzir a arte a que ainda se chama poesia. É que se não obedecer a estas marcas, a poesia já não o é. A poesia não é uma amálgama de palavras desgarradas, desordenadas, afinal adicionadas, ao ritmo da consciência, porque as palavras devem erguer-se ao ritmo da musicalidade da voz da consciência.
Vemos hoje eclodir em numerosas publicações aquilo a que poderíamos chamar uma simulação da poesia como género literário definido desde o grande poema de Homero.
De facto, adulterando as suas leis por muito flexíveis que elas sejam, modificando a sua forma por muito inovação que se lhe coloque, desconstruindo a sua metodologia essencial por muitas novas e indiscutivelmente belas metodologias que se lhe imprimam, pode-se criar um novo género literário, mas não se deve considerá-lo poesia. Se a poesia deve não perder toda uma dinâmica criativa, recriando-se e regenerando-se, enriquecendo-se no verbo ou discurso da palavra, igualmente não deve falsear a sua identidade prórpia. Como escreveu Octavio Paz, poeta que recebeu o Prémio Nobel da Literatura, «a frase poética es tiempo vivo, concreto: és ritmo, tiempo original, perpetuamente recreándose. Continuo renacer de nuevo»(in El Arco y la Lira, 1956, p.67), não bastam palavras sobrepondo-se, não bastam palavras em catadupa, não bastam palavras simulando a palavra. É precisa a palavra a escrever-se em novas palavras, em novas simbólicas, em novas magias, mas sempre no canto das palavras a serem a música de cada palavra.
Ora a poética de Carlos Carranca está perfeitamente imbuída dessa condição fundamental e/ou fundamentante de toda a verdadeira poesia. Como exemplo lembremos o poema «Guitarra Universal»: «Guitarra, meu bordão de peregrino!… / Ouve-se o destino / em tua voz misteriosa, / sempre ausente… // Guitarra − vidente, / Rosa a rosa / desfolhada no presente / pétala a pétala. // Senhora de Portugal! // Guitarra − nossa − condição. / Guitarra − povo. / Guitarra universal!» (Ob.cit., p.64).
E do poema pleno de música surge o poema ao instrumento musical que o povo português toca com dedos de cristal: a «Guitarra Lusitana» (p.65). Entre a poesia da música e a musicalidade da poesia está toda a voz de Carlos Carranca neste Lugar sem Portas.

* Apresentação da antologia de poesia Neste Lugar sem Portas de Carlos Carranca, feita pela autora no Teatro Mirita Casimiro em Monte Estoril, a 18 de Junho de 2002.

quarta-feira, setembro 20, 2006

Miguel Torga e a África Portuguesa*


Abordar o tema Miguel Torga e a África portuguesa é tarefa que, pelo seu ineditismo, se me afigura de interesse no campo dos estudos torguianos.
Quem tenha percorrido alguns quilómetros da obra do poeta de S. Martinho de Anta, terá encontrado, por certo, ao longo do percurso, em todas as suas vertentes
(poesia, teatro, ensaio, conto, romance, prosa diarística) homens de carne e osso com suas idiossincrasias, mas sobretudo homens e mulheres sem outra condição.
Fragilizado na sua condição de mortal, o homem torguiano aspira a uma autenticidade que tantas vezes choca o leitor pela rudeza, aproximando-o do bicho, mas singularizando-o na inteireza dos seus actos.
As suas personagens encerram (utilizando uma expressão de Fernão de Magalhães gonçalves) “toda a moral, toda a lei, toda a justiça, toda a doutrina” (1).
O indivíduo é um absoluto em confronto com outro absoluto.
No poema Sísifo, Torga revela-nos a matriz da sua obra literária, indissociável da sua vida:

Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto querias só metade.
E nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.(2)

Esta loucura lúcida, esta manifestação de liberdade individual projecta-a Miguel Torga no colectivo pátrio num outro poema A Largada de Poemas Ibéricos, em que os pinhais se transformam “ em frágeis caravelas”:

Pátria - Mãe - Viúva que ficava
Na areia fria aos gritos e aos gemidos
Pela morte dos filhos que beijava.(3)

Mas a empresa era a da vontade de um Povo inteiro, a

Do grande sonho que mandava ser
Cada homem tão firme nos seus pés
Que a nau tremesse sem ninguém tremer (4)

É a firme vontade de quem grita, num outro poema, a Vasco da Gama:

“Somos nós que fazemos o destino” (5)

Já há alguns anos escrevi que em torga as personagens são ele mesmo, e que o segredo da sua escrita, “reside em dar às coisas qualidades ocultas, sentir da Pátria as pulsações e ouvi-la em confissão, recriando-a - o cumprimento da sua vocação de homem e de artista, o seu destino de poeta”. (6)
A este propósito recorro a um outro poema, portugal, do Diário X.

Avivo no teu rosto que me deste
E torno mais real o rosto que te dou.
Mostro aos olhos que não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura, serás sempre o que sou.

Eu sou a liberdade dum perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço
Cavo, remo, imagino
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço.

Teimoso aventureiro da ilusão,
surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro
Mais alto ainda do que no passado” .(7)

Esta autenticidade, esta íntima relação com a Pátria, levá-lo-à às terras distantes do império colonial português em busca das pegadas cristianizadoras que arredondaram o mundo e das obras que justificassem a nossa presença nessas paragens.
Quando o escritor nos diz que “Temos de conhecer a nossa terra. Mas conhecê-la por dentro, sem preocupações históricas, arqueológicas, políticas ou outras. Conhecê-la como se conhece a mulher que se ama, com quem se dorme e com quem se repartem as alegrias e as tristezas” (8), está a declarar um amor íntimo e ilimitado que o levará de avião à cidade de Luanda, na esperança de voltar “ (...) outra vez a ser criança a desembarcar no Rio de Janeiro” (9).
E interroga-se, interrogando-nos:
“Teríamos realizado ali também um segundo Brasil, enobrecendo o planisfério com mais uma gigantesca e fraterna comunidade multirracial? (10)
A questão guiar-nos-à pelo tema.
Sigamos, pois, o Torga na interrogação que, aos poucos, se dissipará em contacto com a realidade.

Viagem

É o vento que me leva.
O vento lusitano
É este sopro humano
Universal
Que enfuna a inquietação de Portugal.
É esta fúria de loucura mansa
Que tudo alcança
Sem alcançar.
Que vai de céu em céu,
De mar em mar,
Até nunca chegar.
É esta tentação de me encontrar
Mais rico de amargura
Nas pausas da aventura
De me procurar...(11)

Angola

As primeiras impressões do contacto com o solo e gentes angolanas deixavam no ar alguma esperança, a de vir a encontrar na acção portuguesa o que achara no Brasil aquando da sua estadia como trabalhador na fazenda do seu tio – “ Terra de encontros de raças, que permitiu a mística e maravilhosa comunhão de sangues que o mundo conhece e admira” (12).
Em Luanda “ Brancos e pretos pareciam mover-se no mesmo afã na gare e nas ruas (13).
Mas adianta, cauteloso:
“ A luz do neon, a espectalizar as formas e os gestos, fazia esse milagre” (14).
E vinham-lhe, de novo, à memória, os tempos de menino:
“Voltava outra vez a ser criança e a desembarcar no Rio de Janeiro. O mesmo calor húmido e pegajoso, a mesma convivência de sangues, a mesma pronúncia amestiçada...” (15)
Tudo se havia passado a altas horas da noite e “ Só no dia seguinte (...) é que a verdade se mostrou na sua trágica nudez. Rodeada de bairros miseráveis onde a vida destribalizada dos moradores parecia ter perdido toda a coesão social, a cidade lembrava uma Sodoma de irresponsabilidade cercada de maldição.” (16)
Vintes anos antes, Torga declarara numa conferência proferida no Centro Transmontano de São Paulo que “ O Universal é o local sem paredes. É o autêntico que pode ser visto de todos os lados, e em todos os lados está certo, como a verdade.” (17)
Mas aqui a verdade era outra:
“ Os muceques de Luanda são bairros de lata de Lisboa. Em ambos se processa a mesma dissolução humana.” (18)
Abandona a grande cidade e vai procurar em centenas de quilómetros que percorre diariamente, um sentido para a nossa história colonial e para o futuro que adivinhava:
“ Mas enchia apenas os olhos de solidão genesíaca e a alma de amargura.” (19)
As novas realidades eram as das velhas injustiças “ (...) cidades cresciam de longe em longe, tentaculares e floridas. Mas sempre implantadas num descampado imenso e rodeadas da mesma miséria suja e prosmícua.” (20)
Em Luanda, o poeta sentia-se “ (...) intruso, rejeitado, excluído, com a impressão incómoda de que, se morresse aqui seria mais facilmente comido por dois abutres que me espreitassem da ponta de um galho seco do que pela terra da sepultura.” (21)
É numa visita a uma roça, a que o escritor se refere como sendo modelar, que a segregação racial se torna mais evidente: “(...) um abismo intransponível espacial e temporal, separa a casa grande da senzala.
indígena não faz parte da família. Ficou longe dos afectos, dos sentimentos, da fraternidade, e até, da sensualidade. Do amor, numa palavra. Isolado na sua aldeia, segregado, é uma máquina útil que no fim do trabalho recolhe à arrecadação.” (22)
No Lobito um monumento a Luís de Camões merece do escritor o seguinte comentário: “ (...) o épico a enfunar o peito heroico diante do analfabetismo indígena; a força da ocupação fortificada e celebrada; e a exploração colonial com as letras todas.” (23)
No deserto de Moçâmedes “ Rochas que parecem fantasmas, plantas que parecem bichos, bichos que parecem plantas, carcaças, rastros, silêncio.” (24)
Era a “ (...) imagem física da eternidade morta.” (25)
Em Sá da Bandeira, ao contemplar, de novo, os monumentos não consegue evitar que a imaginação os não derreta e os molde num futuro próximo por conta doutras glórias. Por conta de muitos Gungunhanas que esperam também a sua consagração.” (26)
Torga apercebe-se do absurdo do momento.
Teimosamente agarrados a um passado a que o presente não prometia futuro e certos de que a força das armas acabaria por lhes dar razão “ Por um lado, queriam à terra angolana do fundo do coração, por outro, não compreendiam que só em comunhão total com o indígena, a entender e a respeitar o seu património religioso, cultural e até material poderiam permanecer nela para sempre, cidadãos na pátria comum”. (27)
Torga é, nesta visita, o observador penetrante da inconsciência colonial.
Após a visita “ (...) à ponta do Zaire que o nosso conterrâneo Diogo Cão pisou pela primeira vez (...) fiu ver o que se passava na costa do índico”. (28)


Moçambique

Segregado por quinhentos anos de incompreensão racial, Torga procura o poema de um lugar capaz da fraternidade, onde o futuro erguesse o seu cântico.
Talvez do lado de lá fosse visível outra intenção...
“Desgraçadamente, o mal aí redobrava, desde a segregação, ao desnível económico, à escassa difusão da língua aglutinadora. As cidades cresciam também escaroladas e alinhadas entre muceques desordenados e sombrios, os monumentos proclamavam ainda mais ostensivamente o domínio branco, os espaços desabitados eram infinitos, não se descortinava de norte a sul da província a vontade de construir uma pátria original alicerçada em valores locais e enriquecida por valores carreados” (29).
Na Beira, assalta-o a enexistência de “ (...) um espírito de missão” (30).
A realidade angustia-o “ (...) mais pelo que falta de um generoso projecto colectivo do que pelo que existe ao abrigo de um jogo de egoísmos mal articulados” (31).
Uma das velhas paixões do poeta era a caça. Esses momentos venatórios, que, na sua terra o levaram a calcorrear montes e vales no rasto de uma perdiz, impeliam-no agora para a Gorongosa onde existiam “Bichos de todas as formas e feitios lado a lado, o hipopótamo enterrado nos charcos, o abutre empoleirado nos galhos, o crocodilo a flutuar nas lagoas, o búfalo a pastar nas clareias, o elefante abrigado nas ramas, a serpente enroscada nas sombras. (...)
E tudo numa abundância primordial, aos bandos, às manadas, aos enxames.” (32)
E de novo assaltam-lhe à memória os tempos do Brasil:
Aí “ A fauna desaparecia diante do esplendor arbório. Aqui, a clorofila deu lugar à proteina.” (33) Ainda na Gorongosa, o poeta, mais uma vez, dará de caras com um exemplo superior de incompreensão étnica:
“ Por muito que viva nunca esquecerei o pasmo irónico de três mulheres aborígenes, que não entendiam uma palavra de português, e o olhar oblíquo de um bando de homens sentados à roda da caçoila de fuba, enquanto nós nos banqueteávamos. Caras estranhas, enigmáticas, onde a minha má consciência lia o ódio, e talvez espelhassem apenas a instintiva desconfiança em qualquer natural por um semelhante que o não é. Entre mim e aqueles irmãos de espécie abria-se um abismo intransponível com quinhentos anos de largura.” (34)
desencanto ia ganhando dimensão dentro do poeta e como um mineiro da alma sondava a nossa incapacidade:
“ com um mapa geográfico numa das mãos e a espada pacificadora na outra, atravessámos os séculos na paz de espírito dos justos, sem cuidarmos de descer às funduras da alma indígena e de lhes perscrutar os recantos enigmáticos.” (35)
Em Cabora Bassa, o seu instinto de aldeão, respeitador dos velhos costumes comunitários, simbolizados, entre nós, na vara da justiça, ou no forno do povo, mereceu-lhe o comentário num instinto nuclear de sobrevivência irremediavelmente condenada:
“ Aqui como em Vilarinho da Furna, como em Assuão, como em toda a parte. (...) Um lago imenso vai deixar sem deuses, sem mortos, sem berço e sem memória milhares de criaturas. Milhões de pulsações cardíacas trocadas por milhões de quilovátios” (36).
Como referi no início, vislumbra-se nas observações que o poeta vai fazendo durante a sua viagem que o negativo das situações não o deixava árido de esperança. Era a vontade prometeica aliada a uma natural persistência trágica sisifana, que lhe prometiam o momento da luz. Sísifo haveria de chegar ao cume da montanha rolando a sua pedra, e Prometeu não deixaria de revelar a luz.
Tinha chegado o momento. Na Ilha de Moçambique Torga reencontra, finalmente, o equilíbrio:
“Louvado seja Deus Nosso Senhor! Até que enfim posso regressar sossegado, com a viagem justificada em todas as minhas exigências de homem e de Português” (37).
E o escritor acrescenta, radiante:
“ Como num tubo de ensaio, todas as combinações e reacções humanas tinham sido levadas a cabo no pequeno recife. A Europa, a África e a Ásia, entrelaçada na arte, na cultura, na vida e na morte. Cristo de mãos dadas com Maomé, a Tora ao lado dos Evangelhos, o vestido a saudar o sari e a capulana (...) contradições que pareciam insolúveis, revolvidas em perfeita harmonia. Na arquitectura, nas crenças, nas relações. O espírito soubera encontrar naquelas paragens o denominador comum dos critérios mais inconciliáveis.
Ali, sim, Camões podia legitimamente abrir o peito épico às brisas, D.João de Castro calcular os desvios da agulha de marear, S. Francisco Xavier deixar no chão pegadas da sua caminhada cristianizadora. (...) Aquele baluarte de fraternidade respondia pelo futuro ecuménico de Portugal” (38).
De olhos consolados, Torga despede-se de África. Não sem antes dialogar com um resistente nacionalista “ Inteligente, frio e peremptório. Cada palavra que saía da boca parecia uma punhalada. (...) Tudo na óptica dele, estava errado na África portuguesa” (39).
O poeta responde-lhe recorrendo a um episódio em que tinha sido um dos protagonistas num congresso de escritores, em S. Paulo:
“ Um camarada brasileiro apostrofava a colonização portuguesa, que desejaria mil vezes trocada pela holandesa. E, quando a assistência esperava de mim um protesto indignado, apenas a pensar no que seria o meu desespero se me visse na triste situação de ouvir coisas assim em flamengo... Mas, felizmente, oiço-o em português...” (40).


Conclusão


Tudo o que se possa dizer em jeito de conclusão desliza inevitavelmente para a redundância.
Torga possui a rara qualidade que fez o escritor: a de escrever com a maior economia de palavras o mais rico e profundo dos mundos e conceitos.
É possível que eu tenha falhado nos passos desta viagem, mas estou certo que o poeta, esse , não falhou.
Foi como poeta que Torga sentiu a África portuguesa, e foi como português do Mundo que sofreu o pesadelo da nossa falência civilizadora.


Carlos Carranca

*Publicado em livro pelas edições Universitárias Lusófonas e integrando um conjunto de textos publicados com o título “Torga, O Bicho Religioso”, pela Universitária Editora.

Notas


1 - Fernão de Magalhães Gonçalves, “Sete Meditações sobre Miguel Torga”, Coimbra, pág. 100.
2 - Publicado em Colóquio/Letras 43 ( Maio de 1978) pág. 66 e depois incluído em Diário XIII, pág.20.
3 - Miguel Torga, Poemas Ibéricos, 2ª ed., Coimbra, pág.22.
4 - Op. cit., pág. 22.
5 - Op. cit., pág. 44.
6 - Carlos Carranca, Torga, o português do Mundo, Coimbra Editora, 1988, pág. 53.
7 - Miguel Torga, Diário X, págs. 18/19.
8 - Miguel Torga, Diário X, Pág. 60.
9 - Miguel Torga, A Criação do Mundo, O Sexto Dia, pág. 165.
10 - Op., pág. 165.
11 - Miguel Torga, Diário XII, pág. 9.
12 - Miguel Torga, Traço de União, Coimbra, pág. 14.
13 - Miguel Torga, A Criação do Mundo, O Sexto Dia, pág. 166.
14 - Op. cit., pág. 166.
15- Op. cit., pág. 165.
16 - Op. cit., pág. 166.
17 - Miguel Torga, Traço de União, pág. 69.
18 - Miguel Torga, Diário XII, pág. 24.
19 - Miguel Torga, A Criação do Mundo, O Sexto Dia, pág. 167.
20 - Op. cit., pág. 168.
21 - Miguel Torga, Diário XII, pág. 12.
22 - Miguel Torga, Diário XII, pág. 15.
23 - Miguel Torga, Diário XII, pág. 24.
24 - Miguel Torga, A Criação do Mundo, O Sexto dia, pág. 167.
25 - Op. cit., pág. 168.
26 - Miguel torga, Diário XII, pág.12.
27 - Miguel torga, A Criação do Mundo, O Sexto Dia, pág. 170.
28 - Op. cit., pág. 171.
29 - Miguel Torga, DiárioXII, pág. 27.
30 - Op. cit.,pág. 27.
31 - Op. cit.,pág. 27.
32 - Op. cit.,pág. 28.
33 - Op. cit.,pág. 28.
34 - Op. cit.,pág. 29.
35 - Miguel Torga, A Criação do Mundo, O Sexto Dia, pág. 175.
36 - Miguel Torga, Diário XII, pág. 31.
37 - Miguel Torga, Diário XII, pág. 31.
38 - Miguel Torga, A Criação do Mundo, O Sexto Dia, págs 176/7.
39 - Miguel Torga, Diário XII, pág. 33.
40 - Miguel Torga, Diário XII, pág. 33.

LUIZ GOES: DE ONTEM. DE HOJE E DE SEMPRE*

Dizia Teixeira de Pascoses que a voz de Hilário subia nas noites de Coimbra até se ouvir na lua.
Era ele o primeiro grande cantor das inesquecíveis noites de luar da Velha Alta.
Hoje,' no dealbar do novo milénio, cem anos depois de Hilário, a voz de Luiz Goes enche a noite, universalizando a toada coimbrã, penetrando fundo na cósmica inquietação do Futuro.
A alma de Coimbra é voz de Luiz Goes e a voz de Luiz Goes é a telúrica e trágica da condição humana.
A sua obra é um monumento humano. É obra moça. Não exibe velhices precoces, é fruto de uma personalidade riquíssima, de uma sensibilidade invulgar e de uma visão plural da vida.
- É através de ti, da tua voz, das tuas interpretações, dos teus poemas, que Coimbra ultrapassa os limites da cidade, vai mais longe, vai ao encontro de quem sonha, do homem só, adquire sangue novo.
Chega mais longe porque tu lhe insuflaste a tua própria vida, lhe deste a tua inteligência e a tua criatividade inacessíveis aos que de Coimbra se contentam em imitar o estilo, a exibir erudição a contabilizar louvores.
Com Luiz Goes o canto de Coimbra rompe com a «lamechice», desce às raízes, ganha autenticidade e sensualidade.
Luiz Goes não só canta, como escreve sobre nós, e fá-lo apaixonadamente. Os labirintos da nossa alma profunda percorrem as suas canções. São pedaços de nós, de Portugal, de uma paisagem física e humana que visceralmente somos.
Seus versos pedem canto. E o que é cantar? É talvez o meio de sermos por fora o que somos por dentro. É escancarar o que nos vai na alma reduzindo a distância que nos separa. E não há forma mais perfeita de estar com os outros.
Em Luiz Goes habitam as múltiplas influências do trovador inquieto e intemporal, do poeta, do respeitador da tradição no que ela possui de essencial, rejeitando exibicionismos vocais, poéticos saudosismos serôdios e intransigências reaccionárias.
Luiz Goes é um cantor da Saudade. Mas de uma saudade que nos faz compreender que todos nós comparticipamos num ser universal.
Mergulhando as suas raízes num sebastianismo de raiz po¬pular, não desdenha, estou certo, subscrever a afirmação do poeta de «Marânus»: Em Portugal o que existe é o Povo e os seus Poetas.
Este é o homem que, exteriorizando as suas faculdades de artista, a sua inteligência, a sua emotividade, realizou uma das mais belas e imperfeitas obras de que a cidade do Mondego se orgulha: a união da tradição com a modernidade.
Goes conseguiu retirar o chamado Fado de Coimbra da modorra em que se encontrava e dar-lhe a dimensão transgresso¬ra que os novos tempos exigiam, sem o conotar política ou par¬tidariamente.
Na esteira de seu tio Armando Goes, que na. opinião de Alberto Serpa era «uma alma medieval em corpo de moiro, o da voz que nos fala e nos faz mal», Luiz Goes prossegue casa he¬rança de inquietude que encontrará exemplarmente personificada no poeta e grande renovador de canção de Coimbra, Edmundo Bettencourt.

Bettencourt foi para Goes a liberdade criativa e o espírito criativo, a própria graça e desgraça do ser humano, alguém que preferia põe o talento na arte a pô-lo na vida, alguém que o mar¬cou para todo o sempre.
Goes virá a representar no panorama da canção coimbrã, ainda que tardiamente, o espírito da geração de «Presença», sin¬gularizando-se. Ele é a Arte Viva, pela originalidade, pela sinceri¬dade.
Luiz Goes realizou, assim, nos anos 60, alguns dos objec¬tivos da «Presença» iniciados no canto e na poesia por Edmundo Bettencourt.
Muito cedo a voz portentosa e cheia de Luiz Goes se impôs como expoente da canção coimbrã.
Ainda na década de 40, integra um grupo de amigos que, no liceu D. João III, se inicia no chamado Fado de Coimbra. Eram eles: António Portugal, Zé Dias, Costa Brás, Manuel Mora e Zeca Afonso.
Depois foi um nunca mais parar, deixando o seu nome liga¬do ao Orfeon Académico, à Tuna, ao Grupo Coral da Faculdade de Letras.
Na década de 50, mais uma vez acompanhado por António Portugal, grava um disco memorável, iniciador da viragem quali¬tativa que há muito se impunha, e que ficou conhecido por «Coimbra Quintet».
Mas é na década de 60, regressado da Guerra Colonial, que o criador e intérprete se revela em todas as suas potencialidades.
Novos rumos de criação poética, novas pautas, novos sons exigem de Goes um mais além que a sua dimensão de artista dra¬maticamente rasgou, buscando horizontes novos.
Gostará Luiz Goes que neste momento seja recordado o seu amigo João Bagão, virtuoso da guitarra, companheiro impres¬cindível na razão dos seus êxitos, partilhados à viola por António Toscano, João Gomes e Durval Moreirinhas.
Assim, em Lisboa, nos anos 60, Coimbra ganhava dimensão de Capital.
Não há memória de a Canção de Coimbra ter atingido uma tão grande popularidade.
O Goes ouvia-se por o lado. Os seus versos e os do poeta Leonel Neves tomam-se referências obrigatórias em encontros da juventude:

Tu que crês num mundo maior e melhor
Grita bem alto que o céu está aqui.
Tu que vês irmãos, só irmãos em redor
Crê que esse mundo começa por ti

(LNeves)

ou
Ao ouvir a voz do povo
é que se aprende a verdade
quem ama nasce de novo
e vive sem ter idade
(L Goes)

As canções incluídas nos LPs Coimbra de Ontem e de Hoje, Canções do Mar e da Vida, Canções de Amor e de Esperança e Canções Para Quase Todos que mereceram, na altura, incom¬preensão de alguns «puristas» do Fado de Coimbra com comen¬tários do género isto é tudo menos Coimbra ou Goes ultrapassou os limites, humildemente reconhecerão hoje que os poetas têm razão antes do tempo, antecipam os acontecimentos que só a juventude sabe compreender.
E por isto que Luiz Goes continua a acreditar. A acreditar nos jovens e nos futuros estudantes da sua terra e de todas as ter¬ras, e em todos o homens e mulheres capazes de um olhar virgem em gente «que traga uma palavra amiga, semente de esperança na seara da vida».
- Neste dia de júbilo comemorativo não consigo encontrar outra maneira de concluir estas palavras senão lendo um curto poema que António Toscano soube compreender, musicando-o, e tu soubeste interpretar, como ninguém. Parece ter nascido para o momento que estamos a viver: É de Miguel Torga. É teu porque o honraste assim como a terra que foi teu berço e hoje é de novo, o teu lugar do canto - Coimbra.

Aqui, neste país e nesta hora
Aqui, junto dos meus,
Mortos e vivos.
Aqui, de pés atados,
Livre como os balões cativos,
Que pairam, ancorados.

* Discurso proferido no dia 4 de Julho de 1998, na cerimónia
da entrega da Medalha de Ouro da Cidade de Coimbra a
Luiz Goes e publicado no Jornal de Coimbra a 8 de Junho, 98

LUIZ GOES "REGRESSA" A COIMBRA

Vinte e dois anos após a gravação do seu último trabalho
"Canções para quase todos", Luiz Goes regressa em "Coimbra - espinto e raiz", projecto conjunto de João Moura, Carlos Carranca e José Santos.
"Convosco regresso à Coimbra de sempre" escreve Luiz Goes a abrir o livro que acompanha o CD/DVD e que faz a história das três últimas décadas da Canção de Coimbra.
Iniciado no longínquo ano de 1982, este projecto da autoria de João Moura é o produto de múltiplas vivências congregadas nos afectos que enraizaram por Coimbra "A voz de Goes estava no meu subconsciente desde o início deste projecto".
Aos sete temas da autoria de João Moura e Carlos Carranca,
juntam se mais três de Luiz Goes, Edmundo Bettencourt e José Santos. O CD inclui ainda três composições para guitarra e flauta, da autoria de João Moura e Abel Gonçalves, sendo uma delas um tributo a Carlos Paredes.
O trabalho é acompanhado de um livro intitulado "Coimbra do meu tempo", onde se transcrevem os poemas cantados e ilustrado com fotografias de Mário Afonso que foi primeiro presidente da secção de Fado de AAC, para além do DVD onde se inclui para alérn de outros,um documentário sobre a obra.
Um verdadeiro manifesto sobre a música coimbrã!
É esta a proposta que a Coimbra XXI faz a todos quantos apreciam o estilo.

Diário As Beiras , 19-08-2005

O (en)canto de Coimbra

Luiz Goes regressa decorridos 20 anos sobre a última gravação

Um autêntico e mui pertinente documento, assim se poderá classificar Coimbra, Espírito e Raiz, título de um projecto que chega ao mercado em CD, DVD e livro e cuja finalidade não podia ser mais nobre: preservar o encanto da música de Coimbra.
O que desde logo é conseguido pela voz de Luiz Coes que, mais de 20 anos decorridos sobre a última gravação, como que regressa, qual narrador-protagonista, para contar a história da canção coimbrã. Porque é disso mesmo que se trata aqui.
Coimbra, Espírito e Raiz é, na verdade, um projecto com raízes profundas no tempo, desde 1982 alimentado por João Moura que,
para erguer e consolidar a obra, contou com as colaborações de Carlos Carranca. José Santos, Edmundo Bettencourt e, claro, do próprio Luiz Coes. A eles se devem as 13 composições que integram o disco, canções originais de hoje e de sempre onde Coimbra pulsa na voz de Goes e no trinado da sua guitarra.
Do conjunto de temas, a que não falta sequer a História Encantada de Pedro e Inês, realce ainda para três instrumentais de guitarra e flauta, um dos quais um sentido Tributo a Carlos a Paredes
A complementar esta viagem ao coração da canção coimbrã, está ainda um DVD, de que se destaca um documentário alusivo ao projecto e um pequeno livro intitulado "Coimbra do Meu Tempo" que, além dos poemas cantados, inclui também um conjunto de fotografias (a preto e branco) da autoria de Mário Afonso, o primeiro presidente da secção de fado da Associação Académica de Coimbra.
Numa altura em que a globalização ameaça sufocar as manifestações culturais não anglo-saxónicas. são trabalhos como este que permitem preservar um património cultural que, mais que de Coimbra, é de todos nós.

Coimbra- Espírito e Raiz
Artista
Voz
Luiz Goes

Editora
Coimbra XXI

Correio da Manhã (2005)
Luís F. Silva
Nota ***** (cinco estrelas)

Coimbra – Espírito e Raiz

Texto - carta de Filipe Batista, Professor de Filosofia, residente em Montréal, Canadá, autor de um programa de rádio semanal, às 4ªas feiras, entre as 15 e as 16 h portuguesas, no site http://www.radiovm.com/, dedicado à música portuguesa.


Muito querido amigo, Luiz Goes.

Eis, pois, os sentimentos que me animam perante este magnífico trabalho, Espírito e Raiz. Trabalho este que invade todo o meu ser.

Como sabe, os seus poemas e a sua voz são a minha companhia onde quer que esteja. A sua alma também é minha. Esta apropriação do seu universo poético-musical passa por uma corda muito sensível que ressoa sempre que a harpa da nostalgia, da saudade e da paixão vibra com o sopro do momento. E porquê? Trata-se, a meu ver, "de uma verdadeira questão filosόfica", ou seja, uma pergunta sem resposta. A explicação mais plausível reside, de certa maneira, no facto de que o seu universo artístico também é o meu. Sό sei dizer que me sinto bem! Sinto-me em uníssono com o seu mundo. Vou-lhe fazer mesmo uma confidência: quando chegar o meu dia derradeiro, o dia de passagem deste mundo para o "outro"(...!), quero que a sua voz seja o requiem que me acompanha.
Por outro lado, devo dizer que me é muito difícil fazer uma crítica do seu novo trabalho, Espírito e Raiz. Para já, o meu espírito de "delinquente", neste campo, sente um certo mau estar - para não dizer desdém - com a palavra crítica... Também tenho grande dificuldade “...com os velhos curas da legalidade...”, como refere na entrevista do seu DVD, e com muita pertinência. Fazemos parte de um mundo à parte; um mundo que não coincide com os modelos oficiais! Eles tiram-nos toda a espontaneidade e criatividade. Por outro lado, estou tão implicado no seu universo musical que não tenho recuo suficiente para falar sobre ele. - Olhe, Luiz, que trabalho maravilhoso!... Ao ouvir a sua voz que se prolonga na poética intemporal de Carlos Carranca e no arpejar sublime da guitarra de João Moura e doce melodia da flauta de Abel Gonçalves, numa sinfonia de emoções e sentimentos, todo o meu ser vibra e se ilumina num arrepio de prazer!!... Que mais posso dizer no limite das palavras?!...
De uma maneira mais fria e tentando quase o impossível, farei os seguintes reparos sobre o trabalho: a) a sua forma plástica e b) o fundo da mensagem.

A) a forma plástica do trabalho:

Devo dizer que graficamente é um trabalho rico, pois “fere” a sensibilidade e o imaginário não só de todos aqueles que passaram por Coimbra, mas também aqueles que, como eu, penetram e vivem, de alguma maneira, aquilo que foi e é a alma coimbrã. Feliz equação ou concordância entre o branco e o preto das imagens e o contraste da luz alaranjada que excita a memória e provoca igualmente o imaginário. Mesmo sob o ponto de vista de formato de livro com CD e DVD integrados, é uma embalagem de esmerado gosto. Sobre este plano, esta apresentação de elevado requinte artístico, traduz bem o trabalho de Espírito e Raiz. Assim “o ter passado por lá...” dá lugar ao “estar lá...”. Isto explica que tenha havido uma história onde cada um se reconhece e se representa como autor de um passado que a memόria recria a todo o momento, isto é, o começo daquilo que é ser, na essência, de alma coimbrã. As imagens (fotografias e vídeo) na sua conotação, são constituídas por uma arquitectura de sinais vindos de uma profunda e grande variedade de léxicos referentes á psique de cada um. Esta é, nesta perspectiva, articulada como linguagem. Sobre este ponto de vista, a imagem não sendo a realidade, é o analogon, trata-se de uma mensagem sem código. Quer isto dizer que a fotografia é uma mensagem contínua. Neste sentido, pode-se dizer que o trabalho, enquanto obra de arte, comporta duas mensagens: uma que é o analogon ou mensagem conotada e outra que é a mensagem que o imaginário dos seus artistas exprime através da sua maneira de interpretar artisticamente a realidade enquanto memória. De certa maneira, a conotação não se deixa ler imediatamente. Num primeiro tempo, ela põe em alvoroço o imaginário. Ela é o invisível activo e o claro implícito. Aqui reside a grande força da imagem numa perspectiva de Roland Barthes. Ainda de um ponto de vista gráfico, posso acrescentar que se trata de um trabalho em que as novas tecnologias acentuam com muita acuidade uma admirável estética que põe em alvoroço aquilo que muito nos prestigia: a riqueza da nossa cultura musical. E aqui discordo com algumas interpretações de “intelectuais puristas” exprimindo a ideia de que a canção de Coimbra mais não é que um epifenόmeno. Que importa?! Nem por isso deixa de ser um elemento integrador da nossa rica cultura musical, sobretudo quando se trata de um trabalho de envergadura como o de Espírito e Raiz.

B) O fundo da mensagem:

Antes de mais tenho de dizer que este trabalho, de alto nível artistico, poesia, voz e instrumentos numa perfeita harmonia, define, sobre o plano estético, uma grande originalidade. E aqui estou de acordo com a ideia do amigo do Luiz Goes – aquele que está a fazer o trabalho sobre a sua obra e que o nome esqueço – que este trabalho confirma o facto de que estamos perante uma redefinição senão uma nova estética da canção de Coimbra. Uma das suas características mais relevantes reside na excelência do trabalho, sobretudo na sua forma criadora e reinventiva de um passado sempre presente, rico em imagens, recordações de todo o tipo que põem em alvoroço o verdadeiro ser coimbrão. Isto é o Espirito e Raiz. Este dizer do tempo e no tempo exprime, a meu ver, aquilo que é próprio, fundamental do espírito e da alma coimbrã. Estamos perante um eu que se alimenta do imaginário dos seus mais estimados poetas, cantores, guitarristas e outros instrumentistas que finalmente cantam e tocam a alma lusitana. Assim, a poética intemporal de Carlos Carranca, garante a este trabalho uma profundidade e um rigor difíceis de qualificar e igualar. «Eu que nasci no mar, sou um homem da montanha!», diz ele. E ainda: «... tuna aquante,/ sol líquido de espuma,/ serra parada na bruma/ do milagre desse instante...». Arauto sensível e delicado da alma coimbrã, sua musa habita a Serra da Lousã e navega em vela panda nas águas cristalinas do Mondego. O verão passado, tive o privilégio e o prazer de admirar e sentir, no mais profundo do meu ser, quão grande é sua alma e quanto ela se confunde e funde ao rigor e beleza da montanha. Nela ecoam as vozes e os sons, mesmo se distantes, de uma alma que o seu rico imaginário transforma num poema permanente á tão amada Coimbra.
Como já referi nos textos das emissões que fiz sobre a sua obra, “...a voz do Luiz Goes é o espírito que sai e anda nas coisas e que faz vibrar todas as nossas cordas sensíveis como o vento o canavial, fundindo-se assim ao nosso mundo sensível como o ser ao pensamento. Esta voz é a expressão de um mundo interior sem limites. Ela abre rasgos de prazer na nossa sensibilidade e perdura nas emoções que provoca. A sua voz canta o mundo e o que falta ao mundo para ser música. Esta voz que esculpe o poema, é o exterior do interior e o interior do exterior que nos permite a duplicidade do seu sentir. É emprestando a sua voz ao mundo que, como cantor, transforma o mundo em música. Ela fere o segredo mais profundo do ser audível, excitando assim o nosso desejo que se prolonga num imaginário criador que não é outra coisa senão o nosso ser musical. Para se compreender estas transubstanciações, é preciso descobrir a voz operante e actual, aquela que não é somente uma parcela de espaço sonoro, uma simples amálgama de funções, mas um entrelaçado de emoções. Este universo artístico é bem o que nos une e nos maravilha e que faz de nós seres permanentemente insatisfeitos com uma aversão marcada a tudo o que é oficial . Traduzindo um pouco o pensamento de Nietszche, diria que é a partir desta “desobediência” que o homem começa a ser um animal interessante. Permita-me um último desabafo: excessivo, o meu pensamento voa através de uma nuvem de emoções que transforma em melodias e que um arrepio longínquo de ecos do passado acaricia no tempo; este fluxo de nostalgia corre em mim como certeza e este desejo de navegar num mar sem limites exprime toda a minha alma, todo o meu ser sempre presente na distância do tempo.

E que sentimentos exprimir pela virtuosidade e interpretações à guitarra de João Moura? Elas são as estrelas que alumiam e conduzem a voz de Luiz Goes e a poética de Carlos Carranca através do tempo, tal uma veia por onde corre a canção de Coimbra em doce nostalgia e que tanto seduz e encanta!

Apenas um último reparo sobre o DVD:
A Sé Velha, como cenário privilegiado para recolha das imagens de Espírito e Raiz, é uma escolha que me parece inteligente e adequada. Eu diria mesmo que, essa evocação traduz um certo espírito mítico coimbrão que esse e outros monumentos evocam e alimentam. Recordá-los é reviver, de certa forma, um “passado glorioso”. Graças à cultura, um universo religioso e uma mitologia “demistificada”, formaram e alimentaram a Civilização Ocidental, a única civilização que faz figura de modelo. Mesmo se o “logos” (livro) triunfou sobre o “mitos”(tradição oral), nesses monumentos pode se auscultar uma Antiguidade rica em revelações, personagens e feitos fabulosos aos quais estamos ligados. Nas suas paredes ecoam ainda as vozes do passado. O Luiz recorda um pouco esse facto: “Nos degraus da Velha Sé, canta alguém junto da porta à guitarra acompanhado, vá lá jurar que não era alguma guitarra morta, alguma voz do passado...” Directa ou indirectamente, o mito opera uma certa elevação. Ele constitui uma espécie de código de referência onde estão patentes os rituais que gerem o sentido e realçam o valor estético-musical, de certa maneira, da obra. Uma palavra de grande apreço para toda a equipa de realização. Tecnicamente o DVD está muito bem realizado. O trabalho da câmara merece especial relevo, particularmente no que diz respeito aos movimentos de câmara. A montagem permite uma perfeita harmonia entre a plasticidade (estética) e a mensagem da obra: isto é a obra de arte total.
Aqui fica, pois, estimado Luiz Goes, um pouco, o depoimento dos meus sentimentos acerca da sua obra, frescura e juventude de uma alma onde se retrata todo o meu espírito: Espírito e Raiz, uma obra de arte que deve ser escutada com paixão e amor, pois trata-se do canto de uma eterna juventude!

Um grande abraço de reconhecimento e de profunda estima do grande amigo.

Filipe Batista

Montréal, 19 de Outubro de 2005

A MATRIZ COIMBRÃ QUE É OUTRA MÚSICA

JOSÉ HENRIQUE DIAS *


Coimbra - espírito e raiz. Urna guitarra e uma voz. A guitarra de João Moura, a voz de Luiz Goes. A música de matriz coimbrã, na mais alta expressão, está de volta na raiz e no espírito, profundamente renovada, tocada pelo sopro do génio. Rei Midas que aurifica onde a sua voz ressoa, sentida de um sentir que é irrepetível, onde os anos suportam pela sensibilidade a memória do seu esplendor de outros tempos, Luiz Goes surge a cantar versos de Carlos Carranca e também versos seus e de José Santos num novo objecto de culto que deve ser ouvido, lido e visto para se voltar a sentir a música coimbrã no que pode ter de universalidade.
Se os versos de Carlos Carranca, escritos sobre a música, têm a simplicidade que os torna cantáveis sem perda de substância poética, as composições de João Moura acordam em nós ecos da intemporalidade só possível onde a inovação acrescenta e restaura a harmonia apelativa de urna Coimbra que, rnais que um lugar, é algo que anda por dentro de nós, nos habita para nos fazer em cada instante reviver, não o passado morto, mas uma espécie de magia que não se explica por palavras, que só entende quem a viveu nos verdes anos e que assalta os afectos de quem nela não viveu.
Ressalta dos dedos ágeis do compositor - intérprete uma musicalidade que inebria e nos comove, anda na voz de Luiz Goes a singularidade de um timbre que ainda que o tempo ocasionalmente toque, intocável permanece a
capacidade de dizer as palavras povoadas de sensibilidade e arte, a dimensões só possíveis aos que os deuses sagraram.
Ouça-se essa invulgar Guitarra de Coimbra, poema de Carlos Carranca que João Moura modela em harmoniosa e espectacular construção, permitindo nos perceber, se não formos embotados de sensibilidade, o que tem de diferente a música coimbrã, pelo que a reconhecemos aos primeiros acordes, instrumento que mudou de forma e pulmão, que se afinou em outro tom, emancipada em Paredes, rei Artur desse Graal suspenso dos dedos, que esse outro génio Paredes, rei Carlos das dimensões sinfónicas e dignidade orquestral. universalizou: Guitarra longínqua! que tocas por dentro dos muros! as palavras esquecidas do passado.! Voz eterna por dentro de Coimbra! dedilhada por cada homem! que passa e tange! por dentro do sonho! a dança fantástica dos teus dedos.
Fantástica é a dança dos dedos de João Moura em todos os arranjos musicais, com a guitarra em melodias diversificadas num sublinhado enriquecedor do canto, como se descobre em “Não mais repouses”, um belíssimo poema desse grande poeta e também cultor da música coimbrã, Edmundo de Bettencourt, um tocante hino à Liberdade a que Luiz Goes confere a força e ternura do que só ele é capaz, reconduzindo-nos ao tempo sombrio em que se apetecia e bebia até à insuportável dor a liberdade.
Com lágrimas da noite,/ a flor do amor abriu./ Mas cego, em sua luz,/ o Sol não vence o frio./No florido jardim desta prisão,/ É gelo de ironia a primavera./ Anda ligeiro, não mais repouses, coração,/ que a liberdade sofre e chora à nossa espera.
Uma dolência baloiçante entretece a lindíssima balada Linda menina, onde Carranca com inspirada simplicidade nos convoca para as raízes da música coimbrã, com rigor e mestria, num fusional encontro com a composição de Moura, corno os temas dos espaços e das lendas ressurgem numa renovadora respiração em História encantada, Pedro e Inês e amores desventurados, o rio e o sonho revigorados, e nós com os mitos e as lendas embalados no voo de águia da interpretação de Luiz Goes.
João Bagão, esse outro mestre da guitarra coimbrã, é evocado na aventura da guitarra, que ele levou tão alto também com Goes, cordas de sonho a voar! alma do povo e do tempo, a guitarra de Coimbra, eterna rapariga, que vibra em nós e nos percorre como a febre, nos aconchega e nos senta no colo de todo o tempo de ficar e partir sempre, nas ondas de uni lamento, e a que chamamos em todas as idades, nas palavras de Carlos Carranca, a nossa mãe antiga, em Versos para uma guitarra do meu tempo, outra das grandes composições deste disco.
Não vamos percorrer uma a uma todas as composições deste raro objecto de arte maior onde a poesia e a música se tocam em amor de sangue e carne, e Coimbra se enaltece e se pode rever corri inusitado orgulho. Será preciso ser muito dado à pequenez e às proverbiais invejocas para andar a espiolhar fragilidades sempre presentes em qualquer obra. Venho falando de um disco de música coimbrã onde se sente o trabalho e o amor pelas nossas coisas, e pelo que nele desfrutamos resta-nos sempre glorificar todos os que nele intervêm. Nele, de uma forma assumida de compromisso com a qualidade, Andam pela terra os poetas, revisitam Coimbra e a sua música, poesia nas palavras, na voz, no canto, na guitarra, na viola, ria flauta, tudo plasmado, tudo meticulosamente trabalhado para que a música coimbrã fiel às raízes retome o espírito da inovação e se requalifique, sobretudo não se confunda com algumas aventuras que, pelo rebuscamento, abastardam a essência ao blasonarem renovação.
Constituem este magnífico objecto um livrinho de apurado gosto gráfico onde se transcrevem os poemas cantados, e se faz história de uma época em que tudo parecia esboroar-se, e que se ergueu contra tolices datadas pelo esforço de uns tantos, entre eles João Moura, José Santos e Carlos Carranca, que reiteradamente pelos espaços da sua vida profissional continuam a impor, isto é, a lançar verdadeiros manifestos sobre a música de Coimbra Acresce-lhe um DVD em que sabemos da construção do disco, convivemos com os afectos e temos as imagens de gentes e lugares.
Um objecto de arte, que urge promover e que é imperdível!

* Professor da Univ. Nova de Lisboa e do Instituto Superior Miguel Torga
30-07-2005, Diário de Coimbra

O escritor, a Europa e a sociedade do futuro


Talvez toda a literatura nasça de um golpe, de uma ferida que se torna cicatriz de um corpo, de uma Pátria, de uma identidade.
É sempre algo que nos dói e nos torna mais conscientes da nossa condição.
É sempre a marca da nossa personalidade, dos muitos sonhos que tentamos realizar, do muito que percorremos.
Cicatrizes como resultado de um cem número de deslumbramentos, de ganhos e de perdas. Cicatrizes como roteiro dessa viagem de exílio que é a do escritor. Porque escrever é estar sempre fora, é “ser estrangeiro no mundo” ansiando, sempre, por uma pátria ideal, sem dogmas nem preconceitos, nossa, feita de velhas raízes e novos ramos, sob os quais possamos pernoitar, habitar e conviver, à sombra da sua altura.
A nossa literatura, a portuguesa, é, como se sabe, desde o início, uma literatura marcada pela errância. Errância pelo mundo, pelo oriente, pela Europa, por todos os continentes do homem.
Talvez Fernando Pessoa seja o exemplo mais universal dessa errância, Sem sair do lugar. De uma errância que se fez pelo desdobramento da personalidade, pelo muito imaginar, pelo muito pensar, por uma certa forma de navegação espiritual que também sintetiza a nossa história o nosso povo.
De duas grandes e profundas feridas, as guerras mundiais, restam hoje as cicatrizes que ajudaram a dividir o mundo e a Europa.
Dos longínquos anos da 2.ª Guerra, os horrores que a marcaram, ditaram ao Poeta e pedagogo Afonso Duarte versos que dedicou a outra grande figura de português e homem da Europa. Paulo Quintela e que me permito recordar

E cá mesmo | no extremo Ocidental
Duma Europa em farrapos, | eu
Quero ser europeu: | Quero ser europeu
Num canto qualquer de Portugal |

Como as ondas do mar sabem a sal, |
A ave amacia o ninho que teceu; |
Mas não será do mar, e nem do céu,
Porque me quero assim tão natural.

E se a esperança ainda me consente
No Sonho do futuro, ao mal presente
Se digo adeus, – é adeus até um dia...

Um presídio será, mas e meu berço!
Nem noutra língua escreveria um verso
Que me soubesse ao sal desta harmonia.

Poema que ainda hoje permanece como bandeira de uma Europa multicultural e identitária.
Falamos dc guerras, de cicatrizes e de tolerância.
A tolerância tolera e tolerar é aceitar sobranceiramente, e olhar com paternalismo, é conviver com reserva mental.
Ultrapassemos essa barreira moral, hoje que a Europa no coro polifónico das suas vozes, busca caminhos comuns reforçando a identidade em dois planos. O Nacional e o Europeu.
Qual o papel hoje do escritor europeu numa sociedade globalizada que promove e agrava os desníveis entre povos?
Será possível ou pelo menos admissível viver sem remorsos quando há gente em África, por exemplo, que não conhece o retinir dc um telefone?
Será moralmente aceitável que louvemos as maravilhas, as novas maravilhas da informação enquanto assistimos, à distância, à tragédia de milhões de seres humanos a viverem abaixo do limiar da pobreza para que alguns possam, em nome do progresso e da nova civilização, desenvolver os seus negócios?
Será admissível continuarmos a assistir ao enriquecimento despudorado dos ricos à custa da manutenção e multiplicação dos pobres?

Será aceitável continuarmos a ver a economia global a fazer o seu percurso de colisão com os ecossistemas terrestres, gerando catástrofes ambientais, enquanto as grandes questões do nosso tempo (que também são portuguesas), a falta de água, a sobrevivência das florestas, a regeneração dos oceanos passam ao lado?
O papel do escritor na Europa de hoje, deve conduzir-nos à reflexão e à acção, abrindo portas. É que a diluição dos valores ainda não destruiu definitivamente todas as consciências morais.
Hoje, tudo interdepende de tudo.
O aumento exponencial dos que procuram trabalho não especializado, ultrapassa em muito, as novas tecnologias que cada vez mais dispensam o homem.
Que mundo vai ser o nosso.
Poderemos nós recusar a globalização?
Faz sentido novos centros mundiais de decisão?
O FUTURO CÁ ESTARÁ PARA NOS JULGAR.
Não sei quem o disse, suponho que Edgar Mourin, mas assusta e dá que pensar esta afirmação. “A técnica traz, do mesmo passo que a civilização, uma nova barbárie cega e manipuladora”.
Os famintos do mundo olham-nos, a nós, europeus, como privilegiados, habitantes de um lugar feliz, ansiando também eles, por essa felicidade.
É nesta perspectiva que os países de língua portuguesa, força aglutinadora que hoje se reveste das mais diversas matrizes, devem gerar novos espaços identitários comuns, capazes de ultrapassar as feridas da guerra colonial e as barreiras imperialistas da globalização.
Os que falam a língua portuguesa existem por esse mundo fora. São cidadãos desses novos países que vivem fora do seu território, residindo uma parte significativa na Europa.
A língua comum facilita contactos, ajuda a garantir a preservação de uma identidade, mas não assegura, por si só, forma de cooperação que terão que ser atingidas e desenvolvidas com outras línguas, outras culturas.
Nesta língua dos Poetas, a de Camões, Pessoa, Pascoaes, Torga, Sophia, Manuel Bandeira, Craveirinha, Daniel Filipe, Jorge Gomes Duarte, língua portuguesa falada, dizem, por duzentos milhões de seres humanos, – número resultante de um longo percurso histórico, de patrimónios comuns, produto de uma convivência multissecular, é nesta casa que saudamos os escritores, os poetas, que acreditam na sua pátria e na Europa do futuro, fraterna e multicultural.
Basta sabermos congraçar na independência de cada um, como afirmava Agostinho da Silva. Essa é a dimensão da poesia.
Concluo citando um grande poeta de Portugal, Miguel Torga:

Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz!
Vinho que não é meu,
Mas sim do mosto que a beleza traz!

E vos digo e conjuro que canteis!
Que sejais menestreis
Duma gesta de amor universal!
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural!

Homens de toda a terra sem fronteiras!
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele!
Crias de Adão e Eva verdadeiras!
Homens da torre de Babel!

Homens do dia-a-dia
Que levantem paredes de ilusão!
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão!

Trevim, semanário
Edição nº 1032 14 Setembro 2006

Uma Pátria na Cabeça

Sou de uma vaga pátria carinhosa.
Afonso Duarte

Só podemos falar verdade
quando falamos de nós mesmos.
Mário Botas


Texto da comunicação proferida no Auditório da Biblioteca Municipal da Lousã, dia 27 de Outubro de 2001.

Quando o Dr. Matos Silva, Director da Biblioteca Municipal da Lousã e meu amigo, me convidou a falar no encerramento da comemorações dos 850 anos do Foral da Lousã, comecei por tomar o convite por um acto de evidente desconhecimento da minha pessoa. Eu seria a menos indicada para desempenhar a honrosa tarefa.
Várias razões concorriam para que o convite não me fosse dirigido:
Não sou estudioso do passado longínquo da Vila da Lousã; sou fraco em Epigrafia, em Paleografia e em Heráldica; não possuo bibliografia capaz de, em tempo curto, abordar o tema com a seriedade a que o momento obriga; seria de uma enorme petulância falar de assunto que não domino, ainda mais junto do meu ilustre colega palestrante, o Professor Catedrático da Universidade de Coimbra, Doutor Oliveira Barata, conhecido homem de cultura. Certo seria que no final da minha “lição”, mal sabida e mal contada, me havia de puxar as orelhas.
Convidarem-me, a mim, que nem sequer nasci na Lousã. Porquê?
É verdade que os meus antepassados nasceram aqui. Também é verdade que todos eles, na medida das sua capacidades, honraram a terra que os viu nascer. É também verdade que a Vila da Lousã foi, desde sempre, para mim, o lugar da Poesia. Que a procurei em outros lugares. A recriei em outras vilas – sempre a trouxe aninhada no entendimento dos meus dias. É verdade, também, que lhe dediquei um longo poema, um livro – talvez o mais sofrido de todos – que demorou 20 anos a escrever. Os anos que separam a morte de minha Avó da de meu Pai. Ambos enterrados no cemitério da Lousã. E nenhum deles era de cá.
- Porquê, eu?
O Dr. Matos Silva, ao ver-me, talvez, a mudar de cor e com receio de alguma tragédia provocada por tão inesperado convite, no seu jeito directo, simples e afável, tornou mais clara a proposta:
- Fale do que quiser!
Naquele momento, refastelado no sofá em que o nosso director “obriga” as visitas a sentarem-se olhei-o de baixo para cima, aliviado, e aceitei o desafio.
- Sendo assim, ocorre-me um título que me dá espaço para a intimidade: Uma Pátria na Cabeça.


********

Receando fugir ao significado original da palavra Pátria, procurei no meu velho e desmembrado dicionário – o que ainda não inclui bué como vocábulo nosso – o seu significado. E este disse-me: lugar onde cada qual nasce. Ora, nascer é vir ao mundo, é principiar a ser, e eu só tomei consciência de mim (porque nós não nascemos no lugar onde somos paridos, mas no lugar onde tomamos consciência de estar vivos) em S. João da Madeira, vila onde o culto do trabalho se ergue do fumo das altas chaminés das suas muitas fábricas e do som estridente das sirenes que convocam e libertam os operários dos seus postos.
Foi na vila de S. João da Madeira que tomei consciência de pertencer a uma família.
Pertencer a uma família, é herdar um património. É ter raízes que se perdem na memória dos nossos antepassados, é ter, para o bem e para o mal, ou para além do bem e do mal, fios de sangue a ligarem-nos inexoravelmente ao futuro e ao passado.
Era o tempo de minha Mãe, hoje redescoberto em alguns poemas, livros que me foram oferecidos logo que comecei a manifestar alguma sensibilidade poética. Mas, era também o do meu Pai que, vendo o interesse que eu manifestava pela História de Portugal e pelos versos que ia dizendo, cantados e decorados, me ofereceu (e ainda hoje conservo religiosamente essa edição em papel bíblia) “Os Lusíadas” (tinha acabado de completar o meu sétimo aniversário).
Assim, desde muito cedo, fui entendendo que pertencia a duas famílias. A biológica e a espiritual. A que entroncava no avós e bisavós e a que vinha do fundo dos tempos, a dos artistas.
Era o tempo de “O Sono do João”

O João dorme...(Ó Maria
Dize àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá, o João,acordar...)

Tem um só palmo de altura
E nem meio de largura.
Para o amigo orangotango
O João seria um morango!
Podia engoli-lo um leão
Quando nasce! As pombas são
Um poucochinho maiores...
Mas os astros são menores!

O João dorme...que regalo!
Deixá-lo dormir, deixá-lo!
Calai-vos, águas do moinho!
Ó mar! fala mais baixinho
E tu mãe! E tu Maria!
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João acordar...

O João dorme, o Inocente!
Dorme, dorme eternamente,
Teu calmo sono profundo!
Não acordes para o Mundo,
Pode levar-te a maré:
Tu mal sabes o que isto é...

Ó Mãe! Canta-lhe aquela canção,
Os versos do teu irmão:
«Na vida que a dor povoa,
Há só uma coisa boa,
Que é dormir, dormir, dormir...
Tudo vai se sentir».

Deixa-o dormir até ser
Um velhinho...até morrer!

E tu vê-lo-ás crescendo
A teu lado (estou-o vendo
João! Que rapaz tão lindo!)
Mas sempre, sempre dormindo...

Depois, um dia virá

Que(dormindo) passará

Do berço onde agora dorme,
Para outro, grande, enorme:
E as pombas que eram maiores
Que João...ficarão menores!

Mas para isso, ó Maria!
Dize àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João acordar...

E os anos irão passando.

Depois, já velhinho, quando
(Serás velhinha também)
Perder a cor que, hoje tem,
Perder as cores vermelhas
E for cheiinho de engelhas,
Morrerá sem o sentir,
Isto é, deixa dormir:
Acorda e regressa ao seio
De Deus, que é donde ele veio...

Mas para isso, ó Maria!
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João acordar...

Foi António Nobre quem me deixou, para sempre, na cabeça, uma pátria. Uma pátria maior, uma pátria melhor, esse “País de marinheiros, de romarias e de procissões”, onde o imperativo ideal – “amai-vos uns aos outros” se sobrepõe ao concreto e categórico de hoje – “ matai-vos uns aos outros”
De pequenino intuí que só a Poesia era capaz de unir e pacificar e vencer a morte contra o poder tirânico dos que tudo podem.
Alguém disse que “ os poetas são doentes da infância”, mas foi Antoine de Saint – Exupéry quem ensinou o lugar dos poetas:
“Somos de uma infância como somos de um país”
Nas minha deambulações pela Vila da Lousã, o passado agiganta-se, sempre, como sombra tutelar e de esperança.
Régio, diz-nos, em “A Velha Casa”, que “ Juntamos o apreço do passado vivo ao gosto da mais audaciosa antecipação do futuro. O que é preciso é que tudo seja Presente”.
Cumpramos a função identitária do poeta. Juntemos o passado ao futuro. Antecipemos o presente. Sejamos capazes de, através do poema, reencontrar todos quantos são parte vida dos versos que ficaram por escrever.
Procuremos nas coisas, nas pessoas, no indisível das coisas e das pessoas, o que se quer revelar, como pedras suspensas – palavras ocultas.
Partamos numa viagem pela palavra. É ela que confere ao tempo, ao nosso tempo, eternidade. É nela que a pluralidade da vida surge mais funda, mais autêntica.
Tudo o que tenho são poemas.
A eternidade está dentro do passado e do futuro, para além do bem e do mal. Nos poemas, na eternidade de mim, onde habitam os outros, onde uma guitarra nossa toca nos espaço onde a natureza se cumpre.
Cantar entre ruínas?
Pensar entre ruínas?
Passear entre ruínas?
È pela palavra que vamos em busca das verdades ocultas, sem pátria que as habite.
Tenho uma pátria na cabeça.

Todos nós regressamos à infância
como fuga à morte
a primeira a única verdade
o importante hoje é recordar

É possível ser de novo
rapaz
trepar às arvores
sonhar coisas impossíveis.
Em nenhuma parte
estamos
mais próximo
de nós.

(...)

A nossa pátria é
a nossa infância
a pátria é
o lugar do
tempo renascido.

Meu bisavô, que não conheci, chamava-se José Fernandes Carranca. Usava uns bigodes, uns grandes bigodes. Era monárquico – liberal e louvado judicial. Dizem que também testemunha crónica nas escrituras do Tabelião João Henriques Lopes. Minha bisavó, Constância da Piedade, mãe de sete filhos. Um deles, meu Avô, claro – o Cassiano. Foi o quinto, nasceu em 1895 e teve como madrinha de baptismo a sua irmã, Benvinda.
Era grande, o meu Avô. Trazia dentro de si o lugar onde nascera, a serra e tudo mais. Foi militar. Lutou na guerra, na Primeira e na Segunda. Esteve nos Açores. Era valente, dizem.
Meu Avô foi buscar a minha Avó junto ao mar, à Praia da Figueira. Era linda, a minha Avó. Seus olhos azuis tinham a leveza dos dias claros.
E foi assim que minha Avó, veio parar à Lousã quando meu Avô passou à reserva territorial.

Que sabemos nós da infância
meu pai minha mãe
os avós confirmam a genealogia
o tios os primos
o rasto de tudo
daquilo que somos

Celestina, minha mãe era, das três filhas, a mais velha.

A casa era um verso
imóvel (fortaleza)
na rua onde
a chegada do comboio
marcava as horas.

Na Avenida da Estação, na casa dos meus Avós, passava os fins-de-semana, as férias e dias afins a brincar. Sempre a brincar.

Sabem que havia um mendigo, o Madeira?
Era um verso perdido na rua.
Às vezes, brincava connosco,
dizia-nos coisas e nós lá ouvíamos,
mas sem o escutar.

Minha avó descia do quarto
logo de manhã. A mulher do leite
batia-nos à porta.
O comboio arfava ao chegar à Estação.
Era possível gritar sou feliz.


A casa que era a dos meus avós, antes fora o Hotel Carranca – Pai , onde nasceu o Zeca, filho da Benvinda, irmã – madrinha do meu Avô.

Vejam como a vida
se vai cindindo em pais,
filhos, tios, e avós
e primos também...

Ainda não falei de meus pais, assim, como se conheceram:

Meu pai não era de cá,
(ela era de longe,
do sul, da arábia)
viu a minha mãe.
Como ele gostava
das coisas que olhava....
minha mãe
não era uma coisa,
sorriu-lhe e casaram.

E foram felizes.
Tiveram-me a mim
- não sei se gostaram!...

E vamos assim, chegando ao términos da viagem. Ah, é verdade!...
Conta-se na família que minha mãe me vestiu de Nosso Senhor Jesus Cristo. E lá fui eu, na procissão de Senhora da Piedade, ao que parece, de início, muito compenetrado do meu papel divino. Só que a música não me deixava composto, grave, como convém a um Cristo. E pus-me a seguir com as mãos, os braços, com todo o corpo exuberante, o ritmo dos sons que a banda tocava. Só quando acompanhei meu Avô, que segurava o pálio com mais três “honestos cavalheiros” – um deles era o Dr. Mexia, e o outro, salvo erro, o Zé Rodrigues, só aí, me comportei como um menino-homem.

No Largo da Estação
jogávamos à bola.
Em cada um de nós
havia um Eusébio um Artur Jorge.
Marcávamos os golos
que os adultos proibiam
e dávamos às horas
asas de condor.


A Pensão Carranca era lá no Largo.
O tio João, a tia Adelaide, a prima Carminda
a prima Isaura e, não sei se sabem, foi lá
que o Mário Braga escreveu os “Serranos”.

E da família, que éramos tantos, alguns
Se foram p’ra longe e por lá ficaram
Há outros que por ainda cá andam.
E outros há, que estão p’ra nascer.

A nossa pátria é
a nossa infância
e a pátria é
o lugar
do tempo renascido

Há coisas que nem tu
imaginas como eram

Quero voltar a percorrer, infantil
as ruas da Lousã
ouvir o Madeira perguntar:
Qué da caTina? Qué da caTan?
Quero voltar a percorrer, infantil,
as ruas da Lousã.

E aqui estou eu, à mesa dos meus antepassados, a sonhar a eternidade.

Monte Estoril, 20/10/2001

segunda-feira, setembro 04, 2006

Sophia de Mello Breyner: O Lugar da Utopia*

O meu filho Miguel, de 13 anos, a propósito da língua portuguesa, numa conversa que desenvolvíamos quanto às suas qualidades (que alguns teimavam em negar), considerando-a rude, pesadona e própria para campónios, saiu-se com esta que deixou os crescidos, os que opinam sobre tudo, numa arrogância usual de quem se julga mestre (quando, afinal, todos somos aprendizes na vida), sem resposta apropriada para o momento:
- Isso é porque nunca leram a Sophia de Mello Breyner! As palavras parece que voam...
Este comentário provocou em mim, na minha mulher e não sei se nos amigos que nos acompanham, uma reacção semelhante à dos pais do menino do conto Jesus da obra Bichos de Miguel Torga que ficaram suspensos da afirmação sei um ninho.
Sem se ter dado conta, o Miguel, havia descoberto o que há de mais sublime: a vida e o valor das palavras.
O valor de uma língua guardiã do Templo e do Tempo de silêncios íntimos, onde moram os deuses.
É esse o lugar de Sophia, a que guarda não o fogo grego, como alguns afirmam, mas o fogo português, (que também é grego, porque essencial) que o afecto engendra como sujeito criador.
Se vos falo do meu filho é porque também eu me revejo na descoberta de Sophia, aos 13 anos, nesse poema intitulado Fundo do mar, onde nenhuma palavra está a mais, cada verso é, por si só, um poema, e onde a essencialidade das coisas se nos revela em comunhão com os outros.

No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.
Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.

E termina alertando:

Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.»

Exercício de simplicidade sobre as coisas, perseguição do real, caminho para o absoluto, caverna de Platão iluminada pelo dom das palavras em que vivemos ocultos, os poemas da Sophia agradam-nos, agarram-nos porque são o lugar dos quatro elemen¬tos e da quintessência capaz de os unir e de nos unir.
Sophia desdenha o demagogo e o seu capitalismo das palavras porque sabe (...) que a palavra é sagrada.
Procura a verdade através da contemplação, do silêncio e Com fúria e raiva acusa o demagogo/ (...) que transforma as palavras em moeda/ Como se fez com o trigo e com a terra.
A pedra, a água, a flor, a areia, a casa, são reveladas pela palavra poética, pela palavra mágica como perseguição do real, como nostalgia de um mundo ideal.
Sophia sabe que os ricos nunca perdem a jogada/ Nunca fazem um erro. Espiam/ E esperam os erros dos outros/ (...) E devagar desviam o inimigo para o seu terreno/ Para o sacrificar como um toiro na arena.
Por isso em seus versos há os outros e há a ética, a vontade de actuar sobre as coisas na procura da justiça, da verdade e da beleza.
Através do silêncio, do despojamento é construído num ri¬tual poético, de nudez, o lugar da Utopia.

Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem,
No interior das coisas canto nua.

O lugar da Utopia é a sua pátria.
Sophia procura a exacta poesia libertadora, purificadora, capaz de congraçar na independência de cada um, o lugar onde se situa a palavra mágica, como dominadora do Mundo. O lugar da Paz.

Natal de 1999

* Jornal de Coimbra, 12 de Janeiro, 2000

HOSPITAL DE PRIZREN*

No hospital de Prizren
lágrimas devoram o rosto
das vidas bombardeadas.

Do hospital as janelas
são olhos cegos do mundo
órbitas corroídas p`lo fumo
das bombas humanitárias.

Ao hospital chegam perdidos
todos os povos da terra
amputados e vencidos
p`los deuses que nos governam.


Prizren é a cidade
junto à fronteira com a Albânia
ali ao sul do Kosovo
coladinha à Macedónia.

Chegam civis estropiados
por bombas de fragmentação
enviadas pela Nato
do fundo do coração.

Uns sem pernas outros sem braços
outros ainda sem mãos
e os tímpanos rebentados
pelo fragor da explosão.

No hospital de Prizren
lágrimas devoram o rosto
das vidas bombardeadas.

Sérvios ciganos albaneses
muitas mulheres e crianças.
No hospital de Prizren
a caminho da Albânia.

* Notícias do Centro, 16 de Junho, 99

O Ponto de Partida das Preocupações Religiosas em Unamuno e em Torga

A poesia é ilusão antes de ser conhecimento; a religiosidade é ilusão
depois de ser conhecimento. A poesia e a religiosidade suprimem o
'vaudeville' da sabedoria mundana do viver. Louco é todo o
indivíduo que não vive poética ou religiosamente. 1
Miguel de Unamuno

E notório, que o Homem e o problema da sua (i)mortalidade determinam o percurso literário de Torga e Unamuno. Não é Deus o fundamento imediato da religiosidade destes dois poetas agónicos. O fundamento é o Homem.
Nem Unamuno, nem Torga, estão dispostos a aceitar alguma ortodoxia, e concretamente a católica, a única possível para eles. A religiosidade em ambos manifesta-se pela ansiedade, pela angústia, pela inquietação. A religiosidade é uma sublimação do que há de mais fundo no Homem - o momento genesíaco.
Em Miguel Torga a Poesia é assumida como uma religião oposta a Deus. Ê a religião de Deus que o faz cair no pecado e é contra ela que luta em busca da pureza original, da Palavra Perdida.
Poeta intuitivo, Torga vê em Deus o poder absoluto, que limita a acção humana. Por isso, ele busca no mais fundo de si a liberdade. Liberdade interpretada como conquista individual, de dimensão trágica. Esta conquista afasta Torga do céu de Deus, e confere-lhe um estatuto divino (absoluto). Absolutamente Homem, preso à terra, único paraíso possível.
Partindo do seu lugar de origem, da sua terra natal, Torga vai (re)criar o mundo, o seu mundo de artista, alargando-o a todos os quadrantes.
Torga, poeta moderno, sabe que o seu valor de artista depende da originalidade, da autenticidade e que, quanto mais for ele próprio, mais universal e poderosa será a sua obra.
A obra literária de Torga é marcada pela angústia religiosa de quem procura, como artista, a pureza original - a Palavra Perdida. A palavra que originou o mundo. A palavra essencial.
Sempre que Torga toma os motivos religiosos católicos, não lhes dá uma interpretação de acordo com o dogma da igreja, fá-lo sempre como poeta, segundo a sua crença, tentando ser fiel à Poesia.
Ávida é para ser cantada pelos poetas e não para ser encarcerada no espartilho das verdades massificadas.
Torga não passa ao lado de Deus, pela mesma razão que não passa distraído pela Vida.
Para Torga, o Homem é o deus absoluto da terra. Nela está condenado a servir e a servi-la, e nela obrigado a transcender-se. Não aceita a existência concreta de Deus, mas sente-A. O que tem para dar, parte do seu individualismo sem transigências.
A Torga e a Unamuno, faltou-lhes a humildade dos que veneram sem compreender, como também a fé na capacidade da razão para chegar a entender.
Torga é o bicho-homem que em seu esforço de realização no decurso do tempo, na luta contra todas as forças escravizantes — in clusive Deus — num esforço de superação, procura substituir-se a Deus, acabando sempre por se deixar agrilhoar, qual Prometeu, à sua trágica condição humana. E então que o Menino se revela necessário, dando esperança ao Homem, a um Homem que se procura novo, libertador e libertado para o verdadeiro humanismo - leia-se, o verdadeiro cristianismo. De que cristianismo se trata? Não do histórico, mas do ideal, do que aproxima Deus dos homens e não os homens de Deus. O Menino ideal que realiza a suprema transcendência — a salvação do Homem pelo menino-homem do futuro.
O que marcou a infância de Torga foi a predominância de um cristianismo de sofrimentos vários. Um cristianismo mais sexta-feira de Paixão que domingo de Ressurreição. Em Torga é notório que o cristianismo, para preservar a sua verdade, necessita de se enraizar como religião humanista e, ao mesmo tempo, sobre-humana, onde o Menino, símbolo de esperança no futuro da humanidade, preencha os dois campos, por ser nosso e concreto, como os dias, e sobre-humano, porque divino na nossa fé. Afirmativamente divino, símbolo de esperança, vem resgatar a humanidade da decadência e do aviltamento espiritual.
Qual o ponto de vista das preocupações religiosas em Unamuno? O Homem e o seu problema de imortalidade. Não é Deus o fundamento imediato da sua religiosidade, mas o Homem.
O problema do Homem é o problema de Deus, consciente de que a razão não o leva ao Seu conhecimento.
A singularidade de Unamuno não o deixa permanecer numa posição ortodoxa, por esta ser inautêntica e massificadora. Unamuno rejeita as provas tradicionais da existência de Deus. Quando fala de salvação não a entende como beatitude celestial, em contraste com a condenação etermij tão simplesmente e só, a salvação do nada, da aniquilação da morte.
Unamuno situa-se numa tradição vitalista cristã, mantida e enriquecida pela leitura frequente do Novo Testam e n to.
Unamuno vive o problema que o cerca de contradições e que reside na procura de uma religião que liberte, que não esteja sujeita a dogmas, e seja individualista. Uma fé (confiança) religiosa mais do que teologal, urna fé pura e livre.
Qual é o conteúdo religioso da obra de Unamuno?
E querer salvar-se e também salvar o mundo, aparecendo Deus como uma finalidade sentida. Não é necessidade racional, mas angústia vital que o leva a crer em Deus. O Deus de Unamuno, como o de Torga, é suporte e fundamento da existência humana.
Em Unamuno, como em Torga, a relação com Deus é uma relação pessoal com o divino.
É curioso verificar o papel da razão na relação de Unamuno com a procura da verdade. Temos a razão como faculdade de pensar formas fixas e universais, e porque ela é essencialmente individual e dinâmica, é insuficiente para chegar à verdade.
Razão e Vida opõem-se. A Razão não satisfaz o Homem de carne e osso que deseja saber se morre para sempre, ou não. Razão e Fé são dois enigmas que não podem viver um sem o outro. E desta oposição entre Razão e Vida, que surge a luta, a agonia. A Razão e o Sentimento chocam, por isso há luta. É desta luta que surge Do Sentimento Trágico da Vicia, marco do pensamento agónico do mestre salamantino e que virá a marcar, também, profundamente, Miguel Torga.
Unamuno é o poeta-profeta que sente dentro de si contradições insanáveis e se ergue, enfrentando Deus, O interroga e O põe em causa, como fará seu discípulo Torga (tal como Holderlin, Torga acredita no Poeta como arauto de uma nova humanidade).
Em Unamuno e em Torga reside o sentimento trágico da vida. Dois sentidores que não se resignam à morte. A integridade do indivíduo desde o nascimento à morte é uma constante na obra dos dois escritores ibéricos. Tudo é luta contra a morte, ou seja, agonizar.
Ambos partem, como os existencialistas, da existência para a essência.
Como afirmei, o sentimento trágico da vida percorre a obra de Torga. Atente-se à profusão de signos extraídos da lexologia do cristianismo, constantes na sua obra.
Torga renega Deus por desespero de não O encontrar. Sente a presença divina. Não aceita a existência concreta de Deus, mas sente -a. Deus não se dá a conhecer...
Frente ao Nada aterrador, Unamuno vive, na agonia, no problema da morte, querendo salvar a vida: La fé en Dios arranca de Ia fé en nuestra propia. existência sustancial.

' Do Sentimento Trágico da Vida, Relógio d`Agua, Lisboa, 1988, pág. 162.

Apresentação

Carlos Alberto Carranca de Oliveira e Sousa, mais conhecido como Carlos Carranca, professor do ensino superior, poeta, ensaísta, declamador, cantor e animador cultural, nasceu na Figueira da Foz, com fortes laços de ligação à Lousã. Licenciado em História, é professor auxiliar convidado da Universidade Lusófona, docente da Escola Superior de Educação Almeida Garrett e da Escola Profissional de Teatro de Cascais.
Foi Presidente da Direcção da Sociedade de Língua Portuguesa, de 1998 a 2001; fundador e membro da direcção do Círculo Cultural Miguel Torga; professor no Instituto Superior de Humanidades e Tecnologias; sócio fundador da Sociedade Africanóloga de Língua Portuguesa; sócio fundador do Círculo Cultural Miguel Torga; sócio da Associação Portuguesa de Escritores; director adjunto do jornal Artes e Artes e é consultor cultural da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra em Lisboa.
Na Universidade Lusófona levou a cabo uma intensa actividade e marcante acção cultural: director do Gabinete de Acção Cultural; fundador e director-adjunto da Biblioteca Geral (com o director, Professor Vítor de Sá); fundador e presidente do Conselho Fiscal das Edições Universitárias Lusófonas; secretário do Centro de Estudos de História Contemporânea; fundador do Centro de Iniciação Teatral, juntamente com Carlos Avilez e João Vasco; fundador e coordenador da colecção científico-literária Meia Hora de Leitura, em parceria com Vítor de Sá – no âmbito das actividades da Biblioteca.
Também nas escolas do concelho de Cascais, onde exerceu docência, o seu papel como divulgador da poesia portuguesa e animador cultural se destacou. Na Escola Secundária Ibn Mucana, entre outras coisas, dirigiu as actividades culturais da biblioteca e criou a revista Oxalá. Na Escola Secundária de Alvide organizou o Movimento Juvenil, a nível nacional, de apoio à candidatura de Miguel Torga ao Prémio Nobel (com recolha de assinaturas entregues em Estocolmo).
Durante os anos 1994-99 foi responsável pela Noite das Artes – espectáculo de encerramento das Jornadas de Educação e Cultura do Concelho de Cascais, onde poetas como Miguel Torga, António Gedeão, Manuel Alegre, Luís Goes, Helena Cidade Moura, Fernando Silvan e Sophia de Mello Breyner foram homenageados.
Estudioso das tradições populares e académicas de Coimbra, é como poeta que se torna conhecido em dois livros profundamente ligados à temática da cidade do Mondego: Serenata Nuclear e Sete Poemas para Carlos Paredes. É, no entanto, como divulgador da poesia portuguesa, como poeta e ensaísta – torguiano convicto (responsável pela homenagem nacional a Miguel Torga e coordenador da homenagem que lhe foi prestada no concelho de Cascais) – e como animador cultural, que o seu trabalho ganha ainda mais importância, destacando-se Poesia para Todos, três anos consecutivos em palco, no auditório do Instituto Português da Juventude (Parque das Nações), de 1999 a 2002 e dois anos consecutivos no Centro Cultural de Cascais.
Das várias obras publicadas, destaca-se o livro Torga, o Bicho Religioso, nascido da relação pedagógica de Carlos Carranca com os seus alunos da Escola Profissional de Teatro de Cascais, a quem foi dedicado, tendo sido objecto de apresentação pública em muitos municípios.
Em 7 de Junho de 2002, recebeu a Medalha de Mérito Cultural do Município de Cascais.

Obra Publicada:
Poesia
• Imagem, Lx., 1981 (fora do mercado).
• À procura do amor perdido, Lx., 1982 (fora do mercado).
• Ressurreição, Coimbra, 1982.
• 7 poemas para Carlos Paredes, 1994, 2." ed. (ilustração de Rui
Vasquez), Monte Estoril, 1994.
• Edições Universitárias Lusófonas, 3.a ed. revista e aumentada
(ilustração de Rui Vasquez), 1996.
• Universitária Editora, 4a ed. revista e aumentada (ilustração de
Figueiredo Sobral), Lisboa, 1998.
• Serenata Nuclear, Coimbra, 1994.
• Pedras Suspensas, Universitária Editora, Lx., 1996.
• O Espírito da Raiz, Universitária Editora, Lx., 1997.
• Lousa em Menino, Universitária Editora, Lx., 1998.
• íntima Idade, Editorial Moura Pinto, 2001.
• Neste lugar sem portas (antologia), Hugin Editora, Lx., 2002.
• Coimbra à guitarra, Edições MinervaCoimbra, 2003.
Ensaio
• Torga, o português do mundo, Coimbra Editora, 1988.
• Miguel Torga e a África Portuguesa, Edições Universitárias
Lusófonas, (Colecção "meia hora de leitura - Biblioteca), Lx., 1995.
• O Fantasma de Pascoaes, edições Gazeta Poesia, ("Colecção
Labirinto"), Lx., 1996, Universitária Editora, 2.a ed. revista e
aumentada, Lx., 1997.
• Torga - o bicho religioso, Universitária Editora, Lx., 2000, 2.a ed.
revista e aumentada, 2000.
• A Nostalgia de Deus ou A Palavra Perdida em Miguel Torga,
Universitária Editora, Lx. 2001.
• O Sentimento religioso em Torga e em Unamuno, Hugin Editora,
Lda., Lx., 2002.
Outras publicações
• O Coração ao pé da boca, Universitária Editora, Lx., 2001.
• Uma Pátra na Cabeça, Separata de: "Arunce", Revista de Divulgação
Cultural, n." 16, Lousã, 2001.
• Académica Sempre - a poética do futebol, Edições MinervaCoimbra,
2005.
• O Poema l, ed. Acção Socialista, Lx. 1998.
• O Poema 2, ed. Acção Socialista, Lx. 1999.
• O Poema 3, ed. Acção Socialista, Lx. 2000.
• O Poema 4, ed. Acção Socialista, Lx. 2001.
• 25 poemas de Abril (ilustrações de Mário Silva), Junta de Freguesia da
Penha de França, Lx., 1999.
• Poesias 25 (ilustração de Mário Silva), Associação de Trabalhadores
da Faculdade de Ciências da Universidade de Lx. 2002.

Cd`s

Poesia para Todos, edição Câmara de Cascais, 2004.
Coimbra – Espírito e Raiz (em parceria com Luiz Goes, João Moura e José Santos), edição Coimbra XXI, 2005.