Carlos Carranca - neste lugar sem portas

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Poema de Natal


Solstício de Inverno
e o mundo ganha assim
outro lugar mais fundo.

O tempo perdido em mim
reencontrado no dia
em que o Inverno
é de solstício
e a noite é de Natal.

Paz aos homens…nesse dia!
E eu na fantasia
reunido sob um tecto
deste mar peregrino

a amar o Menino
que há-de ser meu neto

O Madeira

(a propósito das comemorações do centenario da linha de caminho-de-ferro da Lousã)

Há dias, falando na rua com um querido amigo que já não via há algum tempo, recordei-lhe a figura do Madeira. Era um louco que às vezes descia à terra/brincava connosco enquanto pedia/e dizem que dormia/com lobos da serra. “Era uma boa alma” – comentou o amigo.
Era, sem dúvida, uma alma de eleição. Lembro-me dele como se fosse hoje: alto, delicado, sempre à espera que lhe oferecessem um prato de bacalau - era assim que ele dizia – com batatas. Parava ali muito para a estação, na então avenida D. Carlos I, onde se situava a casa de pasto do Pedro Cem.
Quem ainda se recorda dessa figura de louco magnânimo, sempre pronto a dar de si o que a sua amizade solitária continha? Partilhava connosco o tempo que, por enquanto, como diz o povo, dá-o Deus de graça.
Existia, no Madeira, a fundura da sabedoria que tomava por invisíveis e fantásticas as coisas deste mundo. Tinha a faculdade de captar o irracional, que é a autêntica realidade, onde ele era comediante. O seu reino era o da comédia sem fazer rir. Não se enganava no papel, sabia que o ridículo era acobardar-se. Na solidão, conquistou o impossível. Herói de si-mesmo, era ele no centro do mundo, privilégio só reservado aos poderosos, mas que ele tomara para si, não o partilhando com ninguém. Por isso o invejaram e o enviaram, escoltado por dois guardas, de volta para a sua terra – a Figueira da Foz. Herói no seu posto, chegou à Lousã primeiro que as autoridades que o tinham acompanhado ao degredo natal.
Ele era de cá. Da vila dos afectos e da religiosidade popular sem teologia; da Senhora que carrega nos braços um louco filho que, por amor aos homens, se deixou crucificar, acreditando ser filho de Deus.
Morreu de frio, o Madeira. Ataque cardíaco, dizem. Sem dois braços femininos estendidos acolhendo-o no regaço, partiu como chegou – mendigo.
Poucos terão sabido enfrentar com mais dignidade o absurdo da vida. Autenticamente irmão nosso, é hoje um dos meus eternos heróis guardados da infância.

Carlos Carranca
Natal, 2006

quarta-feira, dezembro 20, 2006

ANTERO DE QUENTAL Em Coimbra

"Sonhei - nem sempre o sonho é coisa vã."
Antero de Quental

De Antero de Quental muito há a dizer da sua permanência na cidade do Mondego e da geração que ele protagonizou, geração recheada de figuras notáveis como Teófilo de Braga, Eça de Queirós, João Penha e muitos outros que no decorrer do trabalho citarei com mais a propósito.
Antero era uma daquelas personalidades raras, inconvenientes, de uma indestrutível estrutura moral, profeta do novo mundo, sonhador do Além, mago, talvez um Cristo menor ou como um dia lhe chamou Eça, um santo -o "santo" Antero. Capaz de desafiar exércitos de intolerância, iconoclasta, de tudo foi capaz para esconjurar os medos que habitam o homem e o destroem não lhe deixando espaço para se realizar livremente. Todavia, não vai ser capaz de vencer as suas próprias incertezas. Da vida pedia, exigia, o que ela não lhe sabia dar. Dos homens, tomava-os por ele mesmo e de desilusão em desilusão, alimentava o seu calvário.
Falou-nos da Beleza, da Verdade, da Moral, mas da beleza nova, da verdade nova, da moral nova.
Toda a sua vida,, desde os tempos de estudante de Coimbra, acreditou, ou quis acreditar, fugir à solidão, à sua real e trágica condição de poeta.
Como escreveu Eduardo Lourenço, Antero foi uma tragédia e como todas as tagédias, ele não tem nada de verdeiramente culpável, mas é sempre uma vítima.(1)
Antero, em toda a sua vida,comportou-se
como um romântico, um verdeiro romântico e simbolizou,sem dúvida, o fim de toda uma cultura, o mal da existência social.
E como poeta, que foi durante toda a sua vida, que entenderá a poesia como única realidade tangível, ainda que intervenha politicamente e tente mudar a sociedade. Falhará pela não coincidência da sua realidade demas iadamente elevada, demasiadamente poética, e assim foi vivendo desajustado, diagnosticando os males da sociedade mas incapaz de encontrar o antídoto para a sua salvação.
Foi o seu "utopismo" de raiz ética que lhe criou essa. 'nova' solidão espiritual, social e histórica, colocando-o fora do mundo.
Mas deixemo-nos de divagações. Antero matricula-se na Universidade de Coimbra no ano de 1858. Natural de Ponta Delgada, nado a 18 de Abril de 1842, a 2 de Outubro é admitido na Universidade fixando residência na Rua das Covas, número 3, em plena Velha Alta.
Nos primeiros tempos de Coimbra, Antero viveu em casa de seu tio, Filipe de Quental, como consta da "Relação e índice alfabético dos estudantes matriculados na Universidade de Coimbra e no Liceu", dando a mesma morada para ambos, Rua das Covas, número 3.(2)
Teixeira de Carvalho no Prólogo da 2i edição das "Cartas de Antero" descreve assim a casa habitada pelo poeta na Rua do Norte, número 3: "Era uma casa antiga e pitoresca, bem diferente do prédio banal que hoje ali se vê e em que existia a escada exterior do século XVI...O quarto de Antero ficava ao cimo
da escada, muito alegre, todo forrado de jornais ilustrados, de gravuras e litografias arrancadas de publicações -contemporâneas e de obras truncadas. E para admirar esta decoração em Antero, que nuca foi um grande amador de artes plásticas... A decoração do quarto fora-lhe sugerida por outras iguais que vira em casa de seu tio."(3)
A sua vasta cultura deve-a Antero, em parte, á biblioteca de seu tio Filipe de Quental.
A biblioteca referiu-se Teófilo Braga em carta a Francisco Maria Supico: "Pode o meu amigo imaginar com que apetite tenho percorrido e examinado esses livros que orçam por perto de mil. A parte os livros de de Medicina e Filosofia Natural das duas Faculdades em que é formado, tem uma variada colecção de obras modernas de literatura, de crítica, de história, de moral e filosofia, dos principais escritores modernos...Aqui esta como me tenho posto ao corrente do pensamento moderno com as obras completas de Michelet, Guizot, Thiéry, Balzac, Vigny, Magnin, Sentebeuve (sic) e outros"(4)
Em Abril de 1859, Antero é condenado pelo Conselho de Decanos a oito dias de prisão por ter tomado parte numa perseguição praxista "andando com a cabeça coberta armado de cacete a dar graus aos caloiros e cortando-lhes o cabelo", integrando-se portanto, numa "troupe".
A 24 de Maio ê aprovado ' simpliciter ' no acto do primeiro ano de Direito.
No mês de Março de 1860, Antero, juntamente com João de Deus, Eduardo Coelho e outros fundam a "publicação mensal, cientifica e literária" O Académico " de que saíram apenas 3 números.
Do seu temperamento fogoso, integrado nessa maneira de estar completamente sui generis que era a do estudante de Coimbra, recorremos a Eça de Queirós, seu contemporâneo e colega da universidade, ainda que mais novo, como comprovativo: - "Antero foi, na sua mocidade, urn magnífico varão. Airoso e leve, marchava léguas, em rijas caminhadas que se alongavam até â mata do Buçaco : com a mão seca e fina de velha raça, levantava pesos que me faziam gemer a mim, ranger todo, só de o contemplar na façanha: jogando o sabre para se adestrar, tinha ímpetos de Roldão, os amigos rolavam pelas escadas, ante o seu imenso sabre de pau, como mouros desbaratados: - e em brigas que fossem justas, o seu murro era triunfai(...) no Garrano, nas Camelas, um prato com três dúzias de sardinhas e uma canada de 'tinto' não o assustavam, nem lhe pesavam. Pelo contrario! " (5) .
Ramalho Ortigão, apesar de antipatizar com Coimbra e com a sociedade tradicional académica, a propósito das façanhas dos estudantes e castigos que a universidade decretava sobre os mesmos, escreveu em "As Farpas", Abril de 1878: "Se a Universidade tem o intento de educar os seus bacharéis para sevandijas ou para freiras, a Universidade faz bem prosseguindo no velho sistema tendo por fim levar os estudantes que queiram concluir os seus estudos a proceder diante das ameaças da força alheia por uma destes dois modos: fugindo ou apanhando. Se, porém, a Universidade quer fazer homens e verdadeiros cidadãos, a universidade andaria melhor abstendo-se de uma vez para sempre da instrução de processos ridiculamente pueris requerendo das Cortes a reforma dos seus regulamentos disciplinares, prescindindo de atrofiar no coração da mocidade com um regime fradesco os sentimentos naturais de valor e de brio, e pondo cobro ao passatempo indigno da velha troça académica por meio da instituição de exercícios viris, própria de uma mocidade honesta e forte: - a ginástica obrigatória a escola de tiro, a esgrima, a luta, o insubstituível cricket". (6)
Raimundo Capela, contemporâneo de Antero, na obra "História da greve académica", de Alberto Xavier, descreve assim as 'noitadas' em casa de Antero: "Na casa de Antero, juntavam-se todas as noites urna dúzia de estudantes que tinham fama de intelectuais, mas cábu-
las, uns para discutir, outros para ler ou escrever e outros para ouvir. Os 'ursos' quando ali entravam, era a medo, com receio de serem desacreditados".(7)
Acerca da vida boémia de Antero, conhecido em Coimbra pela alcunha de "o marrafa", escreveu Gonçal-•ves Crespo: "Quem passasse â noite na rua. onde ele morava era quase sempre interpelado pelo poeta das "Odes Modernas", o qual, a cavalo no peitoril da janela, as pernas bamboleantes , o gesto largo e profético, os seus cabelos revoltos de escandinavo palpitando à viração nocturna, perguntava estas e outras coisas cabalísticas:
- Sabes quem era Manu?
- Tens alguma ideia do Imanente?
- Deus será, de facto, o imenso mar da Substância?
Os transeuntes ouviam aquelas vozes e, pasmados, 'faziam o sinal da cruz.(8)
João Machado deixou de Antero e das suas noites de Coimbra um excelente retrato publicado no jornal "Actualidade" de Ponta Delgada, de 8.11.1896: "Em Coimbra, o ponto de reunião era a casa de Filipe de Quental, defronte da Sé Velha. Ao fim da tarde, íamos tomar banho ao Mondego e Antero aproveitava o indeciso lusco-fusco da hora para mistificar o high-life catedrático e feminino que passeava no cais com os mais escandalosos trajes que podia imaginar. Foi numa dessas sessões de natação que se falou nos Betencourts, reis das Canárias, que Teófilo - o jacobino - agora recorda, a fim de guilhotinar a memória democrática do seu falecido rival! Alguém, lembrando as descendência de nos, Açoreanos, dos grandes navegadores, Betencourts, Zarcos, Alvares Cabrais, de Gonçalo Velho, Cortes-Reais, exprobou Antero por não saber nadar como os mais: - e .Antero, com aquela gravidade que dava tão original encanto aos seus humorismos de conversa, constatando a sua proveniência de Betencourts, declarou-nos que a sua inabilidade resultara do esquecimento das tradições da família e que, relembradas estas ia nadar como um peixe, por atavismo! e começou a fazê-lo - de agulha, com uma mão no leito do rio, para nos convencer do súbito reaparecimento das tendências do seu protoplasma ancestral l ". (9)
Eça, chega a Coimbra no ano de 1861 e, como por encanto, vai conhecer Antero de Quental: - "Em "Coimbra, uma noite, noite macia de Abril ou Maio, atravessando lentamente com as minhas sebentas na algibeira o Largo da Feira, avistei sobre as escadarias da Sé Nova, romanticamente batidas pela lua, que nesses tempos ainda era romântica, um homem, de pé, que improvisava.
A sua face, a grenha densa e loura com lampejos fulvos, a barba de um ruivo mais escuro, frisada e aguda â maneira sirlaca, reluziam, aureoladas. O braço inspirado mergulhava nas alturas como para as revolver. A capa, apenas presa por uma ponta, rojava por trás largamente, negra nas lajes brancas em pregas de imagem. E, sentados nos degraus da igreja, outros homens, embuçados, sombras imóveis sobre as cantarias claras, escutavam, em silêncio e enlevo, como discípulos.
(...) Deslumbrado, toquei o cotovelo de um camarada, que murmurou, por entre os lábios abertos de gosto e pasmo:
-E o Antero!...
(...) Então, perante este Céu onde os escravos eram mais gloriosamente acolhidos que os doutores, destracei a capa, também me sentei num degrau, quase aos pés de Antero que improvisava, a escutar, num enlevo como um discípulo. E para sempre assim me conservei na vida."(10)
Em Abril de 1861, Antero de Quental integra com alguns colegas a recém-criada Sociedade do Raio, com. o fim de derrubar o Reitor Basílio Alberto de Sousa Pinto, que pela sua intolerância se incompatibilizara com a Academia .
António de Azevedo Castelo Branco testemunha este acontecimento: "Nenhum estudante podia entrar nas aulas sem cabeção eclesiástico, loba abotoada ou fechada na frente, meia preta e sapatos, como ainda usam os padres, mas com dispensa de fivelas. O uso de bota de eclesiástico era uma transgressão subversiva. Não havia troças a caloiros e nem até aquelas estrondosos manifestações de júbilo das vésperas de feriado. A Academia respirava uma atmosfera crassa, pesada e narcotizante . "(11)
E, por tudo isto surgiu a associação secreta, a "Sociedade do Raio".
"Pela meia noite desse dia apareceu-me no Largo da Feira o estudante João Vilhena. (...) Acompa-nheio a um local remoto e muito sombrio, onde fui apre sentado a uns estudantes com as faces .veladas pelos gorros, e com solenes apertos de. mão, sem mais formulas, fiquei com os deveres de sócio e convicto de que era eu talvez o quarto ou quinto, o que era exacto. Entretanto, no dia seguinte, em casa de Germano Vieira de Meireles, contei o caso, que ele comentou com a sua acre dicacida.de. Veio em seguida o Antero, que ainda" não havia sido convidado, e connosco riu da minha misteriosa apresentação aos embuçados, num sítio escuríssimo, um verdadeiro esconso de meter medo."(12)
Antao de Vasconcelos, também contemporâneo de Antero, vê assim os fins para que foi constituída a "Sociedade do Raio": "A Academia resolveu agir e fundou o - Raio - cuja cabeça era Celas, arrabalde a 2 kms de Coimbra.
A sede era em Celas; porque lã morava o Basílio Alberto, recolhendo-se sempre, a cavalo, jã noite. Tomou-se aí uma casa onde moravam estudantes, para não causar suspeitas a sua presença ali a qualquer hora do dia ou da noite.
O plano a executar era este: - abafar o Basílio Teles na passagem, amarra-lo, amordaçá-lo, e traze-lo, alta noite, para uma casa já preparada na Couraça dos Apóstolos; aí chegado, fazê-lo escrever â família, dizendo-lhe ter sido forçado a ir a Lisboa â chamada urgente do ministro e que em três dias estaria de regresso, devendo assim ficarem os seus tranquilos pela sua ausência inesperada. Dar-lhe três banquetes: rodeá-lo de todas as considerações e carinhos, exigindo-lhe juramento de não sondar as paredes, não procurar mostrar-se, não gritar e comportar-se com a mesma resignação dos estudantes que eram presos e perdiam um ano inteiro de trabalho e pesados estudos, sob a pena de ser morto.
Feito isto, no terceiro dia, soltá-lo pedindo-lhe que tratasse a Academia com a mesma justiça e bondade com que ele acabava de ser tratado.
Tal era o fim da Sociedade do Raio."(13)
E também Antão de Vasconcelos quem nos diz não ter havido qualquer tentativa de execução deste plano .
No início do ano lectivo 62-63, o Príncipe Humberto da Itália visitava o nosso país e deslocava-se a Coimbra, â sua Universidade.
Morava então Antero de Quental nos Palácios Confusos .
Reuniu-se uma assembleia de estudantes no Teatro Académico para nomear a comissão que havia de saudar o Príncipe em nome da Academia. Dos membros da comissão eleitos só um não era filiado na Sociedade do Raio. A escolha de Antero para a presidência foi uma clara demonstração do prestígio de Antero na Academia .
Da obra já citada de J. Bruno Carreiro transcrevemos a mensagem, aí reproduzida, lida por Antero de Quental ao Príncipe de Itália:
"Os estudantes da Universidade de Coimbra, filhos e netos dos heróicos defensores do Porto, saúdam, em nome da fraternidade de 2 povos irmãos , o neto de C. Alberto: a mocidade liberal Portuguesa saúda, em nome da liberdade de mundo católico, o filho do amigo de Garibaldi, o filho de Vitor Manuel.
À mocidade Portuguesa não lhe sofre o coração (ainda que enlutado de tristes pressentimentos) gue não recorde com saudade a memória do herói infeliz gue, escolhendo por último leito uma terra de homens livres, prestou, ainda na morte, homenagem â liberdade: não lhe sofre o espírito impaciente (ainda gue opresso por um fantasma do Passado) gue não vire os olhos para as bandas da luz, aonde, no meio do combate, se enlaça o braço do rei com o braço do povo.
Não ê ao representante da casa de Sabóia gue vimos prestar homenagem: é ao filho de V. Manuel gue saudamos, do primeiro soldado da independência italiana, desse, de quem os reis da Europa aprendem como, neste século ainda, se pode ser popular sendo-se Rei; de guem a Itália espera ressurreição completa; de guem espera a Igreja Cristã uma nova época de verdadeira grandeza e liberdade verdadeira.
Aos votos da Europa inteligente, aos votos da Europa popular, aos votos dos gue trabalham pela grande causa dos povos, unimos os nossos, sinceros como a nossa idade e como ela cheios de muita fé, para gue a pátria de Garibaldi possa reaver o sagrado património da sua nacionalidade, para gue o coração da Itália, gue o é também do mundo Cristão, pulse com igual energia pela liberdade política e pela liberdade religiosa Disse. "(14)
Um mês após a visita do Príncipe Humberto a Coimbra estoira a bomba preparada pela Sociedade do Raio .
No dia 8 de Dezembro procedia-se ã entrega,na Sala dos Capelos, dos prémios aos estudantes mais bem classificados. O Reitor iria sofrer a maior manifestação pública de desconsideração.
"Ao inaugurar-se os Cursos de 1862-63, combinaram fazer uma solene desfeita ao Reitor deixando em evidência a sua incompatibilidade na Reitoria da Universidade. Chegou o dia 8 de Dezembro, em que se davam os prémios aos estudantes do ano findo. Estava todo o corpo docente com os seus capelos nos doutorais; na teia estavam os ursos (estudantes premiados) . Havia um silêncio sepulcral e uma atmosfera pesada. Depois de uma longa oração do Dr. Jerõnimo José de Melo levan-touse solenemente o Reitor Basílio Alberto de Sousa Pinto, com um papel na mão e assim que proferiu as palavras: "Mocidade Académica" sentiu-se um rumor de pés como uma convulsão subterrânea e toda a estudantada rodou sobre os bancos, saindo de roldão da sala dos Capelos para o vasto pátio da Universidade aos gritos estridentes de: - "Fora o Reitor; abaixo o inquisidor". Foi de um efeito tremendo. Eu fui dos últimos que sal por estar junto da teia; vi a cara lívida do Reitor e ouvi algumas frases trémulas de José de Melo. Horas depois do caso, quando eu estava contando a extraordinária aventura ao Dr. Filipe de Quental entrou o sobrinho Antero coçando a barba ruiva, preocupado, dizendo para o tio: - "Dizem por aí Que os estudantes foram o instrumento de política contra o Governo e que nós todos somos uns díscolos inconscientes; o que acha o tio Filipe que devemos fazer?"
O Dr . Filipe de Quental sorriu-se sem denun ciar o que pensava do que acabava, de' ouvir. Eu, aproveitando o silêncio do momento, intervim imediatamente: "Há uma coisa simples a fazer: Publicar imediatamente um manifesto ao país e aos pais de família, explicando a situação de incompatibilidade criada pelo procedimento do Reitor, isto assinado por todos os estudantes que fizeram a evacuação da Sala dos Capelos."
Antero de Quental saiu imediatamente e foi combinar com os elementos mais activos da sociedade O Raio. No dia seguinte, apareceu uma folha impressa, escrita por Antero de Quental e a lista de todos os nomes de estudantes com a indicação das Faculdades e anos que cursavam.(15)
Segundo o mesmo autor (J.B. Carreiro) a atitutde enérgica de Teófilo Braga ao sugerir a publicação do manifesto é neqada numa carta escrita alguns anos mais tarde a sua irmã.
Ainda segundo o mesmo autor essa carta faria parte daquelas que Teófilo "fabricou" para o livro "Mocidade de Teófilo".
Um sarau poético no Teatro Académico
António de Azevedo Castelo Branco em carta a António Cabral, publicada na obra literária do segundo
"Glória e sombras de Eça de Queirós", relatou assim essa noite de triunfo para Antero e que era de homenagem a Feliciano de Castilho: "Aí por 1862 ou 63 apareceu o Castilho em Coimbra, e anunciou-se um sarau poético no Teatro Académico. Os rapazes que então eram mais bequistos das Musas resolveram não se apresentar no palco; mas o Filipe de Quental, a pedido do Castilho, instou vivissimamente com o sobrinho para que fosse ao sarau. Com grande repugnância acedeu. O Castilho havia recitado umas lindas bagatelas originais e umas traduzidas do poeta de Teos . Alguns poetastros recitaram líricas amorosas, que o Pontífice Máximo aplaudia com muito suspeita sinceridade. O sarau parecia um chilreio de passaritos em manhã de Maio.
Surge então no palco o Antero com a sua revolta cabeleira fulva como a juba de um leão, e começou a ler uma estrofes em oitavas endecassilãbicas . A admiração dos ouvintes foi, num crescendo progressivo, até â explosão dos aplausos retumbantes de todo o auditório.
Castilho, visivelmente admirado, abraçou o poeta, que saiu do palco, como quem fugia, e o sarau terminou, recitando aquele, admiravelmente, em francês de correctíssima pronúncia, o Napolão II de Victor Hugo. Esplendoroso fecho de festa! Castilho, em seguida, aproxima-se do Filipe de Quental, dizendo: - "Seu sobrinho é um poeta de génio!" Isto é textual"(16)
Dos grandes amigos de Antero é de realçar João de Deus de quem exaltou as qualidades poéticas comparando-o a Camões .
Foi também Antero o primeiro que, em 1864, pensou em organizar uma edição de poemas de João de Deus .
Também das suas relações foi Eça de Queirós.
Segundo João Gaspar Simões, no seu notável estudo sobre a vida e a obra de Eça de Queirós: "E de crer que (Eça de Queirós) só trave relações com ele (Antero) nesse ano de 1865, aquando da representação da peça de Teõfilo. Já não é o Antero romântico que ele conhece então: é o Antero positivista, compondo as 'Odes Modernas' , quer dizer: Eça de Queirós chega â intimidade de Antero de Quental no momento da sua crise. Pois não é certo contar ter assistido, no Largo de S. João â destruição sistemática de cartas e papéis nessa manhã em que o visitou, 'com muita curiosidade e muita timidez' , no seu 'quarto da velha Coimbra, com as portas rudemente besuntadas de azul, o teto de madeira fosca, e a cal das paredes riscadas por todas as cabeças de lumes-prontos que em cinquenta anos ali se tinham raspado, com preguiça para acender a torcida de de azeite, à hora triste em que toca a cabra'? Não é certo ter sido neste dia que a sua ' initimidade verdadeiramente começou' como ele próprio confessa? "(17)
Nesse mesmo ano de 1865 publica Antero a "Defesa da carta encíclica de Sua Santidade Pio IX contra a chamada opinião liberal".
Mas como diz e muito bem, João Gaspar Simões "de facto, a chaga romântica pessoal não cicatrizara em qualquer deles (Antero e Eça) . Até no entusiasmo com que Antero e os seus amigos festejavam os novos deuses da ciência e da razão havia romantismo (...)Os românticos de Coimbra - ou seja, os românticos do Ideal e da Humanidade - iam dar o golpe de misericórdia nos românticos da retórica e do lugar-comum" .(18)
Guia da Academia em todos os movimentos inconf ormistas contra o conservadorismo universitário, vai provocar, aos vinte e três anos de idade, uma das maiores agitações acontecida na família das letras portuguesas revelando uma nova atitude mental.
Depois da publicação das "Odes Modernas". obra poética em que Antero se coloca no lado oposto ao ul tra-romantismo , surge a célebre "Questão Coimbrã", iniciada pela carta de Castilho ao Editor António Maria Pereira, publicada no "Poema da Mocidade" de Pinheiro Chagas onde eram discutidos Antero, Teófilo Braga e Vieira de Castro.
Foi Teófilo quem estimulou Antero a ir para a luta, replicando a Castilho. Em meados de Novembro, sai da Imprensa da Universidade a réplica a Castilho, o opúsculo de Antero, "Bom Senso e Bom Gosto - Carta ao excelentíssimo Senhor António Feliciano de Castilho", iniciando assim a famosa "Questão Coimbrã".
José Bruno Carreiro, na obra já por nós citada, ajuda-nos a entender com clareza este último acto de bravura de Antero em Coimbra: - "A sua faiscante carta "Bom senso e Bom Gosto" continuava, nos domínios do pensamento, a guerra por ele encetada contra todos os tiranetes, e pedagogos, e reitores obsoletos e gendarmes espirituais com quem topava ao penetrar, homem livre, no mundo que queria livre. Para Teófilo Braga, essa luta coimbrã foi essencialmente uma reivindicação do Espirito Crítico; para os outros panfletários, todos literatos ou aliterados, uma afirmação de Retórica; para Antero, de todo alheio ao literalismo, um desforço da Consciência e da Liberdade. Por isso, o seu ataque nos impressionou não só pelo brilho superior da sua ironia, mas pela sua tendência moral, e pela quantidade de revolução que continha aquela altiva troça ao déspota do purismo e do léxicon. Castilho, armado da sua férula, e tendo a pretensão de dar com ela palmatoadas nas almas, aparecia aos nossos olhos, criadores de Fantasmas, como um verdadeiro monstro: Antero, crivando de setas de oiro os flancos vernáculos do monstro foi para nos como um Sagitário Libertador."(19)
Datam também de 1865 as relações de Antero com Camilo Castelo Branco. Logo depois de se conhecerem, Antero dedicou a Camilo o conjunto de sonetos "A Ideia", na primeira edição das "Odes Modernas", oferecendo-lhe um exemplar dedicado.
Voltando atrás no tempo, há a registar a participação de Antero, em Abril de 1864, na "Rolinada". Movimento contra o Duque de Loulé que recusou conceder um perdão de acto em comemoração do nascimento do Príncipe real D. Carlos, indeferindo o pedido em termos que a Academia considerou ofensivos.
Segundo J. B. Carreiro, Pinto Osório dá-nos a seguinte versão dos acontecimentos no seu livro "Figuras do Passado": "Coimbra tinha tomado o aspecto de um acampamento militar. Nova convocação da assembleia geral. A uma das portas do Teatro Académico, onde a assebleia ia reunir-se encontrou-se (Pinto Osório) com o seu querido condiscípulo José da Cunha Sampaio e com Antero de Quental.(...) Aproximava-se o momento de começar a reunião. A porta do Teatro, que dava entrada para os camarotes, abriu-se. Antero seguiu com outros rapazes pelo corredor do lado direito e foi tomar o lugar no camarote que ficava por cima da porta principal, nesse mesmo camarote onde, dois anos antes, isto ê, em Outubro de 1862, em uma noite memorável, havia entrado para receber um aperto de mão do Príncipe Humberto, depois rei da Itália, felicitando-o e agradecendolhe a sua bela poesia, distribuida e recitada nessa noite."(20)
A 2 de Junho de 1864, Antero de Quental era aprovado Bacharel em Direito.
Com a "Questão Coimbrã", terminava a sua vida de estudante de Coimbra.
Como não podia deixar de ser, por ela se enamorou.
Do poeta transcrevemos algumas linhas do prefacio de "Primaveras românticas": - "Ter sido moço é ter sido ignorante mas inocente. A luz intensa e salu-tarmente cruel da realidade dissipa mais tarde as névoas doiradas da fantasiadora ignorância juvenil. Mas a inocência, a inteireza daquele "indomato amore" com que abraçamos as quimeras falazes dum coração enlouquecido pelo muito desejar, essa inocência é a justificação
sagrada daquelas ilusões, o que as torna respeitáveis, o que nos impede, quando de longe em longe as avistamos no horizonte esmaecido do passado, de as encararmos com o sorriso gelado do desdém: é a sua legitimidade.
Fomos todos assim, naquela encantada e quase fantástica Coimbra de há dez anos. Um sopro romântico, cálido mas balsâmico, fazia rebentar tumultuária-mente as nossas primaveras em borbotões de flores, flores exóticas, estranhas, que a ciência impassível bania inexoravelmente das suas correctas classificações, mas a que dava um indizível encanto, um atractivo particular uma coisa: a mocidade."(21)

CANTIGAS

Lindas águas do Mondego,
Por cima olivais do monte!
Quando as águas vão crescidas
Ninguém passa além da ponte!

O rio, rio da vida
Quem te fora atravessar!
Vais tão cheio de tristezas
Ninguém te pode passar.

Mas dize tu, ó Mondego
Pois todos levam o seu fado,
Tu que foges e eu que fico
Qual de nós vai mais pesado?

Tu, ao som dos teus salgueiros
Levas as tuas areias...
Eu, ao som dos meus desgostos,
Levo estas negras ideias...
(...)
O luar bate no rio;
Tem um mágico fulgor...
Não há assim véu de noiva,
Nem há mortalha melhor!
(...)
A noite, o salgueiro é negro...
Com o vento meneando,
Parecem filas de frades,
Todos em coro rezando.

O frade, fecha o teu livro,
Vai caminho do teu fim...
Que eu já tenho quem me enterre
Mais quem me reze Latim!

Lindas águas do Mondego,
E os salgueiros a cantar!
Quando a cheia é de tristezas
Ninguém a pode passar!(22)

NOTAS

(1) - Eduardo Lourenço, Poesia e Metafísica, Le destin -Antero de Quental, Sã da Costa Editora, Lisboa.
(2) Moradas de Antero em Coimbra: Largo da Sê Velha, nQ 4, nos anos de 1859-60, 60-61 e 61-62. Ocasionalmente na casa de seu tio Filipe de Quental que se havia transferido para a Travessa da Couraça, nQ 13. Em Dezembro de 1861 reside nos Palácios Confusos, n° 5; entre 60 e 62, residiu ocasionalmente na Travessa da Rua do Norte, nQ 3 e no Largo de S. João.
Edifício da Estrela, em 1862-63; Rua da Trindade, 16, 1864 e Rua do Borralho, nQ 12, ano de 1865.
(3) - Teixeira de Carvalho, op. cit., p. XII e XIII.
(4) Publicado in "Mocidade de Teófilo", pp. 188-189.
(5)- Eça de Queirós, Notas Contemporâneas, 4ã ed. , Lisboa, Livros do Brasil, p, 263.
(6)- Ramalho Ortigão, As Farpas, vol.VII, Liv. Clássica Editora, Lisboa, 1970, pp. 207-8.
(7)- Alberto Xavier, História da greve académica, Coimbra Editora, p. 34.
(8)- Gonçalves Crespo, in "Renascença", p. 57, Fase. I, Obras Completas, p. 363-364.
(9) - Excerto do artigo publicado no jornal "Actualidade", extraído da obra de José Bruno Carreiro, Antero de Quental, p.159 .
(10) Eça de Queirós, Notas Contemporâneas, Um génio que era um santo, Livros do Brasil Editora, Lisboa, s .d. , p. 251-2 .
(11) - Carta in: Glória e sombras de Eça de Queirós, António Cabral, Coimbra Editora, 1941, pp. 35-36.
(12)- Carta de António Azevedo Castelo Branco in: Glória e sombras de Eça de Queirós, António Cabral, Coimbra, 1941, p. 37.
(13)- Antão de Vasconcelos, Memórias do Mata-carochas, Porto, p. 162.
(14)- J. Bruno Carreiro, op. cit., p. 180-1.
(15)- Mocidade de Teófilo, p. 167 e ss. - Carta de Teófilo Braqa a Francisco Maria Supico transcrita na obra "Antero de Quental" de J. Bruno Carreiro.
(16) António Cabral, Glória e sombras de Eça de Queirós -Cartas inéditas, 1941, DP. 33-34.
(17)- João Gaspar Simões, Vida e obra de Eça de Queirós, 2S ed., Liv. Bertrand, Amadora, pp. 63-64.
(18)- João Gaspar Simões, op . cit., pp . 68-69.
(19)- José Bruno Carreiro, op. cit., p. 268.
(20)- J. Bruno Carreiro, op . cit., p. 218.
(21)- Ana Maria Almeida Martins, Antero de Quental -Fotobiografia, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1985, p. 83 .
(22) - Afonso Lopes Vieira, Cancioneiro de Coimbra, 2ã ed. , Parreira A. M. Pereira Lda, Lisboa, 1971, pp. 120-121.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Quem se lembra da Académica?


Perante o seu estado calamitoso - segundo informação que a imprensa não se cansa de veicular - a Académica O.A.F. não precisa de equilibrar as contas, mas de uma revolução capaz de provocar uma catarse e um renascimento.
A Académica não traz consigo as suas marcas identitárias.
Sem estudantes e sem Academia., com uma caterva de políticos - gestores do bloco dos interesses -, parece um edifício prestes a ser implodido. Sem originalidade, sem força, sem carácter para criar algo seu, resta a fé clubística aos que do clube ainda guardam a memória.
Rebaixada e perdida, a Académica mais não faz do que dobrar-se diante dos agiotas, extinguindo-se gradualmente na justa proporção dos credores que se agigantam.
Esta Académica tem vindo a afastar os que mais a respeitam, os que lhe querem de verdade.
Há como que uma atmosfera intolerável, que se deposita nas almas, uma tristeza contínua.
Resta-nos a recordação de um tempo histórico como sensação da identidade conservada.
Um fundo de melancolia e de profunda desconfiança de si mesma vai enchendo o cenário da nossa representação.
Hoje somos assim.
Quem se lembra da Académica?

Carlos Carranca
Jornal Centro, 13 de Dezembro de 2006

sábado, dezembro 09, 2006

Marcos Bio – Bibliográficos de Unamuno e de Torga


1864 — Nasceu em Bilbao, a 27 de Setembro, Miguel de Unam uno.
1874 - Assiste, durante a última guerra carlista, ao bombardeamento de Bilbao.
1880 - Termina o bacharelato e inicia os estudos universitários na Faculdade de Filosofia e Letras de Madrid.
1884 - Apresenta a sua tese de doctorado, Crítica áel Problema sobre el Origen y Prehistoria de Ia. Raza Vasca.
1889 - Primeira viagem ao estrangeiro (França, Suíça e Itália)
1890 - Casa com Concha Lizássara.
1891 - Obtém a cátedra de Língua e Literatura Gregas da
Universidade de Salamanca,
1895 — Publica En Torno ai Casticismo.
1897 — Crise religiosa. Publica Paz en Ia Guerra. 1900 - E eleito Reitor da Universidade de Salamanca.
- Escreve o artigo Turrieburnismo, em que fala de Guerra Junqueiro.

1904 - Primeira viagem a Portugal. Em Coimbra conhece o professor universitário e poeta Eugênio de Castro.
1905 - Publica Vida, de Don Quijote y Sancho. 1906 - Visita a cidade do Porto.
1907 - Viagem ao norte de Portugal, ficando instalado em Amarante, em casa do poeta Teixeira de Pascoaes, no Solar de Gatão. Publica o seu primeiro livro de versos Poesia.
- A 12 de Agosto nasce na aldeia de São Martinho de Anta
(concelho de Sabrosa, província de Trás-os-Montes) Adolfo Correia da Rocha (Miguel Torga). Teixeira de Pascoaes publica As Sombras e Sampaio Bruno A Questão Religiosa.

1908 - Passa férias de verão com a família em Espinho, onde conhece Manuel Laranjeira, prosador português que terá grande influência na sua visão pessimista de Portugal.
- O rei de Portugal, D. Carlos, e o príncipe herdeiro, Luís
Filipe, são assassinados em Lisboa por Buiça e Alfredo
Costa.
- Ano da morte de sua mãe.
- Regressa a Portugal e viaja pela primeira vez a Lisboa.
1909 - Unamuno realiza duas viagens a Portugal: passa a Semana
Santa em Viseu, e o mês de Junho no Porto.
— Teixeira de Pascoaes publica Senhora da Noite.
1910 - Unamuno regressa mais duas vezes a Portugal: visita Leixões e a Serra da Estrela.
— Publica Mi religion y otros ensayos.
— A 5 de Outubro dá-se a proclamação da República.
- O rei D. Manuel II parte para o exílio.
1911 - Unam uno publica Por Tierras de Portugal y de Espana e
Rosário de Sonetos Líricos.
— Em Portugal é fundada, na cidade do Porto, a revista
Águia., órgão do movimento cultural Renascença
Portuguesa, que assenta no saudosismo e tem como
propósito restituir Portugal à consciência dos seus valores
espirituais próprios. Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão
e Teixeira de Pascoaes são as suas figuras tutelares.
- Decretada a lei de separação da Igreja do Estado.
1912 — Unamuno publica Contra esto y Aquello.
- Pascoaes publica Regresso ao Paraíso.
1913 — Unamuno publica Del Sentimento Trágico de Ia Vida.
— Miguel Torga entra na escola primária.
— Pascoaes publica o texto da conferência O Génio Português
na sua expressão Filosófica, Poética e Religiosa.
1914 — Unamuno passa férias de verão com a família em Portugal,
na Figueira da Foz.
— E expulso da Reitoria.
- Publica Niebla.
- Lê no Ateneo de Madrid El Cristo de Velázquez.
- Pascoaes publica Verbo Escuro.
1915 — Unamuno é candidato a concejalpor Salamanca.
— Em Portugal é publicado o primeiro número da revista
modernista Orpheu.
— Pascoaes publica Arte de Ser Português.
- Em Portugal instala-se a ditadura de Pimenta de Castro.
1917 - Unamuno publica Abel Sánchez.
— Miguel Torga conclui com distinção o exame da Instrução Primária (4a classe), em Sabrosa. Em Portugal, a 13 de Maio surge a primeira aparição da Virgem, em Fátima e a 5 de Dezembro, instala-se a ditadura de Sidónio Pais.
1918 — Torga matricula-se no Seminário de Lamego.
Pascoaes é convidado, em nome do Instituí de Estúdios Catalans Eugênio D'Ors, a ir a Barcelona fazer uma série de conferências sobre a poesia portuguesa.
- A 14 de Dezembro Sidónio Pais é assassinado na Estação do Rossio, em Lisboa.
1920 - Torga emigra para o Brasil, onde vai trabalhar na fazenda de Santa Cruz (Estado de Minas Gerais).
1921 1922
- Unamuno publica La tia Tuia.
Unamuno publica Andanzas y Visiones Espanolas.
Os portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral fazem
a primeira travessia aérea do Atlântico Sul.
1923
Unamuno manifesta forte oposição ao rei de Espanha e
à ditadura de Primo de Rivera.
1924 -
Unamuno é desterrado para Fuerteventura. Foge para França.
— Torga escreve os seus primeiros versos, no Brasil.
- Pascoaes publica, em parceria com Raul Brandão, uma
peça de teatro intitulada/Em? Cristo em Lisboa.
1925 - Unamuno vai viver para Hendaya.
- Publica El Cristo de Velázquez.
— Torga regressa do Brasil. Retoma os estudos e faz o Curso
dos Liceus, em Coimbra.
- José Régio publica Poemas de Deus e do Diabo.
1926 - Em Portugal, a 28 de Maio, é instaurada a ditadura, mais
tarde designada por Estado Novo.
1927 — Surge em Coimbra o primeiro número da Folha de Arte
e Crítica Presença, onde Torga, ainda utilizando o seu nome de baptismo, Adolfo Rocha, mais tarde virá a colaborar. Esta revista, bandeira do segundo modernismo,
é dirigida por José Régio, Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões.
1928 - Unamuno publica Romancero DelDestierro.
— Torga inicia os seus estudos em Medicina, na
Universidade de Coimbra, e publica o primeiro livro de
poemas, Ansiedade.
- Teixeira de Pascoaes publica Livro de Memórias.
— Salazar é nomeado ministro das Finanças.
1929 — Torga inicia a sua colaboração na Presença.
1930 — Unamuno regressa triunfalmente do exílio.
— Torga publica o seu segundo livro de versos Rampa.
Branquinho da Fonseca, Edmundo Bettencourt e Torga rompem com a Presença.
1931 - Unamuno é candidato, nas eleições municipais, pela coligação republicana-socialista,
A 14 de Abril, é proclamada a República.
Unamuno é deputado às Cortes.
Torga publica Tributo, mais um livro de poesia e Pão
Ázimo, seu primeiro livro em prosa.
Unamuno é nomeado académico de Ia Lengua.
1932 - Em Espanha falha a sublevação militar do general
Sanjurjo.
— Torga publica Abismo (poesia).
— Carmona (Presidente da República Portuguesa) encarrega
Oliveira Salazar de formar Governo.
Unamuno publica San Manuel Bueno, mártir.
1933 - Torga conclui o curso de Medicina e começa a exercer na
sua terra natal, S. Maninho de Anta.
1934 - E conferido a Unamuno o doutoramento honoris causa, pela Universidade de Grenoble.
- Morre sua mulher.
- Torga publica o livro em prosa A Terceira Voz, onde
adopta, pela primeira vez, o pseudónimo de Miguel
Torga, em homenagem a três escritores ibéricos - Miguel
de Cervantes, Miguel de Molinos e Miguel de Unamuno
— e a um arbusto que nasce entre as rochas montanhosas da sua terra, a torga.
— Fernando Pessoa publica o seu único livro em vida,
Mensagem.
1935 - Unamuno é nomeado cidadão de honra da República
Espanhola.
— Realiza a sua última viagem a Portugal (Lisboa).
1936 - Unamuno morre («desnasce») a 31 de Dezembro, em
Salamanca. Na altura encontrava-se em prisão domiciliária, em resultado da sua atitude perante o general de Franco, Millán Astray, na cerimónia de Abertura Oficial do Ano Lectivo da Universidade de Salamanca. Cinco meses antes do falecimento do poeta, tinha eclodido a Guerra Civil.
— Como viria a escrever Torga Fiel a si próprio, na hora
essencial não hesitara. Entre o silêncio cobarde e a retórica
conivente, escolhera o tom natural da sua voz: o protesto
desassombrado — yo pertenezco ai regimen eterno... —
proclamara um dia. E nessa condição se finara, livre e
reencontrado. Místico sem Deus, enraizado numa Espanha que lhe doía, atravessara os anos devorado pela fome de absoluto. E desse absoluto morrera sacramentado. '
1937 Miguel Torga publica/A Criação do Mundo (Primeiro e
Segundo Dias), romance auto-biográfico.
Inicia uma viagem que o leva a Espanha, Itália, França e Bélgica, atravessando a Espanha franquista em plena guerra civil.
— Pascoaes publica Homem Universal.
1 Miguel Torga, A Criação do Mundo (Quarto Dia), Edição Nova Fronteira, Brasil, 1998, pág. 306.
1938 - Torga publica O Terceiro Dia de A Criação do Mundo. Obtém a especialização em otorrinolaringologia. Salazar reconhece Franco como Chefe do Estado
Espanhol.
Nicolás Franco é nomeado Embaixador em Lisboa.
1939 - Torga publica O Quarto Dia. de A Criação do Mundo e a obra é, de imediato, apreendida. O poeta é detido e conduzido à prisão do Aljube, em Lisboa. Esta detenção ficou a dever-se a um pedido de Nicolás Franco a Salazar, pelo conteúdo da obra que focava a viagem que Torga efectuara no ano de 1937 a Espanha, Itália, França e Bélgica.
1940 - No Aljube, é visitado pela belga Andrée Jeanne Françoise Crabbé, a quem fora apresentado por Vitonno Nemésio (grande admirador deUnamuno). Casaram civilmente a 27 de Julho, em Coimbra. Torga edita Bichos.
- Os governos de Portugal e de Espanha firmam o Tratado
de Amizade e Não Agressão, conhecido por Pacto
Ibérico.
- Fixa consultório num primeiro andar do Largo da
Portagem, em Coimbra,
1941 – Publica contos da Montanha, o primeiro volume de
Diário e os dramas Terra Firme e Mar.
- Imprime a conferência Um Reino Maravilhoso (Trás-os-
Montes).
— A PIDE (polícia política) apreende os Contos da Montanha que virão, mais tarde, a ser editados no Brasil.

1942 - Publica Rua (contos).
— Salazar encontra-se com Franco em Sevilha e concertam
a política peninsular relativa à Segunda Guerra Mundial.
1943 — Surgem as obras Lamentação (poesia), O Senhor Ventura
(novela) e o segundo volume do Diário.
1944 — Torga publica Libertação (poesia), Novos Contos da
Montanha e a conferência O Porto.
1945 — E publicado o romance Vindima.
- Sua mulher é nomeada professora da Faculdade de Letras
de Lisboa.
— Teixeira de Pascoaes publica Santo Agostinho.
1946 — Aparecem nas bancadas das livrarias Odes e o terceiro
volume do Diário.
1947 - Miguel Torga publica o poema dramático Sinfonia.
- Sua mulher é expulsa da Faculdade.
1948 - Ano da morte de sua mãe, Maria da Conceição Barros.
— Ê dado à estampa o livro de poemas NihilSibi.
1949 — Surge o quarto volume do Diário.
- Publica, ainda, o drama O Paraíso.
— Franco é distinguido com o título de doutor Honoris
Causa pela Universidade de Coimbra.
1950 — Publica Cântico do Homem (poemas) e Portugal.
— Realiza a segunda viagem pela Europa.
1951 - Surgem nas livrarias os livros Pedras Lavradas e Diário
(quinto volume).
A 31 de Março a Academia de Coimbra organiza uma significativa homenagem ao poeta Teixeira de Pascoaes. Torga esteve presente.
Publica Alguns Poemas Ibéricos.
1952 - Ano da morte de Teixeira de Pascoaes, a 14 de Dezembro, no Solar de S. João de Gatão.
1953 - Sai o sexto volume do Diário.
Viagem pela Grécia, Turquia e Norte de África.
1954 - Publica o livro de poesia Penas de Purgatório.
É-lhe atribuído o prémio Almeida Garrett, no centenário
da morte do escritor. Recusa-o.
Viaja ao Brasil e profere conferências em Minas e no Rio
de Janeiro.
Visita as ilhas Canárias.
1955 - Publica Traço de União (prosa).
— Nasce a sua filha, Clara: Um filho tem pelo menos esta vantagem: obriga-nos a olhar para fora de nós (Diário — VIII),
1956 - Sétimo volume do Diário.
— Morte de seu pai, Francisco Correia Rocha, no mês de
Abril.
1958 Publica Orfeu Rebelde.
— Humberto Delgado é candidato oficial da Oposição Democrática à Presidência da República.

1959 - A censura apreende o oitavo volume do Diário, que
acabara de sair.
1960 - Torga é proposto à Academia Sueca, por um professor
da Universidade de Montpellier, como candidato ao Prémio Nobel da Literatura.
1961 - Viagem de Torga a Verín (Espanha).
— Rebenta, em Angola, a guerra colonial portuguesa.
1962 - Publicação de Câmara Ardente (poesia).
- Viaja de novo a Espanha.
1964 1965
— É publicado o nono volume do Diário.
Surge, nas livrarias, Poemas Ibéricos.
O general Humberto Delgado é assassinado pela PIDE,
em Villanueva dei Fresno, junto à fronteira de Portugal.
Torga discursa, em Coimbra, no Colóquio Internacional Comemorativo do Centenário da Abolição da Pena de Morte.
1968 - Publicação do décimo volume do Diário.
- Em virtude de doença súbita de Oliveira Salazar, a 26 de Setembro é indigitado Presidente do Conselho o professor Marcelo Caetano.
1969 — Recusa o Grande Prémio Nacional de Literatura, por ser
atribuído pelo regime salazarista. — Torga recebe o prémio literário Diário de Notícias.
1970 - Readmissão de sua mulher na Universidade de Lisboa. A 27 de Julho, morre o ditador Oliveira Salazar.
1973 - Publica o décimo primeiro volume do Diário e, no mês de Maio, inicia uma viagem a Angola e a Moçambique.
1974 - A 25 de Abril dá-se a Revolução dos Cravos. Em Maio surge nas montras das livrarias O Quinto Dia de A Criação do Mundo. Escreve a l de Maio: Colossal cortejo pelas ruas da cidade. (...) Há horas que são de todos. Porque não havia aquela de ser minha? (Diário XII).
1975 - A 27 de Setembro Miguel Torga pronuncia, pela rádio, um vibrante discurso condenando as execuções levadas a cabo em Espanha pelo regime do Generalíssimo Franco.
1976 - Edita o volume Fogo Preso, que reúne entrevistas, conferências e alocuções.
- É galardoado com o Prémio Internacional de Poesia da XII Bienal de Poesia de Knokke-Heist, na Bélgica.
1977 - Publica o décimo segundo volume do Diário.
1978 — E, de novo, proposto ao Prémio Nobel da Literatura.
- Cumpre cinquenta anos de actividade literária e é
homenageado, em Lisboa, na sede da Fundação Calouste
Gulbenkian.
1979 - Nova homenagem, desta vez por iniciativa do Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
1980 — E-lhe atribuído o Prémio Morgado Mateus, ex-aequocom
o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade.
1981 - Publica O Sexto Dia de A Criação do Mundo.
— E distinguido com o Prémio Montaigne, patrocinado pela
Fundação PVS de Hamburgo.
1983 - Sai o décimo terceiro volume do Diário.
1984 — Torga visita o México, no mês de Março.
1987 - Sai o décimo quarto volume do Diário e Camões (conferência).
— E editado um disco de poemas deTorga, ditos pelo autor.
— O jornal espanhol Diário 16 publica no suplemento
Culturas (n° 127), a entrevista Miguel, Torga: contra
editores, periodistas y profesores.
— Torga viaja até ao oriente e visita Macau, onde dá unia
conferência.
1989 — Recebe o Prémio Camões, o mais importante galardão
em língua portuguesa, pela primeira vez atribuído.
1990 — Sai o décimo quarto volume do Diário.
- E homenageado pelo Goéthe Instituí de Coimbra.
1992 — A Associação Portuguesa de Escritores propõe, de novo,
Miguel Torga como candidato ao Nobel da Literatura.
— E distinguido com mais dois prémios nacionais: o Prémio
Vida. Literária, da Associação Portuguesa de Escritores, e
o Prémio Figura do Ano, da Associação dos Correspon¬dentes da Imprensa Estrangeira.
- O Salão do Livro de Bordéus atribui-lhe o Prémio Ecureuil de Literatura Estrangeira.
1993 — Publica o último volume do Diário, o décimo sexto.
1994 - Por iniciativa da Universidade Fernando Pessoa, realiza-
se no Porto, a 5 de Março, um congresso internacional dedicado a Torga.
1995 - Morre, a 17 de Janeiro, no Hospital de Oncologia de
Coimbra. Foi sepultado em S. Martinho de Anta, em campa rasa, junto da qual uma torga, ali plantada em sua homenagem, enraizou de novo.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

O ÊXTASE DE SANTA TERESA DE ÁVILA
de Bernini

Que anjo trespassou meu corpo iluminado?
Que luz é esta, que meus olhos se fecharam?
Que seta é esta, meu Deus, que me entontece?
Será o Demónio disfarçado?
Uma seta de vício e de pecado?
Ou hálito divino o que me aquece?

Que céu é este? E que desejos!...
Sentindo, eu vejo a Dor, eternamente.
E que doçura!... talvez beijos...
Oh meu Deus, sois Vós o meu presente!
Vossa seta penetra entre meus seios
e a vontade desfalece de contente.

Carlos Carranca

MIGUEL DE UNAMUNO

Deu-se à vida o homem que sentia
o tempo, a vontade de crer, a rebeldia.
Amou demais? Gozou? Sofreu? Perdeu o norte?
Existiu diferente e fez da Morte
o gesto heróico que sabia.
Inteiro e desmedido
entregou-se à febre que a Vida lhe pedia.
A Razão gritava-lhe ao ouvido,
mas era a Vida que ele amava e não sabia
doutra voz mais terna, doutro sol mais vivo.
Morto, agora - que a Razão não perdoa
à Fé os milagres que oferece -
ao colo da mulher ele arrefece
na paz materna. Voz que entoa
cânticos de luz a um deus eterno que apetece.

Carlos Carranca