Carlos Carranca - neste lugar sem portas

quarta-feira, junho 25, 2008

Aos meus alunos da EPTC


O TEATRO É A EXPRESSÃO MAIS GENUÍNA DA CONSCIÊNCIA COLECTIVA DE UM POVO

Miguel de Unamuno

segunda-feira, junho 23, 2008

o imaginário de Miguel Torga


Miguel de Unamuno - Guerra Civil Espanhola


quinta-feira, junho 19, 2008

Livro de Carlos Carranca apresentado em Lisboa

sexta-feira, junho 13, 2008

Carlos Carranca apresenta Frátria

Carlos Carranca
Frátria

CARLOS CARRANCA: PELA PALAVRA É QUE VAMOS!

José d'Encarnação

A madeira dos meus sonhos
É a minha cruz
(Lousã, 27 de Dezembro de 2006)

Ainda não perdeu – apesar de tudo! – a capacidade enorme de sonhar grande. Para si, para os seus, para os seus estudantes, para o seu (e ainda nosso!) País!
Desde muito cedo que «o sonho lhe comanda a vida» e esse entusiasmo incute no dia-a-dia através da palavra – a palavra escrita e, sobretudo, a palavra falada/cantada, declamada.
Não foi, pois, sem emoção, sem grande emoção, que o ouvimos no recente serão evocativo de um 25 de Abril que parece fenecer e nós todos não queremos – de modo nenhum! – dele lavrar o epitáfio! Resistir foi a palavra de ordem que Carlos Carranca ali nos deixou, embora, como professor, tivesse querido que a mensagem tivesse ido para o ar na íntegra – pois que há que resistir, ainda que a madeira dos nossos sonhos seja também a nossa cruz.
Sonhos que, da serra da Lousã, agreste e fria; duma Coimbra antiga que, pouco a pouco, parece querer definhar e esquecer a década de 60 – Amor é uma palavra com saudade dentro… Sonhos que, vindos desses horizontes terrestres, aqui se espraiam no voo marítimo compassado e sereno das gaivotas, indiferentes à brisa cortante ou ao espedaçar das ondas no Mar do Inferno. Mar de gaivotas, mar de pescadores: tempo ingrato / o do pescador que se pesca / no engodo mais barato…
Casamento fecundo entre a Lusa Atenas e a vida cascalense. Entre uma Universidade vetusta e uma Escola de Teatro. Entre o Torga – De vez em quando / viam-no passar… / Com o seu olhar de bruxo / e o seu andar / de andas –, o seu e o nosso Torga, de gabardina coçada e caneta arguta («A pátria vista do cimo de um poema feito de pedras: xisto urze e vento»… O Tossan, o Carlos Paredes, o António Toscano, o Jorge Castilho (também ele um sonhador!) – exacto, Carlos, «Peregrinos»!... Resistentes!
Casamento entre esses e os que por cá se estabeleceram. O Fernando Lopes Graça, o Goes – «só a voz do Goes continuou perdida […] a lutar como se alguém a tivesse aprisionado»… Com visitações frequentes e imprescindíveis a Miguel de Unamuno, Agostinho da Silva, Pablo Neruda…
É uma comunhão, Carlos. Entretecida de afectos, cumplicidades, lutas – muitas lutas!...
E a sua Escola de Teatro!
Há, claro, a universidade em Lisboa; mas é com estes jovens da Escola de Teatro de Cascais que Carlos Carranca – sem necessidade de livros de ponto, de inquisições, de rigidez programática – dá livre curso à sua arte de ensinar a pensar. Através da precisão da palavra. Pensar! – um exercício que os novos ventos até gostariam de ver arredado das escolas e da Vida – e que Carlos Carranca teima (e muito bem!) a não deixar perder.
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Já nem sei quando conheci Carlos Carranca. E confesso que nem quis dar-me ao trabalho de ir pesquisar arquivos para o saber. Há 15 anos? Há 20?... A impressão que tenho é que o conheço desde sempre! Porque desde logo nos irmanámos nos mesmos ideais, nos mesmos sonhos (cá está de novo a palavra, é irresistível), na mesma forma de encarar a docência, a vida e, até, a poesia, quer a dita «popular» (e o Carlos sempre me apoiou nessas lides) quer a mais elaborada mas nem por isso mais desgarrada do quotidiano.
E esta vontade de pegarmos na juventude e a atirarmos para a frente: aprendam a nadar, meninos! Procurem a essência das coisas!...
E «é trágico para quem vive em constante procura da essência das coisas, assistir, impotente, à dura realidade de uma Pátria a afastar-se da essência e a perder-se na imitação e na vulgaridade utilitárias. Porque não há nada que mais nos degrade do que esta entrega à idolatria da técnica e ao consumismo de massas, onde a preocupação dominante do negócio e a intensidade frenética da Vida aniquilam toda a inquietação espiritual» – lê-se na «Pré-face» desta Fratria, que quase parece testamento e eu prefiro chamar-lhe um testemunho gritante.
Pela palavra. Eterna! «No princípio era o Verbo»! No princípio, agora e sempre, Amigos!
A palavra que – como a Poesia – deve
agitar
inquietar
libertar.
Precisamos que, com sonoridades fortes, a palavra e os discursos voltem a não soar a oco.
Não queremos múltiplas «palavras sem sentido, usadas nos comércios diários dos interesses; utilizadas e deitadas fora, sem peso específico, sem leveza, sem valor».
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Sentamo-nos num rochedo deste mar do Inferno, a orla marítima cascalense, Cabo da Roca, ao fundo, a apontar horizontes, aquele a cuja magia os próprios legados imperiais romanos não ousaram resistir e ali ergueram templo ao Sol e à Lua.
Ouvimos, no vaivém das ondas e no piar descompassado das gaivotas, ecos de palavras outras… Coimbra, Lousã, Marão, Sintra, Cascais, terra e mar, cidade e montanha – no mesmo abraço fraternal. Porque, com as palavras do Carlos, com o olhar do Carranca, ousamos sonhar, ousamos resistir, ousamos ser… Humanidade!
Bem hajas, Amigo! O nosso aplauso, Professor!


Palavras ditas, em jeito de apresentação de Carlos Carranca,
autor de Frátria, livro apresentado, a seguir, pela Dra. Maria Barroso.
A sessão foi no Palácio Beau Séjour, da Câmara Municipal de Lisboa,
ao fim da tarde de 20 de Maio de 2008.
Presentes mais meia centena de pessoas, entre as quais, Vasco Lourenço, Luiz Goes,
a presidente da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra em Lisboa,
a presidente da Sociedade da Língua Portuguesa…
Cantou-se, depois, Coimbra – na melodia forte do seu fado inconfundível.

quinta-feira, junho 12, 2008

POÉTICA DE UMA NOVA SERENATA*


Serenata Nuclear da autoria de Carlos Carranca, é um livro de poesia. Falar de poesia hoje, numa era tecnológica em expansão, é uma aventura, um desvario ou uma ruptura com a uniformidade do contemporâneo. Contudo, é uma atitude de encantamento. E encantamento porque nos prende, nos conforma, nos alarga a alma, cada vez mais sequiosa do estímulo, da fantasia que dá à vida a sua total significação. Mas falar de poesia hoje, é ainda conceber a vida com a dimensão enriquecedora do espaço mítico. De facto, nenhuma outra palavra é mais antagónica do logos, ou seja, da palavra do real e da razão.
Como disse Platão no seu livro Fédon, «ao poeta compete fazer mitos, não discursos». O autêntico poeta é o efabulador, o criador de novos espaços mentais, não o orador que se limita ao quotidiano. Hoje, vinte e cinco séculos depois de Platão, o filósofo que foi também poeta, continua a não poder ser esquecido. O poeta não se confunde com o político, o cientista ou o filósofo. O poeta é aquele que consagra a sua fantasia, pulsa a sua arte e espicaça a sua imaginação, nos versos a que transmite a sua sensibilidade acrisolada. A vida não é apenas a vida, a palavra não se reduz ao som, o bem ou o mal não são somente o bem ou o mal, a morte não se confina mais à morte, na hora em que o poeta proclama no verso, a vida, a palavra, o bem, o mal ou a morte.
Tudo sai mudado das suas mãos de mago, do seu espírito cultivador de sonhos. Com as palavras lança sementes na folha de papel incólume e violada. Foi deste modo simples, tão simples como semear e tão difícil como amadurecer um fruto, que nasceu esta Serenata Nuclear. Como diz o título, trata-se de um canto em torno de um núcleo. E esse núcleo não é mais do que a essência da Vida, para Carlos Carranca. Idolatrando-a, comove-se ao descobrir os seus pequenos nadas, as suas maravilhas inesperadas. Um gesto, um perfume, a voz do mar...
Na vida, constrói Carlos Carranca um poema que é «CORPO PROCURADO», «CILÍCIO» ou «INTIMIDADE». E ao retratá-la com a grandeza do «MILAGRE», o poeta diz : «sentir da Vida / as pulsações /...olhar / o lugar / e ver o mundo / e ressuscitar em cada segundo»(p.28). Esta, palavra-mágica, transfigura-se sempre em cada novo verso, renasce eterna a cada instante de luz, é a identidade de cada poema, inscrito em Serenata Nuclear.
E a vida tem uma plenitude tão profusa que o poeta chega a ter pena que o seu corpo lhe limite a visão da essência do seu mundo infinito. «O que eu sou, / sou-o tão fundo / que sinto pena / do corpo em que padeço»(p.44), diz no poema «NARCISO». Para transmitir a vida, e tão somente como a vê, o poeta sente-se pequeno e, ao mesmo tempo, o único com a alquimia de a desvendar : «O Poeta é o enigma / que encobre, descobre a exacta hora maligna / em que o silêncio é que mata»(p.42).
A ânsia de cantar a vida caracteriza esta Serenata Nuclear escrita por um poeta que não tem atravessado as páginas dos jornais ou revistas, quase só predispostos a divulgar os que se vendem ou os best-sellers. As numerosas edições de Autor revelam como esta sociedade se reduz ao lucro ou ao nada, que é o mesmo que dizer, salve-se quem puder. Uma mísera e, como diria Camões, uma «apagada e vil tristeza».
Mas voltemos à nossa Serenata Nuclear. Trata-se de um pequeno livro só nas dimensões. Não obstante, é necessário não lhe passar ao lado. Lê-lo é um cântico à vida, como fez o poeta. Lembremos alguns dos seus versos : «Tento enumerar e Vida de cada verso»(p.55); «Canto os raios de sol»(p.51); «Amei / o concreto de um poema. / E, da Vida, só sei que vale a pena»(p.58).
«A Vida é um regresso» (p.49) sempre a ser. Energia, plenitude, autenticidade. Maravilhosa arte de poder ver os «raios de sol», as «folhas do infinito», o mar, o céu, as estrelas... Mesmo assim, o poeta procura na vida a além-vida, apenas com os seus versos, esses instrumentos de artífice, e com a sua emoção, essa via para amar, com a saudade do amanhã, do depois a ser já hoje. Veja-se a procura do inesgotável neste verso : «Procuro Deus nas asas dos meus versos»(p.14). E no poema «AMANHû, Carlos Carranca vai mais longe, ao ver em Deus a vanguarda da liberdade, que pode significar tanto a fragilidade como a magnificência do enigmático luar : «Tomarei da Vida / a ânsia de chegar / a um porto lunar / onde Deus não seja a Lei / mas...luar»(p.59).
Com a beleza estilística que cultiva com as suas anáforas, aliterações e sinestesias, Carlos Carranca, um poeta marcado pela Coimbra do choupal, do Penedo da Saudade e das baladas pela noite dentro à porta da catedral, é um poeta da geração de 90 a buscar a novidade e a impor-se no já não distante século XXI, com a força e a música de Torga e Pessanha, com a saudade de Pascoaes e de Nemésio.
Com a voz, a visão e o tacto, o percurso de Carlos Carranca, ruma à Vida, exaltada com a imagem, feita desenho, a intercalar os versos da alma e do sentido. Com a voz do canto, ergue-se a vida do Fundo, do mais Fundo de si : «a Vida / é esta profusão / sem idade / nem limite / de prender numa verdade / o que não tem prisão»(p.29).

*Apresentação do livro Serenata Nuclear de Carlos Carranca, em Mesão Frio (no dia 18 de Fevereiro de 1995) (Ass. Teresa Bernardino Passos)
http://www.harmoniadomundo.net/Poesia/Carlos_Carranca.htm

quarta-feira, junho 11, 2008

A POÉTICA DE CARLOS CARRANCA
– UM OLHAR BREVE SOBRE PEDRAS SUSPENSAS*


«Antes de pensar, sinto». Com este verso apenas, podemos desocultar todo o sentido e, porventura, todos os sentidos imanentes e a transcender-se da poética de Carlos Carranca. Devastando os horizontes latos das montanhas, perdido nas ruas da cidade ou imerso no canto saudosista de guitarras chorando, Carlos Carranca faz de cada emoção, palavras e de cada palavra, emoções. O sensível tem, na sua obra poética, uma dimensão que inserimos na esteira de um Pessoa (Álvaro de Campos) e de um Miguel Torga, a espraiarem-se entre as ondulações caprichosas de um Tejo ou nas lágrimas subtis de um Mondego.
Mas, se a emoção do poeta se entrelaça nos ramos dispersos de uma natureza, qual seara, céu, rio ou pássaro, a Pátria, com a vastidão do sagrado e os limites do oceano, enuncia-se, em cada verso, sempre a libertar-se das amarras da palavra do poeta – indiferente e cúmplice, hostil, amante e secreto.
Nestas Pedras Suspensas, deslumbra-nos o poeta que se faz navegador, aventureiro de rumos diversos e, ao mesmo tempo, a concentrarem-se no espesso nevoeiro das «duas Serras» – «a da infância e a outra». Essa «outra» que é um olhar ignoto, brando e transparente, forte gume de cada emoção, de cada voz, de cada raiz que o poeta constrói, «solitária e solidária», como se os navios do presente só pudessem aportar a essa idade distante (e súbita presença) do infinito berço maternal, a iluminar-se na hora da memória elegíaca e a libertar-se numa hora trágica de sombra, a fluir e a refluir na espera ou na lembrança do recomeçar das emoções sem finitude.
De novo, os véus envolventes do luar – desse luar a possuir todos os sentidos, a transformar-se em mater dolorosa, a emergir como virtus e Mátria eterna. «Do mais alto te contemplo/Portugal».Esse Portugal que, para Carlos Carranca, aparece com formas «de lume, cinzas e segredos». Trata-se de um país secreto, envolto em nuvem longa de proféticos oceanos e atlânticas vontades, em busca da Saudade ou do futuro. Futuro que jamais será revelado a não ser na Hora de ser, finalmente, encontrado (ou reencontrado).
Entre «Noites púrpuras», «almas do porvir», «sombras expectantes» e «feéricas»... Eis que a Hora chega! É a «Hora em que o Poeta cria». E, assim, é traçado o «Trágico destino sob o céu tão vasto...», como se, já morto, ressuscitasse nas formas sagradas da palavra (e das palavras). O poeta escreve desde o «Princípio», entre os fios de Ariadne, dentro do labirinto da terra da origem maternal e a atravessar o mar do futuro para ser (e já sendo) o «pássaro sagrado».
Um «Registo desobrigado». O último poema, «Registo», de Pedras Suspensas. Aqui, cada verso se renova como num «Princípio». Este o título do primeiro poema, talhado com as ervas e o sonho de um nascimento sem tempo algum e a prometer já a vida!
E o poeta lembra-nos:
«A lua, minha mãe nocturna
sobre mim lançou o seu feitiço:
– Serás o mágico das pedras!».
As Pedras Suspensas ganharam, como numa origem primordial, asas e com elas os versos nasceram na «noite feérica» do «Princípio».


Lisboa, 19 de Abril de 1996

* Gazeta do Mundo de Língua Portuguesa, 1996, nº7, pp.48-49.
http://www.harmoniadomundo.net/Poesia/Carlos_Carranca.htm

terça-feira, junho 10, 2008

VINTE ANOS DE POESIA - NESTE LUGAR SEM PORTAS*

«De la musique avant toute chose»
Verlaine

A poesia é Neste Lugar sem Portas − título da colectânea dos livros de poesia de Carlos Carranca, escritos nos últimos vinte anos, publicados pela editora Hugin − um lugar bem definido. É um espaço de papel em branco e é um vazio preenchido. É uma abertura para algo de secreto e também de demasiado concreto. É uma porta a abrir o caminho para outros lugares, como se não saísse do mesmo lugar, sendo este já outro lugar.
É um espaço novo a criar o espaço da liberdade. A liberdade, o espaço sem portas privilegiado pelo corpo poético. A liberdade, a inscrever-se num lugar imenso, sem portas e com uma porta aberta para o ser do poeta. O ser a libertar-se das portas e dos lugares da Imagem (1981), da Ressurreição (1992), da Serenata Nuclear (1994), das Pedras Suspensas (1996), do Homo Viator (1997) ou da Íntima Idade (2001). O ser a fazer eclodir a voz, a voz humana (assim chamava o poeta Jean Cocteau a um dos seus mais belos dramas), essa voz cheia de um som melodioso, musical, com uma música secreta, oculta música, música de origem pronta a maravilhar os instantes inesperados, os instantes da emoção já incontida e a saltar, juntando frases, palavras, sílabas, vogais e consoantes num novo e irreconhecível lugar.
É um pouco assim que nasce a poesia, que nasceu a poesia de Carlos Carranca. Uma poética de palavras musicais, melódicas, originárias e inovadoras, sintéticas e a analisar os mais imprevistos sentimentos, a dor e a alegria, a felicidade e desventura, o bem e o mal. Dos mundos subterrânicos do poeta emergem as fontes que alimentam as palavras a ecoar na voz humana. Esses mundos povoados de fantásticas figuras, de memórias mágicas, de feitiços portadores da felicidade e de bons deuses a favorecer os fiéis adoradores, mesmo de simples ídolos.
A poesia é o ofício Maior de Carlos Carranca. E porquê? Porque é, ao cultivá-la, que Carlos Carranca transmite o seu mundo, transmite-se no seu mundo ao mundo que o cerca. A esse mundo sobre que se debruça e que, ao mesmo tempo, está imerso nele e/ou nele se identifica. Esse mundo que o ultrapassa e que Carlos Carranca faz recuar à infância, às figuras lapidares da mãe, do pai, ou seja, da recôndita e indecifrável.
Neste Lugar sem Portas aparecem expressões bem enunciativas do sentido do discurso poético de Carlos Carranca: «Sinto a força da poesia / no calor rústico dos montes»(p.11); «E onde tudo é arte, / é o pão que se reparte / e a poesia»(p.51): «O poeta / é o pássaro / de asas misteriosas // Voa / a inundar / a noite»(p.90); «Tento enumerar a Vida em cada verso» (p.109). Reparemos que, desde o primeiro livro, Imagem, aqui inserido, neste acervo em boa hora oferecido aos portugueses, até ao último, Íntima Idade (2001), o poeta faz-nos desfrutar de uma poesia em que não está presente essa musicalidade encantatória que tantos poetas hoje publicados (e largamente divulgados pelos mais conceituados meios de comunicação social, em que destacamos jornais diários e algumas revistas de literatura) não alcançam. Nesses poetas falta a música, a melodia, o ritmo, a emoção e a invenção, numa conjugação propícia e mesmo indispensável a produzir a arte a que ainda se chama poesia. É que se não obedecer a estas marcas, a poesia já não o é. A poesia não é uma amálgama de palavras desgarradas, desordenadas, afinal adicionadas, ao ritmo da consciência, porque as palavras devem erguer-se ao ritmo da musicalidade da voz da consciência
Vemos hoje eclodir em numerosas publicações aquilo a que poderíamos chamar uma simulação da poesia como género literário definido desde o grande poema de Homero.
De facto, adulterando as suas leis por muito flexíveis que elas sejam, modificando a sua forma por muito inovação que se lhe coloque, desconstruindo a sua metodologia essencial por muitas novas e indiscutivelmente belas metodologias que se lhe imprimam, pode-se criar um novo género literário, mas não se deve considerá-lo poesia. Se a poesia deve não perder toda uma dinâmica criativa, recriando-se e regenerando-se, enriquecendo-se no verbo ou discurso da palavra, igualmente não deve falsear a sua identidade prórpia. Como escreveu Octavio Paz, poeta que recebeu o Prémio Nobel da Literatura, «a frase poética es tiempo vivo, concreto: és ritmo, tiempo original, perpetuamente recreándose. Continuo renacer de nuevo»(in El Arco y la Lira, 1956,p.67), não bastam palavras sobrepondo-se, não bastam palavras em catadupa, não bastam palavras simulando a palavra. É precisa a palavra a escrever-se em novas palavras, em novas simbólicas, em novas magias, mas sempre no canto das palavras a serem a música de cada palavra.
Ora a poética de Carlos Carranca está perfeitamente imbuída dessa condição fundamental e/ou fundamentante de toda a verdadeira poesia. Como exemplo lembremos o poema «Guitarra Universal»: «Guitarra, meu bordão de peregrino!… / Ouve-se o destino / em tua voz misteriosa, / sempre ausente… // Guitarra − vidente, / Rosa a rosa / desfolhada no presente / pétala a pétala. // Senhora de Portugal! // Guitarra − nossa − condição. / Guitarra − povo. / Guitarra universal!»(Ob.Cit.p.64).
E do poema pleno de música surge o poema ao instrumento musical que o povo português toca com dedos de cristal: a «Guitarra Lusitana»(p.65). Entre a poesia da música e a musicalidade da poesia está toda a voz de Carlos Carranca neste Lugar sem Portas.



* Apresentação da antologia de poesia Neste Lugar sem Portas de Carlos Carranca no Teatro Mirita Casimiro em Monte Estoril, a 18 de Junho de 2002; Consciência Nacional, Março de 2002; www.triplov.com. (Internet) em 4 de Julho de 2002; A Avezinha, 8 de Maio de 2003.
http://www.harmoniadomundo.net/Poesia/Carlos_Carranca.htm

domingo, junho 08, 2008

"Frátria" de Carlos Carranca















Mário Martins enviou-me algumas fotos relativas à apresentação na Lousâ do livro de poesia de Carlos Carranca, "Frátria".
Este foi apresentado por Louzã Henriques que deliciou a assistência, como sempre acontece a quem o escuta. De palavra fácil e de grande cultura, Louzã Henriques foi de facto a melhor escolha que Carlos Carranca poderia ter feito, ainda por cima num museu que tem o seu nome .
Completaram a festa os Pardalitos do Mondego, reforçados com Rui Lucas.
Carlos Carranca leu alguns poemas e ainda cantou e encantou, também acompanhado à guitarra por Louzã Henriques, que ainda tem aquele jeito especial de dedilhar a guitarra.
Foi uma noite bem passada, até altas horas!
O meu amigo Mário Martins, com o seu telemóvel (eu esqueci-me de levar a máquina!), é que tirou as fotos. Para quem ainda não conhece, aqui vai o seu Blog:
http://www.apaginadomario.blogspot.com/

http://guitarrasdecoimbra.blogspot.com/