Carlos Carranca - neste lugar sem portas

sábado, janeiro 27, 2007

DEBATE


Despenalização Voluntária da Gravidez

Escola Profissional de Teatro de Cascais

Dia 31 de Janeiro, pelas 15 horas

Estão representados todos os grupos parlamentares da Assembleia da Republica
assim como várias confissões religiosas, profissionais da saúde e personalidades do nosso meio intelectual


NÃO FALTES!

sexta-feira, janeiro 19, 2007

A MAIS HUMANA DAS OBRAS

Á memória de Miguel Torga

Interrogo-me frequentes vezes se não estará a Poesia mais próxima da magia do que da literatura.
Ora, o Poeta é um mágico, não é um literato, porque a sua condição essencial é a da criação poética, sendo na dimensão transfiguradora da realidade que o Poeta se cumpre, e não no acervo de obras consultadas ou na profusão de autores citados.
Não é citando os criadores que o Poeta existe, é existindo que o Poeta é.
Vivemos num tempo em que os discursos soam a oco. Vivemos num tempo de múltipla palavras sem sentido, usadas nos comércios diários dos interesses; palavras que se usam e deitam fora, palavras sem peso específico, sem leveza, em suma, sem valor.
Porque a Poesia passa pelo ritmo encadeado das palavras, e porque ele, o ritmo, assenta na originalidade com que as juntamos ou separamos, é que, ao confrontarmo-nos com a palavra poética, nos reencontramos com a originalidade, com o valor da palavra, a oração do silêncio, da voz de alguém que procura a palavra perdida e o seu lugar no homem – o mundo como adjectivo: asseado, purificado, limpo.
Ao entrarmos na obra poética, penetramos na vida que se afasta da razão sem a dispensar, e se aproxima da pura sensibilidade.
A poesia não brinca com as palavras, refaz sentidos, dá-lhes outra coloração, transforma-as sem as deformar.
Há na Poesia uma primorosa conciliação da disciplina com a liberdade, não mistura poema com ideias, elas estão lá, mas são a Poesia.
Não cede à facilidade, não transige com a rima, dá-se uma entrega contida, lúcida, solidária.
São palavras depuradas pela sua nudez.
São palavras recolhidas em si mesmas.
Há na Poesia uma dimensão espiritual, direi mesmo, religiosa, que entra em nós e se recolhe – é a nossa voz que ressoa e nos acorda na transparência da voz do poeta.
Na ética e na religião, a questão essencial é saber se o homem se redime a si mesmo ou se será redimido por outro; a sua obrigação é quebrar as suas grilhetas ou, agrilhoado, ir quebrar as grilhetas alheias.
A poesia tenta, pela palavra, libertar-nos do ruído que aprisiona e, em função do outro, libertá-lo, religando-o à palavra perdida, no aperfeiçoamento do mundo.
No princípio era o verbo.
Todas as coisas foram feitas pela palavra, a palavra desocultadora do mundo, da vida, da beleza.
Sabemos que a morte é a mentira e a verdade é a vida. Mas também sabemos que a única verdade objectiva é a morte porque a vida é um conjunto de mentiras que nos servem de consolo.
Mas o poeta sabe, também, que a palavra vence a morte e que é a palavra poética a mais humana das obras.

Carlos Carranca

quinta-feira, janeiro 11, 2007

PORTUGUÊS TLEBS

TLEBS – Assustador, quase, este aglomerado de iniciais.
O termo vai surgindo em alguns jornais, artigo para aqui, artigo para ali e, de repente, o professor de Português vê-se a braços com a realidade de ter de a ensinar aos seus alunos do Secundário. Já o deveria, de resto, ter feito desde 2002, aquando da (actual, mas desta vez inteligente) Reforma do Ensino Secundário, nas turmas do 10º ano. Isso, no entanto, não aconteceu. Porquê? ”Mea culpa”, ou sem ela, eu também não o fiz.
Mas o exame do 9º ano de 2005 (onde se referia o predicativo do complemento directo) e as sugestões de questões de exame do 12º ano enviadas pelo ministério para as escolas (sem a respectiva matriz…), “convenceram-me” a, agora com alunos no 11º ano, abordar mais profundamente a gramática da língua materna.
E ensinei-lhes (o verbo é ensinar, porque eles não sabiam, praticamente, nada, e eu sei que as minhas colegas do unificado dão gramática a estes alunos) a mistura daquela que eu aprendi com as designações que vão surgindo nas (sempre) novas gramáticas do português que as editoras, na sua generosa preocupação com o professor e com o aluno, vão publicando. Em caso de dúvida (são tantas as excepções à regra, que o povo, com o seu uso prático, felizmente, obriga a fazer), recorria às minhas colegas e, como elas, em exemplos mais difíceis, àquele senhor que todos aceitamos como “o Senhor da Gramática” - Lindley Cintra.
Preocupados com o tom determinativo do ministério em relação à obrigatoriedade da TLEBS, para o ensino secundário, apesar de esta ter entrado em “fase de experimentação”, apenas este ano lectivo, no 7º ano, lá vamos nós, sete professores de Português da mesma escola, frequentar uma acção de formação sobre a tão polémica matéria – às 2ªs e 5ªs feiras, das 18h às 21h.
Logo no primeiro dia da sessão, 16 de Novembro, a formadora, que lecciona básico e secundário, membro da Associação de Professores de Português, quando confrontada com a nossa indignação perante o absurdo daquilo que nós, até agora, entendemos como a complexificação da gramática, foi peremptória em afirmar não ter dúvidas que a TLEBS não tinha qualquer possibilidade de não ser implementada, e sairia, de certeza, no próximo exame do 12º ano.
Na segunda sessão, no entanto, aquela já dizia não ter dúvidas de que há aspectos na TLEBS que vão, forçosamente, sofrer alterações. Isto porque, imagine-se, os nossos linguistas investigadores, que trabalharam durante nove anos para chegarem a este resultado, nunca se reuniram. Isto é, cada linguista trabalha, compartimentadamente, o seu tema, e uma delas, cujo nome eu não vou dizer, é extremamente confusa…
Nas últimas sessões, e depois de nós irmos detectando tantas fragilidades neste documento, a nossa colega formadora já não tem dúvidas que no secundário devemos continuar a dar a gramática tradicional, porque só em 2009 estarão, em relação à TLEBS, todas as questões resolvidas.
E assim vai o nosso ensino…

Alguns exemplos da mudança:


Surdo-mudo

Antes

-palavra composta por justa-posição

Agora

-composto morfossintáctico coordenado


Luso-descendente

Antes

-palavra composta por justa-posição

Agora

-composto morfológico subordinado

Luso-brasileiro

Antes

-palavra composta por justa-posição

Agora

-composto morfológico Coordenado

Vinagre

Antes

-palavra composta por aglutinação

Agora

-palavra lexicalizada

Ingratidão

Antes

-nome comum, abstracto

Agora

-nome comum, abstracto, não contável, não animado, não massivo,

Camelo

Antes

-nome comum

Agora

-nome comum, concreto, contável, epiceno, animado, não humano...


Tenho para mim que os nossos linguistas não devem ter muito contacto, muito menos aulas, com a nossa massa escolar. Se assim fosse, não tenho dúvidas que o seu trabalho iria mais no sentido de simplificar o ensino de uma matéria que exige, muitas vezes, um nível de abstracção que raramente os nossos alunos demonstram ter. Tê-lo-á um aluno que no décimo ano me pergunta se “cruel” é um adjectivo?
Eu aconselharia os pais a darem a sua opinião. Se o fizerem, eu também quero ser avaliada por eles.

Maria Rosa Júlio O. Sousa

domingo, janeiro 07, 2007

Unamuno e Torga, irmãos carnais da Ibéria

Destes dois sentidores maiores da Ibéria, destaca-se o gosto que ambos dedicaram aos poetas que manifestam o sentido profundo e religioso da existência: Leopardi, Antero de Quental, Shakespeare, Byron, Dante e muitos outros.
Em ambos, o Homem e o problema da imortalidade marcou as respectivas obras.
Em nenhum deles o sentimento religioso aceitou alguma ortodoxia, nem mesmo a católica.
Tanto em Torga como em Unamuno, a religiosidade manifestou--se pela ansiedade, pela angústia, pela inquietação. A religiosidade sentida como a sublimação do que há de mais fundo no Homem.
Em Unamuno, a afirmação de Torga — medularmente religioso, faltava-me, contudo, humildade e credulidade para. me prosternar e acreditar —, assenta como se ela lhe pertencesse.
Do ponto de vista religioso, Unamuno e Torga são heréticos porque não professam uma opinião corrente, antes particular. Ambos defendem o princípio de que cada homem deve ser considerado como um fim em si mesmo.
Quanto à moral e à religião, ambos entendem que o seu valor acontece somente quando o homem age por um sentimento de dever. Diz-nos Unamuno: E que, no fundo, ética é uma coisa e religião outra1
Torga subscreveria esta afirmação, afirmando que na ética, melhor, na moral, ser bom não é o mesmo que praticar o bem.
Não será difícil imaginar com que entusiasmo Torga terá lido: O homem — substantivo concreto, o homem de carne e osso, aquele que nasce, cresce, e morre — sobretudo o que morre —, aquele que come e bebe e joga e dorme e pensa e quer, o homem a quem vemos e ouvimos, o irmão, o verdadeiro irmão?2
Ambos gritam com todas as veras da alma que o singular não é particular, mas universal.
Nos dois poetas peninsulares, Deus, a liberdade e a imortalidade preenchem por completo o universo das suas preocupações.
Em ambos a Razão e a Vida leva-os a não aceitarem Deus pela razão mas a tomarem-no verdadeiro pela vida. De ambos apetece fazer o seguinte comentário/ — é preciso ter muita fé para se descrer assim/Não aceitam a existência concreta de Deus, mas sentem-na.
Como Unamuno, Torga proclama que o lugar de Deus não é na terra. O que o diferencia de Pascoaes, poeta maior de Portugal e grande amigo de Unamuno, que considerava tudo estar na terra impregnado do espírito de Deus.
Em Torga a dádiva de si parte do seu individualismo sem transigências, tal qual como em Unamuno.
A Torga e a Unamuno faltou-lhes a humildade para venerarem sem entenderem, como a fé na capacidade da razão humana para chegarem a entender.
Ambos anti-racionalistas, crentes de um Deus do coração (para Torga o Deus Menino), famintos de imortalidade e amantes da natureza. Em ambos a contradição de procurarem a religião que liberta sem estar sujeita a dogmas e sendo individualista.
Dilacerados pela razão e pela fé, Torga e Unamuno vivem esses dois enigmas que se sustentam um do outro.
Para ambos, o cristianismo é o individual radical, sendo a individualidade o que há de mais universal.
Em ambos o sentimento trágico da vida. Em ambos essa agonia de não saberem o que é morrer. Para Unamuno, morrer é (des)nascer. Assim solucionou o humanista basco o seu problema sem solução. Regressar ao útero, ao nirvana, ao nada, ao seio-mãe da natureza. Para Torga, é chegar ao fim.

Confidencial

Não me perguntes, porque nada sei
Da vida,
Nem do amor,
Nem de Deus,
Nem da morte.
Vivo,
Amo,
Acredito sem crer,
E morro, antecipadamente
Ressuscitado.
O resto são palavras
Que decorei
De tanto as ouvir.
E a palavra
É o orgulho do silêncio envergonhado.
Num tempo de ponteiros,agendado,
Sem nada perguntar,
Vê,
sem tempo, o que vês
Acontecer.
E na minha mudez
Aprende a adivinhar
O que de mim não possas entender.3

NOTAS:

1 A Agonia do Cristianismo, Editora Arcádia, 1a Edição cm Português, Lisboa, 1975, pág. 79.
2 Miguel de Unamuno, Da Sentimento Trágico da Vida, Editora Relógio d'Água, Lisboa, 1988,pág. 7.
3 Diário (Décimo Sexto Volume), Coimbra, 1993, pág. 142.