Carlos Carranca - neste lugar sem portas

terça-feira, maio 29, 2007

Palavras ao meu coração

(No ano do centenário do nascimento de Miguel Torga)


Por: Carlos Carranca


O problema nuclear da obra de Torga é a sua negação de Deus que, em vez de o afastar do problema religioso, o aproxima, partindo da sua própria insubordinação. Como um filho que não aceita o autoritarismo do pai, Torga rebela-se contra, sem deixar de precisar Dele para continuar a existir em rebeldia, afirmando a sua individualidade. E não há forma mais absoluta de afirmar a presença de algo do que, obstinadamente, contestar-lhe o poder ou, simplesmente, opor-se-lhe, sempre. Quanto mais absoluto for o poder do Pai, mais absoluta é a sua condição terrena de rebelde. Torga nunca aceitará a morte de Deus, nunca será capaz de afirmar com Nietzsche “Deus está morto”, pela simples razão de que perderia sentido a sua luta. Os mortos não se combatem.
A razão da sua obra está nessa carga dramática, direi, mesmo, tragica luta de poeta, contra a vontade arbitrária de um Deus sem rosto: Como desenlace da acção permanente, só a morte, porque existir é desespero e angústia como breves momentos de alegria e de riso – o drama humano de cinzelador do seu próprio perfil, da sua própria fisionomia.
Entre Torga e Deus há como que uma relação de cumplicidade, dependendo um do outro: Deus, exercendo a Sua força e poder absolutos, Torga, medindo a sua insubordinação, salvando-se em humanidade obstinada e trágica.
Viver sem Deus e contra Deus não significa negar a Sua existência, antes pelo contrário, reforça a determinação de Poeta que teima em não lhe obedecer, nem a tê-Lo como modelo para a sua existência concreta.
A presença de Deus nem o intimida, nem atemoriza a subversiva sinceridade de Artista: “Deus é imenso. / Mas nem eu lhe pertenço / Nem é por ele que a minha angústia chama”.

Monte-Estoril, 28.V.2007

quinta-feira, maio 24, 2007

Sete poemas para Carlos Paredes

Lidos por Alexandre Babo

Poemas cristalinos, harmoniosamente depurados, belos,
ligação entre a modernidade e o melhor da lírica
tradicional portuguesa.
Poemas lapidares em que o poeta se irmana com o
sonho e com o génio e nos transmite o fogo onírico
desse génio.
De um grande poeta lusitano a outro
poeta que canta e exprime o melhor
da nossa alma secular.

Sete poemas exemplares

Parede - 13-3-996 Alexandre Babo

A terceira edição de um livro de poemas, no espaço de dois anos, já por si, não pede argumentos. Porém, tratando-se de um poeta, cujo estro solfa luz própria, o acontecimento adquire júbilo comemorativo. Inflacionados por obras estéreis que proliferam em quantidades de mesmice repartida, este livro de belas letras, comove.
António Gedeão, cansado de ver simples jogos de palavras, às vezes engenhosas, não esconde que só muito intervaladamente, aparece uma nova voz. Ele próprio afirma que "a poesia de Carlos Carranca é uma dessas raridades ".
Vindimar empenhadamente a poesia de Carlos Carranca, nome que a literatura pátria já elegeu, é comungar um mosto servido à mesa do verbo seduzir. Nele, a pulsão genética, metamorfoseia a celulose do papel em campo branco de autenticidade, onde possesso de lírica crispação, regista uma escrita singular, enevoado por um céu, radie ularmente preso, não à terra solta, mas à pedra da terra. A genuidade criadora (angustiada humanidade na combustão do Belo) oferece um fruto deiscente segregado pelo "quantum" de órficos neurónios, soprados ao bafo quente do esplendor emotivo. Então, o talento vai servi-lo, procurando a sublime ascensão, que no pico máximo da palavra, é o dizer poético.
Lemos com os cinco sentidos, Carlos Carranca. Ao ouvi-lo dizer, o sexto sentido revela-se. "7poemas para Carlos Paredes" motivados pela homenagem à imparídade do Mestre, também memorizam no inconsciente lúcido que fermenta toda a estesia, um cantar nostálgico de trovador, à {morredoura música das guitarras que ainda choram Alcácer-Quibir. Nesta obra, as guitarras de Artur Paredes e Carlos Paredes, (dois génios no reino de Euterpe), a guitarra do autor, todas as guitarras, ultrapassam a/actualidade e levitam na estatura de nómenos, por intercessão deste transbordante culto que o Poeta oficia. Os versos de Carlos Carranca (porque não, lermos ou relermos, Serenata Nuclear ?), São labaredas inquietas que nos perseguem após a paragem das palavras.

Santos Viegas

sábado, maio 19, 2007

Canto Livre no Pátio das Escolas da Universidade de Coimbra

Homenagem a Zeca Afonso nos 110 anos da Associação Académica de Coimbra

dia 23 de maio às 22 horas


Programa:

Grupo de Fados dos Antigos Orfeonistas.

Grupo Jurídico de Canto e Guitarras.

Poesia para Todos (O Canto, a guitarra e a Poesia) com Carlos Carranca, acompanhado por Durval Moreirinhas, Álvaro Aroso e Mar Tambor.

Grupo da Secção de Fados da AAC.

"Li os 7 Poemas para Carlos Paredes, autêntica oração à guitarra portuguesa".
António Pinho Brojo

A Guitarra portuguesa, segundo parece, emergiu timidamente, na segunda metade do século XVIII, da sua homónima inglesa. Foi-se arrastando desenraizada e subalterna pelos salões - ou tangida pelo povo sem uma técnica própria valorativa, enredada em estruturas musicais amorfo-repetitivas. Personalizou-se no século XX. Em Coimbra adquiriu uma sonoridade particular (adequada à mensagem apelativa das serenatas), fruto de um longo diálogo entre Artur Paredes e o guitarreiro Kim Grado (continuado, mais tarde, com o irmão João Pedro Grado e seu filho Gilberto). A Lusa-Atenas foi o cadinho onde se fundiram especificidades culturais do País. A guitarra e o denominado fado de Coimbra ganharam afirmação e contorno peculiares com a f arnosa geração dos anos vinte -principalmente Artur Paredes e Edmundo de Bettencourt, entre outros, que se eximiram às tradicionais lamechices, rodríguinhos e extensões exibicionistas de voz (mais características da ópera ou canção napolitana). Artur Paredes hauriu, em boa pane, o Sopro Renovador no movimento literário da "Presença", nomeadamente dos seus amigos José Régio (que o exaltou na famosa "Balada de Coimbra "), Edmundo de Bettencourt e Branquinha da Fonseca.
Carlos Carranca ordenou a presente poesia segundo uma bem cuidada dialéctica. Primeiramente, a guitarra de Artur Paredes (explícito ou não), como revelação lírica e mágica de Coimbra - Sala de Espelhos do Saudosismo. Depois, em subtil solução de continuidade, a atenção de quem lê amplia-se até ao universal Carlos Paredes (ainda saudosismo: Passado-Presente-Futuro). A guitarra — ligada umbilicalmente às serenatas, lunar -exige qualidades de vigor e interpretação masculinas, solares, para ser conquistada.
Intui isso Carlos Carranca:
"Guitarra, meu amor de raiz/minha mulher encordoada..."
Com Carlos Paredes a guitarra transbordou para o Mundo, acompanhando a Epopeia dos Portugueses (as caravelas, a diáspora dos emigrantes...):
"Guitarra, meu bordão de peregrino!.../
(...)... "Senhora de Portugal/
Guitarra-nossa-condição/ Guitarra-povo./
Guitarra Universal!".
Diz-nos, num trilho nitidamente pascoalino, José Carlos de Vasconcelos: "na música e na guitarra de Paredes sinto, numa espécie de síntese dialéctica, a memória (vivida) do passado e a saudade (sonhada) do futuro".Caiu-se num Impasse. O Medo e a Descrença manietam a Alma Lusa. Cabe aos Poetas descobrirem a Vela Propulsora Interior que levará à conquista de Novos Mares. Carlos Carranca busca, também, dissipar o nevoeiro pessoano e chegar a Porto Seguro:
"Oh guitarra lusitana!/
Oh harpa das loucas correrias!/
Salgado mar das fantasias.../
É a voz do povo que te chama!/
Redentora.e fraternal,/
és tu quem anuncia/ a hora da alegria/
de se de novo/
o Povo/
o Rei de Portugal".
Leiam e admirem a singular acutilância sintética da linguagem pessoal do poeta Carlos Carranca, no envolvimento vivificante da Guitarra nos nossos grandes mitos - passando, doravante, ater potencialidades mágicas, motoras, no renascimento de Portugal.

Teotónio Xavier
in 7 poemas para Carlos Paredes
edições Universitárias Lusófonas, 1996.

sábado, maio 12, 2007

Galeria da Música Portuguesa: Luiz Goes


Luiz Goes, de seu nome completo Luiz Fernando de Sousa Pires de Goes, nasceu em Coimbra a 5 de Janeiro de 1933. Em Coimbra porque seu pai, chefe da Caixa Geral de Depósitos no Porto, foi um dia em trabalho de inspecção à delegação local daquele banco e a mãe, que tinha aí família, convenceu-o a mudarem-se. Luiz nasce numa espécie de berço musical, crescendo a ouvir o seu tio Armando Goes (uma das vozes mais distintivas da Coimbra dos anos 20), frequentemente acompanhado pelo pai à guitarra e a mãe ao piano. Não admira então que cedo se tenha iniciado nas cantorias, conhecendo uma auspiciosa estreia pública aos 14 anos de idade, numa festa do Liceu D. João III (actual Escola Secundaria José Falcão). Aí canta "Feiticeira", fado-serenata da autoria de Ângelo de Araújo, celebrizado por Alberto Ribeiro no filme "Capas Negras" (1947), repudiado pela Academia e interdito no país durante anos. Luiz é então considerado uma espécie de "menino prodígio" e tem a honra de ser acompanhado em festas e reuniões de convívio de antigos estudantes, por Artur Paredes, Afonso de Sousa e até Francisco Menano, irmão mais velho de António Menano. Entre os seus colegas de liceu e cúmplices das cantigas estão o guitarrista António Portugal e José Afonso que, como ele, virão a integrar o grupo liderado pelo guitarrista António Brojo. Em 1952, o grupo é convidado para gravação de oito discos de 78 rotações. Dois deles têm a voz de Luiz Goes, que ingressara no curso de Medicina dois anos antes. São registos históricos, na medida em que desde os anos 20 com a chamada geração de ouro da música coimbrã – a que integrou nomes tão marcantes como Edmundo de Bettencourt, António Menano, Lucas Junot, José Paradela de Oliveira, Almeida D’Eça e Artur Paredes – não houvera mais edições discográficas de canção de Coimbra. No início dos anos 50, regista-se em Coimbra uma renovação da cultura e da praxe académica, enquanto o círculo musical que gravita em torno de António Brojo retoma a tradição de fazer serenatas semanais aos microfones da Emissora Nacional. Daí decorre o convite da Alvorada, editora sediada no Porto, para gravar as novas revelações da música de Coimbra (Luiz Goes, José Afonso, Fernando Rolim, António Portugal), cujas sessões de gravação decorrem nos próprios estúdios da delegação local da Emissora Nacional. Luiz Goes canta quatro fados – "Dobadoira", "Rezas à Noite (Ave Maria)", "Minha Barca" e "Soneto" –, sendo os dois últimos da sua autoria (letra e música). O acompanhamento instrumental é de António Brojo, António Portugal (guitarras), Aurélio Reis e Mário de Castro (violas).Luiz Goes fala assim do seu início de vida artística: «Cantores clássicos tinha eu na família. O Armando Goes, meu tio, um grande cantor e através dele conheci todos os outros da sua geração. O Artur Paredes, por exemplo, acompanhou-me tinha eu nove anos de idade. Tinha o conhecimento directo dessas individualidades, era essa a minha vantagem. Enquanto que para os meus colegas os cantores dos anos 20 eram figuras míticas, para mim eram figuras íntimas. Senti o peso dessas referências, claro, quando gravei pela primeira vez. Mas também me sentia livre porque a minha vocação, segundo se dizia na altura, era para a música erudita. Estive, aliás, no Instituto de Música de Coimbra, onde fui ensinado pela professora Arminda Correia, que depois veio para o Conservatório de Lisboa. Andei a aprender solfejo, porque os fados de Coimbra conhecia eu de cor e salteado. Mas sentia necessidade de fazer algo inovador, porque repetir o passado não valia a pena. Durante muito tempo para se cantar o fado de Coimbra tinha se ser à maneira do Menano com voz fininha e por aí adiante. Eu quis aproveitar o que estava feito para introduzir uma forma mais livre da canção coimbrã».Luiz Goes nos seus tempos de estudante, integra o Orfeão Académico, onde é solista do naipe de barítonos, e o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC), dirigido pelo Professor Paulo Quintela. Colabora também com outros organismos académicos, em especial com a Tuna Académica. Em Coimbra, e para além do grupo de António Brojo, é acompanhado (ainda no liceu) por Manuel Mora à guitarra e por Manuel Costa Brás (futuro militar de Abril e ministro da Administração Interna), à viola. Depois, e até 1958, será ainda acompanhado pelas guitarras de Fernando Xavier, Jorge Godinho, Dário Cruz, David Leandro Ribeiro e José Niza, e pelas violas de Aurélio Reis, Mário de Castro, Manuel Pepe e Levi Baptista.Em 1954, Luiz Goes estreia-se na televisão, no Canal 7 da TV Paulista, quando o Orfeão Académico é convidado a participar nas comemorações do 4.º Centenário da Cidade de São Paulo. Luiz Goes será também um dos cantores a actuar na primeira serenata de Coimbra transmitida em directo pela RTP, em 1957, de um olival junto dos Estúdios do Lumiar e com realização de Ruy Ferrão (filho de Raul Ferrão, compositor da celebérrima "Coimbra"). Futuramente, Luiz Goes será um dos artistas portugueses mais requisitados para actuações em televisões estrangeiras (Espanha, França, Suécia, Áustria, Estados Unidos da América, Brasil, África do Sul, etc.), e para participação em espectáculos de grande dimensão cultural (Universidade de Georgetown - Washington; Congresso de Cultura da Língua Portuguesa; aniversário das Nações Unidas - Genebra; homenagem a Beethoven - Viena; etc.).Em 1956, Luiz Goes grava mais três temas – "Graça de Deus", "Carta (Soneto) " e "Fado da Despedida" – incluídos em tantos EP de "Fados e Guitarradas de Coimbra" (editados pela Alvorada), tendo como acompanhadores António Portugal, Jorge Godinho (guitarras), Manuel Pepe e Levi Batista (violas).Em Março de 1957, Luiz Goes dá voz ao histórico registo do Coimbra Quintet, primeiramente editado com o título "Serenata de Coimbra" e, posteriormente, "Fados de Coimbra". A iniciativa parte do professor Mário Silva, anos antes excluído do corpo docente da universidade pela sua conhecida oposição ao regime de Salazar e que fora convidado para assumir o cargo de administrador da divisão portuguesa da editora Philips. Mário Silva propõe a gravação de um álbum de música de matriz coimbrã e a escolha recai sobre o grupo de António Portugal que, além do próprio, era composto por Jorge Godinho (guitarras), Manuel Pepe e Levi Batista (violas). A voz solista inicialmente escolhida é a de Fernando Machado Soares, mas uma indisponibilidades deste leva que seja Luiz Goes, que vinha acompanhando a preparação do disco e contribuído com alguns arranjos, a escolha natural para ocupar o lugar. O registo é efectuado em Madrid, nos Teatro do Príncipe Real, e vem a ser escolhido para representar Portugal numa colecção de músicas do mundo que a Philips então comercializa. O álbum conhece inúmeras edições e uma multiplicidade de capas diferentes, consagrando-se como um êxito internacional (é, ainda hoje, o disco de música de Coimbra mais vendido em todo o mundo). Curiosamente, só dois anos depois de gravado é que o disco chega a Portugal, onde se torna um clássico instantâneo. Do álbum fazem parte fados tão conhecidos como "Fado Hilário" (Augusto Hilário), "Fado do Estudante" (Vicente Arnoso / Fernando Machado Soares) e "Serra d’Arga" (popular). A propósito deste álbum lendário, Luiz Goes diz-nos: «Não é um trabalho só meu. Mas é um disco em que tenho a parte principal, porque sou o homem que dá a voz a todos os temas, tirando quatro guitarradas necessárias para compor o ramalhete. Mais tarde aparece a Philips a dizer que queria que o disco ficasse só em meu nome. Mas eu disse-lhes: "Ao menos ponham lá o nome do António Portugal, que é o homem da guitarra". E assim foi feito. Foi um disco que causou um grande impacto. Tecnicamente é muito mais evoluído que aqueles que foram gravados nos anos 20. Depois houve uma colheita de temas populares feita com muito critério e com uma tendência muito marcada para trazer canções populares para o meio urbano. É um disco em que a voz é posta ao serviço da cultura e não da pieguice. Para mim foi o primeiro disco moderno que se gravou de música coimbrã».Em 1958, Luiz Goes termina a licenciatura em Medicina, e muda-se para Lisboa onde passa a exercer a especialidade de estomatologia. Casa-se e nasce o primeiro filho mas esse primeiro casamento, no entanto, não será muito duradouro. Em 1963, o cantor é chamado para o serviço militar, sendo mobilizado para a Guiné-Bissau onde, até 1965, desempenha as funções de alferes-médico numa das frentes da guerra colonial. Quando regressa a Lisboa já não é forçosamente o mesmo homem. Luiz Goes explica: «A experiência militar foi enriquecedora ao máximo – o conhecimento do ser humano tem muitas vezes de se fazer na frente de combate. Depois, quando voltei, estava preocupado com outros assuntos que não os da música. Não tinha casa própria, estava a viver com familiares e, embora não fosse pobre, não tinha tranquilidade para fazer a vida artística.»Em 1967, e pondo fim a uma pausa de dez anos, Luiz Goes grava o seu primeiro álbum em nome próprio, intitulado "Coimbra de Ontem e de Hoje" para a Valentim de Carvalho e editado com o selo Columbia. A gravação decorre em Março de 1967 nos Estúdios de Paço d’Arcos pelo técnico Hugo Ribeiro e as condições são extraordinárias, uma vez que nos ensaios é possível contar com a presença e as opiniões autorizadas de Armando Goes, Edmundo de Bettencourt, Artur e Carlos Paredes, Fernando Alvim... Em suma, a nata dos veteranos do fado de Coimbra. Luiz Goes canta poemas seus, de Armando Goes, Edmundo de Bettencourt, António Botto, Carlos Figueiredo, Leonel Neves e Fausto José, sendo as composições assinadas por João Bagão, Luiz Goes, Armando Goes, Carlos Figueiredo e D. José Paes de Almeida e Silva. No acompanhamento instrumental participam João Bagão, Aires Máximo de Aguilar (guitarras), António Toscano e Fernando Neto Mateus da Silva (violas), em todos os temas, excepto "Balada da Distância", "No Calvário", "Canção da Infância" e "Balada do Mar", cujo acompanhamento é de João Figueiredo Gomes (viola), que nos três últimos temas faz parceria com Carlos Paredes (guitarra). Note-se que Carlos Paredes não se limita a ser um mero acompanhador, ao estilo clássico, e faz a sua guitarra entrar em diálogo, quase de igual para igual, com a voz de Luiz Goes.A origem do trabalho esteve em João Bagão, exímio executante da guitarra de Coimbra, que havia composto uma colecção de músicas especialmente idealizadas para a voz abaritonada de Luiz Goes e o encontro entre ambos dar-se-ia por intermédio de António Toscano. Este, no preâmbulo ao livro "Luiz Goes de Ontem e de Hoje" (Edição Universitária, 1998), confessa: «Guardo um secreto orgulho de ter sido eu a aproximar o Goes do Bagão (...). Colega na Faculdade de Ciências de meu irmão, que mo apresentou (...), sabedor que o Goes voltava da Guiné, onde serviu como médico, falou-me em nos encontrarmos com ele.» E é assim que Luiz Goes, nos ensaios, se começa a aperceber que nesse círculo liderado por João Bagão, onde também pontificava Leonel Neves (autor de letras interpretadas por vozes tão ilustres como Amália Rodrigues e Maria Teresa de Noronha), se respira o clima criativo que sempre procurara em Coimbra. Luiz Goes lembra: «O álbum de 1967 é um disco de maturidade, de alguém que tem outra experiência de vida. Um disco de um tipo magoado por dentro e por fora. Para mais com a percepção que muita coisa tinha de mudar em Portugal e com a necessidade de o transmitir. É também um disco onde metade dos temas se chamam baladas, uma designação que emprego quando tenho a certeza de que não estou a cantar fado. São temas que correspondem a uma maior liberdade de expressão, porque o fado é muito limitativo. As baladas são, afinal, apenas canções. Poderá perguntar-se: mas o que há aí de coimbrão? É a mesma coisa que apanhar um comboio em França, ver um tipo ao fim da carruagem, e mesmo sem falar com ele ter a certeza que é português.»A "Balada do Mar" (letra e música de Luiz Goes) que remata o alinhamento do disco, prenuncia um das temáticas dominantes no álbum seguinte, precisamente intitulado "Canções do Mar e da Vida", gravado em Julho de 1969, também por Hugo Ribeiro, nos Estúdios de Paço d’Arcos.Fruto da colaboração com João Bagão e o seu grupo, este não é contudo um disco sobre a Natureza, pelo menos no sentido estrito, mas antes um grito de alma contra a situação do país. Um álbum anoitecido que transpira agonia e desilusão, ao mesmo que implícita, mas decididamente, questiona o regime então vigente. Exemplo disso é "Canção do Regresso", de feição autobiográfica, em que é denunciada a guerra colonial e ao mesmo tempo a situação que os ex-combatentes vinham encontrar no rectângulo europeu: «Volto, de mãos vazias, / sem ter nada do que quis. / P’ra morrer bastam dois palmos / de terra no meu país! / Pobre de quem regressa / ao jardim e acha um deserto; / já perdeu o que está longe, / já não tem o que está perto!». Luiz Goes contextualiza assim a génese do disco: «Enquanto que o mar em Lisboa é concreto, está ali aos nossos pés, o mar coimbrão é uma ausência – uma divagação esotérica. É um mar imaginário, que para mim funciona como libertação. Essa obsessão com o mar articula-se, por outro lado, com o protesto político. Conheci pessoas como o José Manuel Tengarrinha ou o Rogério Paulo, pessoas que militavam no mesmo campo de ideias que nós. Todo esse convívio produzia em mim a necessidade objectiva de dizer certas coisas, embora eu não quisesse propriamente dizer o mais explícito. Sentia-me suficientemente livre para não estar veiculado a coisíssima nenhuma em termos de forças políticas. De resto, "Canções do Mar e da Vida" inclui também canções de amor. Porque o lirismo é outra forma de libertação. O lirismo é uma faceta que nunca reneguei – somos portugueses, ainda por cima.» As letras saíram do punho de Luiz Goes, Afonso de Sousa, Edmundo de Bettencourt e Leonel Neves, que se tornará o autor fundamental do repertório do cantor. As composições são autoria de Luiz Goes, João Bagão, Afonso de Sousa, António Toscano e Armando Goes e no acompanhamento instrumental mantém-se o elenco do disco anterior, com excepção de Carlos Paredes. Fazem parte do álbum temas tão belos como "Balada Para Ninguém", "Canção do Regresso", "Dia Perdido", "Asas Brancas", "Cântico de Um Pescador", "Boneca de Trapo", "Cantiga de Vagabundo", "Alegria" e "Homem Só, Meu Irmão", que se tornará a sua balada mais emblemática (Tu, que andas em busca da verdade / e só encontras falsidade em cada sentimento / inventa, inventa amigo uma canção / que dure para além deste momento).Dando sequência lógica ao álbum anterior, segue-se o LP "Canções de Amor e de Esperança", gravado em Dezembro de 1971, mais uma vez por Hugo Ribeiro, nos Estúdios de Paço d’Arcos. As letras são todas da autoria de Leonel Neves (oito) e de Luiz Goes (quatro) e as composições são assinadas por Luiz Goes, João Figueiredo Gomes, António Toscano, António Andias e Durval Moreirinhas. O acompanhamento instrumental é de António Andias (guitarra), Durval Moreirinhas, António Toscano e João Figueiredo Gomes (violas). No alinhamento deste magnífico álbum, quiçá o melhor da sua discografia, figuram baladas tão sublimes e intemporais como "Cantiga Para Quem Sonha" (vide letra abaixo), "Poema Para Um Menino", "Canção Para Quem Vier", "Sangue Novo", "É Preciso Acreditar", "Canção Quase de Embalar", "Mensagem do Mar", "Balada do Rei Vadio" e "Uma Lenda do Levante". Como não é raro suceder com discos de êxito, o maior sucesso da carreira de Luiz Goes é gravado em estado de graça, sem muitos preparativos nem muitas horas de estúdio. Na verdade, o material do disco ficou pronto em duas sessões nocturnas de três horas cada. Todos os temas ao primeiro ‘take’, só repetidos por uma questão de precaução. O disco marca também o início da colaboração com António Andias, na sequência de uma zanga havida com João Bagão. O trabalho de Luiz Goes com João Bagão implicava, muitas vezes, cedências do cantor face ao guitarrista. Com António Andias, a sintonia é perfeita e Luiz Goes torna-se mais dono da sua música. Aliás, o cantor não se limita a substituir um guitarrista por outro já que decide dispensar a guitarra portuguesa em toda a face A do LP. O cantor fala dessa opção: «Era preciso demonstrar que a guitarra portuguesa não é imperativa numa canção de matriz coimbrã. A viola é só por si um suporte perfeitamente válido. No fundo sou um fiel infiel. A minha infidelidade à música coimbrã respeita apenas à ortodoxia. Mas nunca quis destruir a música de Coimbra. Quis fazer uma revolução por dentro. Dar o meu contributo para que ela atingisse uma determinada dimensão, sem infringir a sua essência.»Esta revolução estilística acaba por ser o resultado natural do aprofundamento do idealismo já manifestado no álbum precedente. Luiz Goes mantém-se a uma prudente distância da militância política que se radicalizara entre os seus antigos companheiros de Coimbra. É o próprio cantor quem nos esclarece sobre o seu posicionamento: «Tivemos trajectos de vida completamente diferentes. Enquanto o Zeca Afonso e o Adriano Correia de Oliveira se mantiveram em Coimbra alguns anos e ainda viveram a época dos motins académicos, eu em 1958 já estava em Lisboa. O Almeida Santos dizia-me, no outro dia, que se eu tivesse vivido essa época em Coimbra não teria acabado o curso. É bem provável que tenha razão. Depois a minha maturação em Lisboa foi diferente e sempre foi muito difícil arregimentarem-me! Por isso, depois do 25 de Abril, já em plena democracia ou a caminho dela, quando não se sabia qual a modalidade de democracia para a qual o país se encaminhava, cantava-se o Luiz Goes. Isto é significativo. Quer dizer que eu não era agarrado a este ou àquele partido, embora no fundo sempre acreditasse no socialismo democrático.»Em 1973, a Valentim de Carvalho edita uma compilação temática (reeditada em CD pela EMI-VC, em 1992) reunindo temas de Carlos Paredes, José Afonso e Luiz Goes. Os quatro temas de Luiz Goes foram retirados do álbum "Canções do Mar e da Vida", e são: "Alegria", "Homem Só, Meu Irmão ", "Boneca de Trapo" e "Canção do Regresso".Depois de um interregno de doze anos sem registos discográficos, em 1983 Luiz Goes grava o LP "Canções Para Quase Todos", a partir de poemas seus, de Leonel Neves, Miguel Torga e Edmundo de Bettencourt. As composições são da autoria de Luiz Goes, João Bagão, João Figueiredo Gomes, António Toscano e Durval Moreirinhas e o acompanhamento é feito por João Bagão, Aires Máximo de Aguilar (guitarras), João Figueiredo Gomes, António Toscano e Durval Moreirinhas (violas). O álbum tem a produção de Mário Martins e é gravado nos Estúdios de Paço d’Arcos, de novo pelo reputado Hugo Ribeiro. Outro trabalho com a marca magistral de Luiz Goes onde pontificam temas tão belos como "Canção para Quase Todos", "Viagem de Acaso", "Balada dos Meus Amores", "Teu Corpo", "Canção de Todos os Dias", "Requiem pelos Meus Irmãos", "Última Canção de Amor", "Desencontro" e "Regresso da Pesca".O cantor dá as suas razões para tão longo hiato na sua discografia, sobretudo depois da Revolução de 1974: «Nessa altura já não se sentia tanta urgência em dizer coisas. Eu gravei sempre muito pouco. Depois fui sempre arrastado por outros na parte prática e o grupo que me motivava desfez-se. Comecei a não encontrar aquilo que eu precisava que fosse feito. Depois nunca vivi só da música – quem me dera a mim! Se estivesse em Coimbra talvez tivesse sido mais fácil, porque entretanto surgiu uma plêiade de instrumentistas notabilíssimos». Embora Luiz Goes não o diga, houve outros razões mais dramáticas para um tão longo período sem discos: na verdade, o cantor teve graves problemas de saúde, mais concretamente crises de asma que, por mais de uma vez, o deixam à beira da morte. Até que no início dos anos 80 recupera, reconcilia-se com João Bagão e reconstitui o grupo de instrumentistas que o acompanharam no final da década de 60. "Canções Para Quase Todos" é o retrato desse período de sofrimento e da sua superação. É o próprio cantor que confessa: «Houve ali uma necessidade íntima de fazer coisas outra vez. A vida foi andando e eu não pude deixar de traduzir as minhas próprias decepções. No fundo considero-me um humanista. Sempre tive uma grande preocupação com a vida dos outros. Estou sempre com medo de prejudicar, de pisar alguém. Aí está outro motivo porque não gravei mais. Comecei a pensar: "Se vou gravar com este, então não gravo com aquele" e arrependia-me. Ainda hoje sinto o mesmo.»Talvez sejam estas as razões que ajudem a explicar que depois do álbum "Canções Para Quase Todos", e durante mais de duas décadas, Luiz Goes não tenha editado nenhum trabalho em nome próprio e apenas gravado temas avulsos para diversas edições discográficas: "Dobadoira" e "Fado da Despedida" para o LP "Tempo(s) de Coimbra" (Movimagens/EMI-VC, 1984); "O Meu Menino" (Popular / Fernando Machado Soares) para o LP "De Coimbra Para a UNICEF" (Videofono, 1985); "Toada Para Uma Cidade" (letra e música de Jorge Cravo) para o CD "Folha a Folha" (Numérica, 1999), de Jorge Cravo e o Grupo Presença de Coimbra.Nos anos 90, Luiz Goes declara: «Gostava de gravar mais uma coisa ou outra. Agora que estou prestes a reformar-me da carreira médica, vou ter mais tempo para a música. Mas também é verdade que tenho sido tratado de forma tão fraterna e elogiosa que me pergunto o que posso mais fazer. Não quero estragar o está feito».Em 2002, assinalando os 50 anos da primeira gravação de Luiz Goes, a EMI-Valentim de Carvalho, reúne a obra integral numa cuidada edição intitulada "Canções Para Quem Vier", constituída por quatro CD e um livro com diversos textos e as letras do seu magnífico repertório. De um desses textos respigo as palavras sábias e justas do professor Carlos Carranca: «A sua obra é um monumento humano. É obra moça. Não exibe velhices precoces, é fruto de uma personalidade riquíssima, de uma sensibilidade invulgar e de uma visão plural da vida. – É através de ti, da tua voz, das tuas interpretações, dos teus poemas, que Coimbra ultrapassa os limites da cidade, vai mais longe. Vai ao encontro de quem sonha, do homem só, adquire sangue novo. Chega mais longe porque tu lhe insuflaste a tua própria vida, lhe deste a tua inteligência e a tua criatividade inacessíveis aos que de Coimbra se contentam em imitar o estilo, a exibir erudição, a contabilizar louvores. Luiz Goes não só canta, como escreve sobre nós, e fá-lo apaixonadamente. Os labirintos da nossa alma profunda percorrem as suas canções. São pedaços de nós, de Portugal, de uma paisagem física e humana que visceralmente somos. Em Luiz Goes habitam as múltiplas influências do trovador inquieto e intemporal, do poeta, do respeitador da tradição, no que ela possui de essencial, rejeitando exibicionismos vocais, poéticos saudosíssimos serôdios e intransigências reaccionárias. Luiz Goes é um cantor da Saudade. Mas de uma saudade que nos faz compreender que todos nós comparticipamos num ser universal.» (excerto da comunicação "Luiz Goes: de ontem, de hoje e de sempre", proferida pelo professor universitário e poeta Carlos Carranca, a 4 de Julho de 1998, aquando da cerimónia de entrega da Medalha de Ouro de Coimbra a Luiz Goes).E será, finalmente, em 2005 que Luiz Goes virá a gravar um novo álbum, regressando à sua Coimbra de sempre, concretizando um projecto do compositor e guitarrista João Moura («A voz de Goes estava no meu subconsciente desde o início deste projecto»). Com o título "Coimbra: Espírito e Raiz", a edição é composta por CD e DVD, e ainda um livrinho intitulado "Coimbra do Meu Tempo" que, além de um texto do próprio Luiz Goes e dos poemas cantados, inclui também um conjunto de fotografias (a preto e branco) da autoria de Mário Afonso, o primeiro presidente da secção de fado da Associação Académica de Coimbra. O CD integra 13 temas: sete da autoria de João Moura (música) e Carlos Carranca (letras), três de Luiz Goes, Edmundo de Bettencourt e José Santos; e mais três composições para guitarra e flauta, da autoria de João Moura e Abel Gonçalves, sendo uma delas um tributo a Carlos Paredes. Sobre este trabalho escreveu José Henriques Dias (Professor da Univ. Nova de Lisboa e do Instituto Superior Miguel Torga): «Uma guitarra e uma voz. A guitarra de João Moura, a voz de Luiz Goes. A música de matriz coimbrã, na mais alta expressão, está de volta na raiz e no espírito, profundamente renovada, tocada pelo sopro do génio. Rei Midas que aurifica onde a sua voz ressoa, sentida de um sentir que é irrepetível, onde os anos suportam pela sensibilidade a memória do seu esplendor de outros tempos, Luiz Goes surge a cantar versos de Carlos Carranca e também versos seus e de José Santos num novo objecto de culto que deve ser ouvido, lido e visto para se voltar a sentir a música coimbrã no que pode ter de universalidade. Se os versos de Carlos Carranca, escritos sobre a música, têm a simplicidade que os torna cantáveis sem perda de substância poética, as composições de João Moura acordam em nós ecos da intemporalidade só possível onde a inovação acrescenta e restaura a harmonia apelativa de uma Coimbra que, mais que um lugar, é algo que anda por dentro de nós, nos habita para nos fazer em cada instante reviver, não o passado morto, mas uma espécie de magia que não se explica por palavras, que só entende quem a viveu nos verdes anos e que assalta os afectos de quem nela não viveu.»Em 18 de Outubro de 2005, Luiz Goes é distinguido com o Prémio Fado de Coimbra, atribuído pela Fundação Amália Rodrigues. A maior fadista portuguesa, lá no assento etéreo onde repousa, terá certamente esboçado um sorriso de contentamento, conhecida que era a profunda admiração e estima que devotava a Luiz Goes, certamente consciente de que ele era o seu equivalente na canção de matriz coimbrã.No dia 25 de Novembro de 2006, no Casino do Estoril, é prestada uma Homenagem Nacional a Luiz Goes, num espectáculo apresentado por Sansão Coelho. No evento, promovido pela Associação de Antigos Estudantes de Coimbra em Lisboa, estiveram presentes Carlos Encarnação (Presidente da Câmara Municipal de Coimbra), António de Almeida Santos (Sócio Honorário n.º 1 da Associação de Antigos Orfeonistas e Presidente da Assembleia Geral da Associação anfitriã), e ainda os representantes de várias Associações de Antigos Estudantes do país e até da Guiné-Bissau, onde o cantor prestou serviço militar.A discografia de Luiz Goes não é vasta, mas a rara qualidade e beleza da sua voz aliada a poemas que se contam entre os mais belos da língua portuguesa, fazem dele uma das figuras cimeiras da música portuguesa de todos os tempos. António Toscano, amigo e acompanhador do cantor nos álbuns gravados para a Valentim de Carvalho, define assim a voz e a arte de Luiz Goes: «O que um leigo em música mas com alguma sensibilidade pode dizer é que se trata de uma voz portentosa: cheia, poderosa, de forte acento abaritonado mas de enorme amplitude, com plasticidade e timbre raros, que permite ao Goes alcançar com a maior naturalidade, interpretações de qualidade e brilho inimitáveis, a que também não são estranhas a inteligência dos poemas e das circunstâncias e a emotividade que lhe é própria.» Citando o professor José Henriques Dias: «Com Amália e Carlos Paredes, Luiz Goes está na galeria dos grandes intérpretes do século XX, expressões maiores do ser português.»Contudo, e apesar desta evidência, o cantor tem sido vítima de um generalizado "esquecimento" na rádio portuguesa, a que não escapa a estatal RDP. Efectivamente, a aparição de Luiz Goes na Antena 1 tem-se restringido, e mesmo assim muito esporadicamente, à rubrica "Alma Lusa" e aos programas "Vozes da Lusofonia" e "Lugar ao Sul". O álbum de 2005, por exemplo, foi completamente ignorado. Por que motivo um intérprete desta envergadura está ausente dos alinhamentos de continuidade e espaços musicais da rádio do Estado? Tal dever-se-á à estreita mundividência cultural dos novos responsáveis pela selecção musical ou haverá um propósito premeditado na sua ocultação? Independentemente da razão, trata-se de uma lacuna imperdoável na rádio pública que urge colmatar, porque não é aceitável que numa lista 878 de canções (cifra apontada por Rui Pêgo) não haja, pelo menos, uma das belíssimas baladas de Luiz Goes, e em contrapartida outros nomes de menor valia sejam contemplados com vários temas. Com este texto, de que enviarei cópia à direcção de programas e ao Provedor do Ouvinte, deixará de poder ser invocada uma alegada desatenção ou um suposto esquecimento para o criminoso silenciamento de que Luiz Goes vem sendo vítima na rádio de todos nós.

Discografia:

- Fados de Coimbra - 2 vols. (78 rpm, Melodia/Alvorada, 1952, ed. 1953)- Fados e Guitarradas de Coimbra (3EP, Alvorada, 1956) (colectivos)- Serenata de Coimbra (LP, Philips, 1957); Fados de Coimbra (CD, Polygram, 199?)- Coimbra de Ontem e de Hoje (LP, Columbia/Valentim de Carvalho, 1967; CD, EMI-VC, 1995)- Canções do Mar e da Vida (LP, Columbia/Valentim de Carvalho, 1969; CD, EMI-VC, 1995)- Canções de Amor e de Esperança (LP, Columbia/Valentim de Carvalho, 1971; CD, EMI-VC, 1995)- Carlos Paredes/José Afonso/Luiz Goes (LP, Columbia/Valentim de Carvalho, 1973; CD, EMI-VC, 1992) (compilação colectiva)- Canções Para Quase Todos (LP, EMI-VC, 1983; CD, EMI-VC, 2001)- O Melhor de Luiz Goes (CD, EMI-VC, 1989) (colectânea)- Homem Só, Meu Irmão (CD, EMI-VC, 1996) (colectânea)- Canções Para Quem Vier: Integral 1952-2002 (4CD, EMI-VC, 2002)- Coimbra: Espírito e Raiz (CD/DVD, Coimbra XXI, 2005)Fontes:- Literatura inclusa na discografia de Luiz Goes- Enciclopédia da Música Portuguesa, de Luís Pinheiro de Almeida e outros, 1998-
Página http://ccarranca.blogspot.com/2006/09/matriz-coimbr-que-outra-msica-jos.htmlPropostas para a 'playlist' da RDP-Antena 1 (e Antena 3):(por ordem alfabética)- Asas Brancas (in "Canções do Mar e da Vida")- Balada da Distância (in "Coimbra de Ontem e de Hoje")- Balada do Mar (in "Coimbra de Ontem e de Hoje")- Balada do Rei Vadio (in "Canções de Amor e de Esperança")- Balada dos Meus Amores (in "Canções Para Quase Todos")- Balada para Ninguém (in "Canções do Mar e da Vida")- Boneca de Trapo (in "Canções do Mar e da Vida")- Canção da Infância (in "Coimbra de Ontem e de Hoje")- Canção de Todos os Dias (in "Canções Para Quase Todos")- Canção do Regresso (in "Canções do Mar e da Vida")- Canção Pagã (in "Canções de Amor e de Esperança")- Canção para Quase Todos (in "Canções Para Quase Todos")- Canção para Quem Vier (in "Canções de Amor e de Esperança")- Canção Quase de Embalar (in "Canções de Amor e de Esperança")- Cântico de Um Pescador (in "Canções do Mar e da Vida")- Cantiga de Vagabundo (in "Canções do Mar e da Vida")- Cantiga para Quem Sonha (in "Canções de Amor e de Esperança")- Chamo-te Niña (in "Canções de Amor e de Esperança")- Desencontro (in "Canções Para Quase Todos")- Dia Perdido (in "Canções do Mar e da Vida")- É Preciso Acreditar (in "Canções de Amor e de Esperança")- Homem Só, Meu Irmão (in "Canções do Mar e da Vida")- Mensagem do Mar (in "Canções de Amor e de Esperança")- No Calvário (in "Coimbra de Ontem e de Hoje")- Poema para Um Menino (in "Canções de Amor e de Esperança")- Regresso da Pesca (in "Canções Para Quase Todos")- Requiem pelos Meus Irmãos (in "Canções Para Quase Todos")- Sangue Novo (in "Canções de Amor e de Esperança")- Teu Corpo (in "Canções Para Quase Todos")- Trova da Vila da Feira (in "Canções de Amor e de Esperança")- Última Canção de Amor (in "Canções Para Quase Todos")- Uma Lenda do Levante (in "Canções de Amor e de Esperança")- Viagem de Acaso (in "Canções Para Quase Todos")

Cantiga para Quem Sonha(Letra: Leonel Neves; música: João Figueiredo Gomes)

Tu que tens dez réis de esperança e de amor
Grita bem alto que queres viver.
Compra pão e vinho, mas rouba uma flor:
Tudo o que é belo não é de vender.

Não vendem ondas do mar,
Nem brisa ou estrelas,Sol ou lua cheia.
Não vendem moças de amar,
Nem certas janelas,Em dunas de areia.

Canta, canta como uma ave ou um rio,
Dá o teu braço aos que querem sonhar.
Quem trouxer mãos livres ou um assobio,
Nem é preciso que saiba cantar.

Tu que crês num mundo maior e melhor
Grita bem alto que o céu está aqui.
Tu que vês irmãos, só irmãos, em redor
Crê que esse mundo começa por ti.

Traz uma viola, um poema,
Um passo de dança,Um sonho maduro.
Canta glosando este tema:Em cada criança
Há um homem puro.

Canta, canta como uma ave ou um rio,
Dá o teu braço aos que querem sonhar.
Quem trouxer mãos livres ou um assobio,
Nem é preciso que saiba cantar.

(in "Canções de Amor e de Esperança", 1971)

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