Carlos Carranca - neste lugar sem portas

sábado, novembro 25, 2006

HOMENAGEM NACIONAL A LUIZ GOES


Dia 25 de Novembro
Casino Estoril

Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra
Orquestra Clássica do Centro
TEUC
Jorge Tuna e sua Guitarra
Acompanhado por Durval Moreirinhas à viola
E pela voz de Carlos Carranca

Serenata Monumental Com
Fernando Rolim
Augusto Camacho
Sutil Roque
José Dias
Artur Mota
Arménio Marques dos Santos entre outros


GOES

A voz é de terra e de tragédia,
Ibéria toda.
Sete luas? Sete sóis?
A noite é seu caminho...
O mar cresce no espaço
de um deus que traz sozinho
a voz de outras vozes
- a voz de Luiz Goes.


In Pedras Suspensas
Universitária Editora, 1996.
Carlos Carranca

quarta-feira, novembro 22, 2006

COIMBRA DE ANTÓNIO NOBRE

agasalhada entre Choupais."
A. Nobre

No dia 15 de Outubro, apeou-se do comboio do Porto um jovem poeta. Vinha das bandas de Leça:
"Era a distância, o 'além', que me impressionava
Tinha o mistério do sól-pôr, duma esperança.
Mas, mal cheguei (que espanto! eu era uma criança)
Tudo rolou no solol A 'Tasca das Camelas'
Para mirn era um sonho, o céu cheio de estrelas:
Nossa Senhora a dar de cear aos estudantes
Por 6 e 51 Mas ah! foi-se a Virgem dantes
Tia Camela... só ficou a camelice."(1)
E no Penedo da Saudade, lugar tão propício as divagações poéticas, cantado pela tradição, que António Nobre vai morar. Ai, numa casa com janelas rasgadas para Nascente, o poeta sentia-se no seu mundo. Só que os primeiros contactos com a Universidade serão os das primeiras decepções na medieva cidade de D. Dinis.
Em carta datada do dia 18 de Outubro de 1888, revela o Poeta a certa altura ao seu amigo Agostinho de Castro: - "Na terça-feira, abriu—se a Universidade: Na Sala dos Capelos eu vi e ouvi pessoas e coisas, que nem te conto para não maçar o teu espírito. O tom de Idade Média que existe em tudo isto é tal que eu por momentos chego a crer que o Dante escreveu o Inferno o mês passado." E ainda na mesma carta: - "Ontem, fui à abertura das aulas e, como sabes, é o dia grande dos estúpidos da Universidade: â Porta Férrea aglomera¬va-se uma multidão ansiosa por canelas de novato. Ligeiramente trému¬lo, talvez pálido, mas sorrindo, eu passei sob um pálio colorido de pastas, de todo incólume, ouvindo apenas uns zumbidos dessas 'abelhas-discípulas' e debaixo destas palavras altas: 'E poetai E poeta! E reformador!'" (2)
S evidente que o ambiente emocional que envolveu a abertura das aulas, não lhe agradou, antes pelo contrario, o achou ridículo. Ele mesmo se considerava no "vale de sebentas".

Na mesma carta diz que o Penedo da Saudade é "o único sítio onde podia viver".
Guilherme de Castilho, explica-nos correctamente o porquê do desencanto dos primeiros dias de Anto em Coimbra: - "O curso de Direito, que o poeta escolhe sem uma vocação decidida também concorre para lhe infundir na alma o desalento e confusão com o espectro de cinco anos de vida tormentosa, corn os seus lentes crassos, a aridez dos assuntos, o rigor das praxes académicas, a subserviência obrigatória, a delação dos esbirros, a deslealdade dos 'ursos' e tudo o mais que intimamente o magoava." (3)
Noutra carta a Augusto de Castro, datada de 5 de Outubro de 1888, lê-se a certa altura: - "A Universidade, - é aqui voz geral -resolveu tornar o Direito menos acessível às cavalgaduras nacionais, como até agora; de modo que levantou a bitola e, hoje, não é só o primeiro ano, - são todos contingentes, difíceis e trabalhosos." Ainda mais adiante fala-nos da impressão que ele causou no meio intelectual coimbrão: - "Cheguei e, sem fazer por isso, agitei as aguas doces em que eles iam boiando, iam boiando e, agora é que é vê-los: furiosos, verdadeiramente furiosos." (4)
Numa carta a um amigo, datada do mês de Novembro, segundo nos revela Guilherme de Castilho, António Nobre confessa-se desespe¬rado por ser esperado por troupes, e diz ser um triste sem esperanças nem alegria.
Em Coimbra sente-se longe de tudo, dos amigos, da família -Leça que recorda com profunda saudade.
Mas algo vai mudar. No princípio do ano de 1889, relaciona-se com alguns colegas, sendo de entre eles, Alberto de Oliveira
o eleito.
O mesmo Alberto de Oliveira confessou um dia: - "Nele me seduzia e fascinava o poeta, de que o seu aspecto físico era o espelho fidelíssimo. Já à volta do seu nome se formavam lendas e anedotas. As modificações engraçadas que introduzira na capa e na batina, o gorro clássico, desusado por arcaico, e que na sua cabeça anelada se reabilitara instantaneamente, parecendo atrevida carapuça de campino ou de poveiro, os seus livros de aula, encaderna¬dos a 'rouge et noire', como o título estranho de Stendhal - tudo me atraía para ele." (5)
Outros eram os amigos de Anto: - António Homem de Melo (Toy), atleta sempre pronto para o que desse e viesse. Agostinho de Campos, Mário Duarte - o Mário de Anadia, Francisco de Sousa, e António Fogaça, a quem o poeta chamou "o único espírito claro e guiador que poderia alumiar a (sua) estrada de bacharel", falecido no mês de Novembro de 1888.
E a “Boémia Nova - revista de literatura e ciência”, fundada por um grupo de amigos que se .reunia com mesa certa no Lusita¬no que vira a dar algum alento ao poeta , servindo ainda mais para espalhar a lenda ã sua volta e de que Alberto de Oliveira era o tecedor .

Surge então o primeiro número da Boémia Nova que vai ter como redactores, para além do poeta de 'Só, Alberto de Oliveira, Emídio Garcia, Pinto da Rocha, Xavier de Carvalho, Abel Botelho, Osório de Castro, António de Melo, Agostinho de Campos, Francisco Bastos e Sanches da Gama.
Dizia a Boémia Nova ser "um jornal de ideias modernas, de orientação moderna, de moderníssima escola".
Acerca desta Revista diz-nos Guilherme de Castilho: -"O grupo extravagante da 'Boémia' há muito se tinha feito, notar na Academia pelas atitudes de indiferença ou hostilidade para com a restante massa dos estudantes, pelo espírito de círculo fechado aos não “iniciados”, -pelas bizarrias "mais ou menos notórias dos seus componentes." (6)
Publicado o primeiro número, surge uma nova folha literária - "Insub-missos" - onde Eugénio de Castro, ainda muito moço, se estreia "de lança em riste" contra os da Boémia.
Os insultos de um lado e de outro vão multiplicar-se ao ponto de, em plena Rua Larga, se assistir a cenas de pugilato, onde o Toy (António de Melo) e Francisco Bastos, dos “Insubmissos”, se esmurrarem por insultos vindos nas respectivas revistas.
Mas, em breve, a polémica termina com a publicação do "último número da “Boémia Nova”, a 12 de Abril do mesmo ano. (7)
Chega também ao fim o ano lectivo e António Nobre tem que prestar contas perante os lentes de um ano de Universidade, o primeiro; e o castigo não se fez esperar. “Chumbado”.
No segundo ano, António Nobre vai morar para o Beco da Carqueja, número 8, fazendo esquina com a Rua do Correio, deixando, por isso, o Penedo da Saudade de ser "o único sítio onde, em Coimbra, poderia viver”.
Mas, este segundo ano de Coimbra, vai vivê-lo de outra _forma; sentindo-se penetrar pela cidade, na sua alma ficará para sempre.

Excerto de uma carta a Alberto de Oliveira:
Segunda—feira 8, Beco da Carqueja
30-6-1890 Coimbra
Grato, muito grato às raparigas de Coimbra: à “fogueira” que houve na minha rua, ao “Ai olé” emocionante delas, ecoando sob a noite, devo eu ter cismado os meus melhores versos. Trabalhava a ouvi-las, enlevado â janela, aberta sobre a Rua de S, Pedro, para mais facilmente os ais delas me chegarem ao coração." (...) (8)
Esta noite de fogueiras de S. João deve ter de tal forma impressionado Anto, que este, em '1890, escreve essas belíssimas quadras ao gosto- popular a que deu o título - "Para as raparigas de Coimbra" e que termina desta forma bem sugestiva:
Ó fogueiras, Ó cantigas Saudades! Recordações! Bailai, bailai, raparigas! Batei, batei, corações!
Mais um “acto” a porta e Anto vai ter que, novamente, prestar provas. Ninguém o desconhecia, aqueles que o haviam de julgar também não e a Coimbra "claustral, bacharelática, funesta/(N)uma cidade assim, cheirando essa indecente,/ por toda a parte, desde a Alta a Baixa, a lente" despediu-o do quadro dos seus eleitos.
O Pedro “Penedo da Rocha Calhau”, mais uma vez, reprovara o poeta e este não lhe perdoou, imortalizando—o em alguns versos da sua "Carta a Manuel":
(...)
Não quero, no entanto, meu Manuel, que te vás embora Sem ver aquele amor que a minha alma adora:
Olha, acolá. Gigante, altivo como um cedro, Olhando para mim com ternura: E o meu Pedro Penedo!
O Pedro da minh'alma meu Amigo!
Que feliz sou, bom velho, em estudar contigo!
Mal diria eu em pequenito, quando a ama Para eu -me calar, vinha fazer-me susto à cama, Por ti chamava: Pedro! e eu sossegava logo, Que eras tu o “Papão”! A ama, de olhos em fogo, Imitava-te o andar, que não era bem de homem... Eu tinha birras? - Aí vem o Lobisomem! Dizia ela. - Bate à porta! Truz! Truz! Truz! E tu entravas, Pedro , eu via! Horror! Jesus! Meu velho Pedro! Meu fantasma de criança! Quero-te bem, tanto que tenho na lembrança, Quando morreres, Pedro! (o Pedro nunca morre) Hei-de pegar em ti, encher de álcool a Torre
Com todo o meu esmero e... zás! meter-te dentro! Pedro! assim ficas enfrascado, ao alto e ao centro, E eternamente , para espanto dos vindoiros : No rótulo porei: 'Ali-Bed, Rei dos Moiros'. (9)
E a Torre d`Anto?
António Nobre não viveu naquela Torre das medievas muralhas
de Coimbra?
Antes de deixar o País, com destino a França, à cidade de Paris, onde conseguirá o que Coimbra lhe proibiu - o curso superi¬or - António Nobre viveu uma breve semana de sonho, no início do mês de Outubro, instalando-se na Torre.
Excerto da Carta a Alberto de Oliveira escrita na Torre de ANTO :
Sábado,4-X-1890 Torre de Anto, a Sub-Ripas
(...)
"A meia-noite recolhi â Torre de Anto, onde dormi sozinho, 'helas', sem medo à sombra de Maria Teles, julgando ouvir pela noite adiante as suas pancadinhas de mão-morta, na porta do meu quarto, quando era a velha Joaquina, no andar de cima, -a tossir. Adormeci, entretanto, e acordei no dia seguinte. Mas que surpresa ao despertar: imaginaras o que é a gente abrir o olho, repleto de tanta imagem deste século XIX e deparar encantado com a Idade Média em frente, pelos lados, sobre e sob? Oh, a Torre! Levantei-me entusias¬mado e fui abrir as ogivas talhadas nestas pedras milenares e, ao ver toda Coimbra outonal, essa paisagem religiosa, milagrosa, o Mondego sem agua, os choupos, meus queridos corcundas, sem folhas e vergados pelos anos, pareceu-me que estava num mundo extinto, todo espiritual, onde só um homem vivia, que era o Anto encantado, na sua Torre." (10)
E em carta incompleta, sem destinatário nem data:
(...) "Certamente morro com uma torrite. Tem sido tal a minha adoração por ela, nestes dias, que chego a ter uma verdadeira obsessão, andando a escrever, a lápis por todas as ogivas, por todas as portas, por todos os cantos: “Anto”! “Anto”! “Torre de Anto”1 Roço-me pelas paredes, como para lhes transmitir um pouco de mim; assento-me no chão, lanço-me ao comprido para que todo o meu corpo se infle de Torre, - tal é o meu amor por ela. Nem a Torre de David se lhe pode comparar, nem o torreão, de que eu fui um engenheiro ideal e que, um dia, sonhei edificar na Boa Nova.. Só Lhe conheço um defeito: a vizinhança. Aqui ao lado mora o Príncipe Cambaio. Ali defronte engorda o "Lombo...'" (11)
Pela cidade, a verdadeira, se apaixonara, ainda que o
sas, citadinas.
Anto, poeta da saudade...
(…)
"Contudo, em meio .desta fútil coimbrice,
Que lindas coisas a lendária Coimbra encerra!
Que paisagem lunar que é a mais doce da Terra!
Que extraordinárias e medievas raparigas!
E o rio? e as fontes?" e as fogueiras? e as cantigas?
As cantigas! que encanto! Uma diz-te respeito,
Manuel, é um sonho, é um bei]o, é um amor-perfeito
Onde o luar gelou: “Manuel! tão lindas moças!
Manuel! tão lindas são...”
Que pena que não ouças!
O que, ainda mais, nesta Coimbra de salgueiros
Me vale, são os meus alegres companheiros
De casa. Ao pé deles é sempre meio-dia:
Para isso basta entrar o Mário da Anadia.
.Ate a Morte é branca e a Tristeza vermelha
E riem-se os rasgões desta batina velha!
Conheces o Fernando? a Graça que ele tem!
Dá ainda uns ares de Fr. Gil de Santarém,,,
Pálido e loiro, em si toda uma Holanda canta
Com algum Portugal... E o doce" Misco? Santa
Teresa de Jesus vestida de rapaz...
Porque não vens, Manuel, ungir-te desta Paz?" (12)
Carta a Manuel

NOTAS

(1) António Nobre, Só, Carta a Manuel, 14ã ed., Livraria Tavares Martins, Porto, 1968, pp.61-62.

(2) - António Nobre - Correspondência, Org. int. e notas de Gui¬lherme de Castilho, 2ã ed., I.N.C.M., Lisboa, p. 57.

(3) - Guilherme de Castilho, António Nobre, 2ã ed. rev. e amp., Portugal ia Editora, Lisboa, L968, p. 55.

(4) - Guilherme de Castilho, op. cit., pp. 55-56,

(5) - Ibid., p. 62.

(6) - Guilherme de Castilho, António Nobre, 2â ed. ré v. e ampl

(7) - Mais duas folhas surgiram no mesmo período para contrariar os "valores" da 'Boémia Nova'. Foram elas a 'Boémia Velha' e 'Nem cã nem lá'.

(8) - António Nobre, Correspondência, p. 97.

(9) - António Nobre, Só, 163 ed-, Livraria Tavares Martins, Porto, 1968, pp. 62-54.

(10) - António Nobre, Correspondência, p. 104.

(11) - António Nobre, op. cit., pp. 508-509.

(12) - António Nobre, Só, p. 62,

Carlos Carranca
Redigido no ano de 1987

segunda-feira, novembro 20, 2006

O poeta de quem falamos hoje é um trovador, um peregrino, um viajante

A propósito de Coimbra à Guitarra de Carlos Carranca

«A língua não corresponde a um pensamento, é o próprio pensamento» - disse Heidegger. Da mesma maneira, poderíamos afirmar que o modo de tocar guitarra, mais do que uma técnica, necessária todavia, é um estado de alma, e alma portuguesa, apesar do nosso instrumento, em forma de coração, descender do cistro inglês! Ao que parece, só aqui poderia ter vida. Instrumento musical imigrante, naturalizado português, transformado completamente, criámo-lo à nossa sensibilidade, e hoje não se lembra do país de origem! Que melhor acolhimento poderá haver?
Coimbra à Guitarra é o mais recente livro de Carlos Carranca. E o poeta de quem falamos hoje é um portador da poesia plasmada na sua palavra e no seu gesto, onde quer que se encontre, onde quer que vá; um trovador, um peregrino, um viajante.
Poderíamos dizer, no caso de Carlos Carranca, se antes da cidade dos estudantes à guitarra, não haveria, secretamente, uma "Lousa à guitarra"...
A imagem não é descabida, pois as impressões poéticas, são-no não só pela ainda incompreensível alquimia do inteiro acto criador, como por esse mágico espírito de lugar, que bem o sabia o filósofo português José Marinho. Os lugares eternamente recriados.
O poeta viu, sentiu e registou Coimbra. E quanto à indelével fixação dos acordes do vento da serra, dos acordes do estranho silêncio que bem pode ser a génese da palavra poética em todo o seu fulgor? Também Pascoaes ouviu o Marão antes do cantar das tricanas do Mondego; também Régio ouviu as guitarras dos marinheiros de Vila do Conde antes que tivesse escutado a de Artur Paredes; e o próprio Pessoa, nas redondezas do Teatro de 5. Carlos, imaginava a aldeia ideal que nunca teve, e escrevia: «O sino da minha aldeia/dolente na tarde calma/cada tua badalada/ soa dentro da minha alma».

O título Coimbra à Guitarra tanto pode querer dizer que é a cidade, qual vulto feminino, que, cantando, é acompanhada pelo instrumento de cordas, ou a própria cidade que dedilha a guitarra. Seja como for, não me é difícil ver, antes de mais, uma "Lousa à guitarra", uma guitarra rústica, a Lousa em menino do Carlos Carranca. Pese embora o porte hierático e extenso da serra, esta é, tal como a guitarra, uma figura feminina de formas arredondadas, que nos dedilha os sentimentos pela surpresa e pelo sedutor apelo.
Apesar de tudo isto, ainda que as imagens originais permaneçam, o homem aventureiro, o poeta na demanda da ilha ideal, move-se inevitavelmente. E o destino, o fatum latino ou o maktub, herança árabe que também nos cabe, encaminharia Carlos Carranca em direcção a Coimbra, que, para o poeta, só poderia ser acompanhada à guitarra, e não por outro instrumento. Ritual lusitano por excelência, altar céltico no panteísmo da terra; dessa terra, sem lucro, hoje escassa e que já quase não existe, e das águas cadentes e cristalinas sem pagar imposto.
Não é de todo necessário, para sentir a guitarra de Coimbra ou Coimbra à guitarra, penetrar num outro espaço ritualístico que poderia ser as águas do Tejo beijando as colinas de Lisboa de ressaibos de guitarras mouriscas, ou os antigos salões das modinhas lusobrasileiras. Mas pelo facto da guitarra ter as suas origens nas zonas marítimas, no zarpar e no atracar dos barcos, nas ondulações da incerteza, talvez isso nos ajude a uma exegese mais conveniente da Guitarra do Mondego.
Paulo Alexandre Esteves Borges em «Do finistérreo pensar», referindo-se ao fado, na equivalente guitarra, diz-nos que «O trágico perdura. A irracional cisão entre o indivíduo e o Absoluto, que faz com que relativamente haja Destino, Fatum a impessoal Moira que os gregos sabiam superior aos próprios deuses - , desafia todo o dogma religioso e as derivadas metafísicas. Por isso os portugueses a cantam, na saturnina ironia de quem contempla como vãos todos os artifícios da razão. Sabem, sem jamais terem pensado nisso, que só a dor, a extrema dor da identificação do mal do mundo, dele nos liberta».
Estas palavras encaminham-nos agora a outro ritual. Uma complementaridade tão estranha como real, uma sensibilidade coimbrã. Aqui nos deteremos no livro de Carlos Carranca, talvez compreendendo melhor que a guitarra de Carlos Paredes vem do fundo do tempo e de um lugar tão mítico como real. Vem e acrescenta Coimbra de fora; também a guitarra de um João Bagão empresta à cidade o fraseado do mar da sua terra natal, e a voz de um Luiz Soes, acorda Coimbra quando esta parece não querer acordar. E neste acordar de Coimbra, a que muitos já se têm referido, está incubada uma outra problemática mais profunda que é da memória de Coimbra, e da qual falaremos, ao de leve, em seguida.
Mas convenhamos que terá de haver sempre academia e académicos, os anos intocáveis da mocidade, quando sentimos, sem pensar, o cheiro das tílias que vem do Botânico, o luar medievo das ruas de Coimbra, os rouxinóis nos salgueiros que hoje são mais reais porque existem só quase na memória que nos corta latejante.
E ainda a propósito do que é ou não é real, diga-se que todo o sonho, no seu mundo, para os verdadeiros sonhadores é tão real como uma estrada de asfalto para os olhos que a vêem. A fantasia, o acto morno, o desalento, esses é que são as manchas doentias da vida, enquanto que pelo sonho «uma constante da vida», como lhe chamou Gedeão, o mundo pula e avança.
E o fadista de Lisboa, Vicente da Câmara, que nos canta: «Guitarra, minha guitarra,/ Conforme o teu som desgarras/ Em riso, dor ou saudade,/ Através das tuas cordas/ Nas minhas mãos tu acordas/ Diversa realidade».
E curioso lermos que é a guitarra que acorda em nós a realidade que interiormente possa existir. Ora, é toda uma realidade académica, futrica e mítica, que Carlos Carranca nos oferece no seu livro, ainda que o autor nos dê também uma guitarra ideal, isto é, uma linha de força lusíada que caracteriza o Coimbra.
O leitor esclarecido, mas que ainda não conheça a obra, deparando-se com o título Coimbra à guitarra, poderá, é claro, imaginar muita coisa. Tendo alguma sensibilidade poética e musical, talvez pense lá para si: Que guitarra o autor concebeu a acompanhar a cidade? Ou, doutro modo, com que voz tem Coimbra cantado? Há guitarras de adormecer e há outras de acordar? Há guitarras de fazer esquecer e outras de fazer lembrar?
De Coimbra à guitarra, bem poderíamos dizer (porque definir aqui não cabe) que é uma espécie de rapsódia de variações que em vez de escritas em pauta, são-no pelas palavras, melhor, pela palavra poética que entendeu, por dentro, as guitarradas dos intérpretes a quem o poeta se dirige em justa e sentida homenagem.
Vamos então ouvir o dedilhar das suas palavras. Vamos pois abrir o livro. Respirando convenientemente ao virar da folha, como quem passa de uma variação a outra na necessária mudança.
O poeta abre com uma homenagem aos salatinas, gente simples e macerada que conheceu a diáspora dentro da própria cidade. A morte da velha alta ficou sempre espetada na garganta. Concluindo este poema de abertura o poeta escreve «...protesto de ser humano/contra a morte utilitária de Coimbra». Diga-se, desde já, que o poeta nunca confunde o popular com o popularucho, o simples com o brejeiro.
E que a «morte utilitária de Coimbra» ainda que acreditemos numa qualquer ressurreição ou renascimento, vem de muito longe. Esse acordar deveria ser, antes de mais, o recordar do espírito do Estudo Geral fundado pelo rei-poeta o Lavrador, com o original acento discente e não docente, naquele velho espírito estudantil de Bolonha e não da professoral Sorbonne, vazia esta já do último sopro da dialéctica grega.
Daí que o iluminismo pombalino, positivista, burocrático, centralista e estatal, embora estruturante e reformador, viria a gerar, na cidade essencialmente universitária, um fenómeno que cindiu a sua vida, isto é, o confronto entre o estudante e o futrica, mantido ao longo de muitas gerações, e hoje naturalmente esbatido. Nessa tensão sociocultural se desenrolaram inúmeros problemas. Nas repercussões que teve na guitarra, é o que nós sabemos, sendo que o mal social deu alguns bons frutos artísticos, pois nenhuma verdadeira arte se faz sem pelo menos algum sofrimento.
Voltemos ao livro de Carlos Carranca, que dele nunca saímos. O autor estrutura a obra em três andamentos, segundo a sua sensibilidade pessoal, mas seja ela qual for, não se nos afigura difícil observar que no primeiro andamento pairam apenas dois nomes, dois arquétipos da guitarra: Artur Paredes e Carlos Paredes, como se fossem as duas colunas que sustentassem os pórticos dos templos gregos, e não vamos discutir agora qual deles representa a coluna jónica ou a coríntia. Para além destas figuras maiores, Carlos Carranca concebe este instrumento medularmente português, bem lusitano, e ainda ligado ao nome de Nossa Senhora. O eterno feminino tem na guitarra o mais alto mote. O próprio poeta o escreve, mais que uma vez, nos seus poemas.
A guitarra é feminina e de certa maneira lunar, ainda que, em nossa opinião, em Carlos Paredes, sobretudo depois do disco gravado ao vivo na ópera de Frankfurt, ela seja arrebatadora e solar. Encerremos este primeiro andamento com a leitura integral do poema que nos parece tudo resumir: «Carlos Paredes – O guitarra lusitana!/ O harpa das loucas correrias!/ Salgado mar das fantasias.../ E a voz do povo que te chama!/ Redentora e fraternal,/ és tu quem anuncia/ a hora da alegria/ de ser de novo/ o povo,/ o rei de Portugal.» E se o povo há-de ser rei, não o será certamente com esta cinzenta democracia por rainha!
Passemos ao segundo andamento, referindo, antes de mais, as primorosas ilustrações de Jorge Vicente.
É certo que as águas do Mondego não chegam a todo lado. Mas pode-se dizer que a guitarra de Flávio Rodrigues, ele também um salatina, chegou a todo o lado. E, segundo o que é dito e está escrito, à sua barbearia acudiam académicos e não académicos. Carlos Carranca abre da melhor maneira o segundo andamento do seu livro com o poema «Flávio Rodrigues - Há um lugar/ que me visita sempre/ romântico e doente/ onde a guitarra/ que só tu dedilhas/ geme sensual.» O poeta percorre, em seguida, outros guitarristas - e não os poderia visitar a todos, sob pena do livro se engrossar consideravelmente, guitarristas esses que vêm até à nossa geração, e que frequentaram a sua barbearia, verdadeira escola de ensinar, ocupando o lugar da universidade que nunca ensinava (como hoje) o que de melhor a cidade ia tendo.
No terceiro e último andamento o autor como que se desliga do poema-dedicatória, dos versos ofertados esboçando este ou aquele guitarrista, para conceber a guitarra única, a guitarra paradigma que, apesar de tudo, é real. Real na paisagem não menos verdadeira. Verdadeira porque alguém a toca com os dedos e o coração, e não porque se ouça num altifalante enquanto uns tantos apreciam camarões e os fazem deslizar na espuma artificial da cerveja.
Para concluir, vou ler dois poemas deste terceiro andamento. «Fado Menor- Cansado de Coimbra/ e seus senhores/ cansado desta lua/ dos cantores/ cansado desse ontem/ e deste hoje/ Cansado de mim mesmo/ e dos doutores/ Cansado.../
sobretudo cansado/ E o que resta?/ E Coimbra a dos amores.» Açode-nos à memória Pedro e Inês, ou o milagre das rosas da Rainha Santa. Episódios que o tempo transformou em mitos, mas também me permito discordar de muitos historiadores que dizem que a História faz o mito. Creio, e não sou o primeiro, que o mito é que faz a História. Por eles, os mitos, muito se foi criando, seja uma tela, um drama, um poema, uma guitarrada, um feriado nacional. E no fundo, a benéfica pedagogia da repetição para ver se enxergamos o arquétipo das coisas belas e perenes, das grandes causas do homem, que não são descartáveis como as inflações.
Poema «Guitarra de Coimbra - Não se deixou contaminar/ pela mania erudita/ da dita/ universidade/ popular/ ficou da cidade/ essa guitarra/aflita/ erudição/ só a do coração/ e tudo quanto toca ressuscita».
Mas antes que tudo ressuscite ou se renove há que alargar a vista, à maneira do deus bifronte Jano que tanto mirava o passado como o futuro, o além e o aquém. Símbolo do tempo, o seu rosto é herético à visão estreita hoje de muita gente. Há quem se envergonhe de olhar para trás e só viva polarizado no futuro, alheado do presente, outros vice-versa. Condenada à fogueira tem sido uma certa face de Jano, porventura o lado genuinamente português, na confusão (ou má-fé) entre internacionalismo e universalidade. Por isso a guitarra trará ainda a dor aguda de sermos nós, e nós pelos outros.
Para terminar só me resta sublinhar que o livro de Carlos Carranca preenche o espaço em Coimbra que faltava ocupar. O de um conjunto de poemas que, evocando a guitarra e os guitarristas, também se poderia chamar «Flores para Coimbra».
É urgente o som das guitarras do tempo rasgado ou em glissando, que volte a trazer o tempo para tudo, já que o time is money há-de acabar um dia. Já o profetizou o povo quando dizia: «o tempo dá-o Deus de graça!».
Diríamos até que faltam guitarras de mãos suadas, essas que devolvam o silêncio criador, que façam pausas no dia a dia. De tal modo um timbre nosso que pudéssemos reduzir as importações, sobretudo as de ideias que já não estão próprias para consumo. Timbre original pelo qual poderíamos começar a dispensar as citações obrigatórias, o tecido adiposo dos currículos... Mais do que os grandes volumes sonoros, é a guitarra, o gume ao lado do coração, que pode esconjurar o sono hipnótico que Portugal dorme; ser resistência à barbárie plutocrata, ao síndrome da coca-cola... Para que, se não pudermos ser «barões assinalados» sejamos povo assinalado, e, como Agostinho da Silva dizia, além de poetas sejamos o poema!

Lousa, 28 de Feveveiro de 2004
Eduardo Aroso

domingo, novembro 12, 2006

A Paixão da Vida e a Ânsia de Imortalidade em Miguel de Unamuno


Y bien, se me dirá, quál es tu religión? Y yo responderé: mi religión
es buscar la verdad en la vida y la vida en la verdad, aun a
sabiendas de que no he de encotrarlas mientras viva; mi religión es
luchar incesante e inçamablemente com el mistério; mi religión es
luchar com Dios desde el romper dei alba, hasta el caer de Ia noche,
como dicen que com El luchó Jacob.1)
Miguel de Unamuno

Foram várias as obras consultadas no intuito de sentir o sentimento religioso de Unamuno: Mi Religión y otros ensayos breves, Do Sentimento Trágico da Vida (Edição em Português), A Agonia do Cristianismo (Edição em Português) e Niebla (Edição em Castelhano e em Português).
Foi em Niebla, novela publicada pela primeira vez em 1914, dois anos após Del Sentimento Trágico de Ia Vida, que senti mais profundamente o poeta. Muito mais que nos seus textos filosóficos.
Serve este meu comentário o desabafo de um dos seus companheiros de tertúlia, em Portugal, Manuel Laranjeira. Escreveu este, no seu Diário Intimo:
é que você não é filósofo, não é sábio: é artista, apenas artista. Raciocina com a lógica afectiva. 2)
Por sua vez, Unamuno havia de escrever, em 1913, no prefácio ao volume de cartas organizado por Ramiro Mourão, que Laranjeira era um grande pensador, mas era um sentidor maior ainda.
O artista sobrepujava o filósofo, o docente.
Em Niebla, há Augusto Pérez, o protagonista. A partir dele surgirão as personagens cujas vidas se entrelaçam mas nunca colectivamente. As relações que surgem são sempre de solidão para solidão e ajudam a definir um ambiente denso e vago cujo título bem identifica: Névoa.
Esta névoa é dramatizada por elementos, o tempo e a personalidade, do protagonista que desembocam na morte.
Chegamos, no desenrolar da novela, ao capítulo XXXI em que Augusto Pérez vai visitar Unamuno, ou seja, em que o autor da obra é visitado pela personagem principal. Melhor, em que o criador é visitado pela criatura.
Assim, quando uma pessoa, procura razoes para se justificar, não faz em rigor outra coisa senão justificar Deus. E eu sou o Deus destespobres-diabos novelescos. 3)
A personagem busca o seu autor e este comunica-lhe que morrerá em breve:
Chegou a tua hora. Está escrito e não posso voltar atrás. Morrerás.
Criar-me para me deixar morrer! O senhor também morrerá! O que cria cria-se e o que se cria morre. Morrerá o senhor, don Miguel, morrerá o senhor, e morrerão todos os que me pensarem. A morte, pois!
Este supremo esforço de paixão pela vida, de ânsia de imortalidade, deixou extenuado o pobre Augusto. 4)
Miguel de Unamuno, sente necessidade de uma sustentação terrena, e essa sustentação depende do seu Criador. Mas uma vida sem continuidade para além da morte física impossibilitará que Deus deixe de o sonhar, a ele, Unamuno. A realidade humana aparece também como um sonho da Divindade, como uma ficção de ordem supe¬rior, capaz de produzir outras ficções secundárias.
A realidade da personagem é fictícia vista a partir do Homem, mas este é visto a partir de Deus.
No quiero morirme, no, no quiero ni querré quererlo; quiero vivir siempre, siempre, siemprey viviryo, este pobre yo que me soyy me siento ser ahoray aqui grita Unamuno em Del sentimento trágico de Ia vida en los hombresy en los pueblos. 5)
Em Unamuno é constante o pavor, o seu pavor metafísico do Nada.
O Deus de Unamuno, como o de Torga, é apenas suporte e fundamento da existência humana, não é necessidade racional, mas angústia vital, que o leva a querer acreditar em Deus. Ê, antes de tudo, sentir fome de Deus.
Não crer em Deus é uma coisa; resignar-se a que não haja, é outra.
Para Unamuno existir é criar. Unamuno não se revê numa arte que degenere em artifício.
Unamuno vive numa neblina sentimental. É que ele, como já o afirmei, citando Laranjeira, não era filósofo, não era sábio, era artista, raciocinava com a lógica afectiva.
Para Unamuno, a razão não era suficiente para chegar á verdade. Talvez ninguém o tenha compreendido melhor que o português de Espinho, Manuel Laranjeira: Unamuno ainda. Com a violência de quem precisa enganar-se, Unamuno proclama a fé, diz que é preciso ter fé. Compreendo: Unamuno quer ter fé, debate-se, e sente-se homem -sem fé. Raciocinar a fé é duvidar. A fé morreu. Unamuno quer reanimar as cinzas mortas e desvaira porque as cinzas lhe gelam as mãos. A fé não se demonstra, crê-se. E Unamuno quer demonstrar a fé. Eis o seu drama íntimo, Santo Agostinho cria porque era absurdo. Unamuno quer libertar-se da lógica e a lógica destroça-o. Compreendo como deve ser horrível o drama deste homem que grita a imortalidade da sua fé, a indestrutibilidade viva da sua fé, e a sente agonizar no fundo da alma 6) Só na ilusão de Deus é que Deus existe. E o grito de fé de Unamuno é o de um crente que deixou de acreditar, mas necessita de continuar essa ilusão sem fé.
Recorro, uma vez mais, a Laranjeira para reforçar, quanto possível, esta afirmação: Penso em Unamuno e no seu drama íntimo. O grito de fé deste homem faz-me lembrar uma lâmpada que, antes de extinguir-se, despede clarões mais intensos, mais vivos, como a chama agonizante de uma lâmpada, a fé de Unamuno oscila, esvoaça... Quer crer e não pode crer, deseja ter fé e não pode sufocar a dúvida — eis a tragédia 7)
Os textos de Laranjeira são de extrema lucidez. Um grande analista da sociedade e da mentalidade portuguesas, sem que nessa análise se vislumbre qualquer influência de Unamuno. Contudo, o contrário verifica-se, sendo grande a admiração de Unamuno por Laranjeira. Terá sido, estou certo, este sentidor de Espinho o principal responsável pela visão que o poeta salamantino criou de Portugal, de um certo Portugal.
Uma das afinidades entre os dois, residia no permanente conflito entre a fé e a razão, a curiosidade pelo suicídio (a última carta de Laranjeira, escrita antes de se suicidar foi dirigida a Unamuno), a interpretação da alma portuguesa e los abismos tenebrosos dei alma humana.
Frente ao nada aterrador, Unamuno vive completamente: E se é o nada que nos está reservado, façamos então com que isso seja uma injustiça 8)

1) Mi Religión y Otros Ensayos Breves, Coleccion Austral, Madrid, 1986, pág. 10. '' Manuel Laranjeira, Diário íntimo, Edições Vega, Lisboa, pág. 112.
2) Manuel Laranjeira, Diário Íntimo, Edições Veja, Lisboa. Pág.112.
3) Miguel de Unamuno, Névoa, Edições Vega, Lisboa, 2001, pág. 154.
4) Op. «>.,pág. 184.
5) Paulino Garagorri, IntroducciónaMiguelde Unamimo, Alianza Editorial, Madrid, 1986, pág. 54.
6) Manuel Laranjeira, Diário Íntimo, Edições Veja, Lisboa. Pág.113,114.
7) Op.cit., pág.114.
8) Miguel de Unamuno, Do Sentimento Trágico da Vida, Relógio d'Água, 1988

domingo, novembro 05, 2006

CARTA ABERTA A JUVENTUDE DE HOJE*

Não vos venho falar das ideias tradicionais que servem para cobrir a brutalidade da guerra com o falso manto da honra e do heroísmo, nem tão pouco das propostas daqueles que nos gover¬nam e desgovernam, da paz que nos vendem. Não venho, portan¬to, falar de Timor, da Jugoslávia, do Kosovo e da NATO. Deixo para quem tem de direito o privilégio de falar dos truques da política externa, de que o que parece não é.
Não venho falar daquilo que desconheço, a que só os «deuses» do nosso tempo têm acesso.
Venho falar-vos do acto de criar, do acto livre de criar.
Como um dia escreveu Copérnico: Não serve de muito procurar os erros, pois é próprio de um espírito sem vergonha preferir o papel de crítica que censura, à do poeta que cria. Por isso vos digo: - é preciso o Poeta que trazemos escondido, tantas vezes envergonhado, dentro de nós! É preciso criar: é preciso futuro: é preciso que o Homem ame o futuro. Pela arte ou pela fé religiosa, é preciso encontrar alegria no acto de viver.
É pela degradação ou pela vida que a juventude terá de optar. Pela revolta serena, consciente, marcada pelo acto solitário de quem cria e acredita, oposto ao medo, ao conformismo, ao seguidismo - revolta por dentro das palavras.
Há quem diga, com o intuito de fazer parar a juventude dos seus propósitos, que eles também já foram jovens. Pobres cria¬turas!... que ainda não entenderam, nem fizeram esforço para entender a vertiginosa velocidade do nosso tempo para o qual não dão esperança. Defendem instituições em que já não acreditam, não as substituem nem as revitalizam, antes as mantêm cada vez mais fora do nosso tempo, geradoras de infelicidade.
É à juventude que cabe inventar o Futuro para que todos possamos viver mais livres, numa sociedade mais justa e mais fra¬terna.
Destruir a ilusão é destruir a Arte, afirmou Erasmo, príncipe dos humanistas, ao assumir corajosamente ser uma verdadeira consciência criadora, não vivendo pela reprodução e rotina. Foi através de Cristo crucificado que defendeu uma Europa unida, a caminho da perfeição, onde os reis seriam os representantes dessa vontade colectiva.
Erasmo referia-se à guerra condenando-a: E tão cruel que é mais própria de feras de que de homens, é uma insânia que os poetas consideram emitida pelas fúrias... porque os piores bandi¬dos costumam ser os melhores guerreiros.
Falo-vos da juventude de espírito, daqueles que acreditam que a vida não é feita apenas para aceitar e maldizer, mas para contestar e criar.
A grande tarefa da juventude de hoje parece-me ser a da eterna busca do próprio Homem, da sua afirmação individual, em prol da tolerância, de uma sociedade mais verdadeira.
A guerra é inimiga da tolerância, é estúpida e só serve os poderosos.
Ao grito morte à inteligência a que, segundo Torga a estu¬pidez fardada se atreveu na presença de Unamuno, (reitor da Universidade de Salamanca) este recebeu a resposta adequada: Este é o tempo do intelecto de que eu sou o sumo-sacerdote. Sois vós quem profanais os seus paços sagrados. Vencereis, porque possuís força bruta mais do que suficiente. Mas não convencereis, porque para convencer é necessário persuadir. E para persuadir seria necessário possuirdes aquilo de que careceis nesta luta: razão e direito.
Homens como Miguel de Unamuno dão-nos a noção clara da humana miséria que seria a de um dia nos faltar a coragem de defender o maior bem, a nossa liberdade.
Não falemos de heroísmo, falemos de unidade de consciência, de palavras e de actos: de gente capaz de levantar paredes de ilusão, de gente verdadeiramente humana, sincera e corajosa.
Escreveu um dia Jorge de Sena a seus filhos uma carta a propósito de um quadro pintado por Goya, retratando um fuzila¬mento de patriotas espanhóis por militares franceses:
Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso. E possível que ele seja aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo, onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém de nada haver que não seja simples e natural. Um mundo em que tudo seja per¬mitido, conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer, o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto o que vos interessa para viver. Tudo é possível ainda quando lutemos, como devemos lutar, por quanto nos pareça a liberdade e a justiça, ou mais de que qualquer delas, uma fiel dedicação à honra de estar vivo. E mais adiante acrescenta: acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém vale mais do que uma vida ou a alegria de tê-la. (...) acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto não é senão essa alegria que vem de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém está menos vivo ou sofre ou morre para que um só de vós resista um pouco mais à morte que é de todos e virá. Conclui: E, por isso, o mesmo mundo que criemos nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa que não é só nossa, que nos é cedida para guardarmos respeitosamente em memória do sangue que nos corre nas veias, da nossa carne que foi outra, do amor que os ou-tros não amaram porque lho roubaram.
Esta carta de amor e de esperança, este honrar os mortos que a memória desenterra - como nos diz Manuel Alegre - sig¬nifica a possibilidade de ruptura com os nossos próprios condicionamentos.
Deste lugar do Tarrafal partamos, pois, em busca de uma estrela, em busca de uma noite de luar sem medos, sem dogmas e sem grades. Porque o coração da juventude é do tamanho do mundo.
Eu sei que um dia há-de ser o dia. Não o espero, procuro-o. Vou ao seu encontro. Porque, como diz o poeta, estou vivo e escrevo sol.

* Texto publicado em Notícias do Centro, a 2 de Junho de 99
e lido por José Manuel Viegas no Campo de Concentração
do Tarrafal, em Fevereiro de 2000, no encontro de
intelectuais organizado pela SLP, em Cabo Verde.

MANUEL ALEGRE*

SER DE ESQUERDA É SER INCONFORMISTA.
E SER INCONFORMISTA É VIVER E ESCREVER CONTRA A CORRENTE

Poeta, socialista, vice-presidente da Assembleia da República, Manuel Alegre de Melo Duarte é, pela sua coerência ideológica e de vida, uma das principais referências morais do
«País em inho».
A política pode ser definida como ciência ou arte de
governar os povos ou as nações.
A Democracia como forma de sociedade em que a organi¬zação social, a energia do Estado e o poder governativo são dirigidos e fiscalizados pela massa do povo.
Verificando-se hoje um divórcio entre as instituições e os cidadãos não caminharemos para soluções governativas que deixam de fora a participação democrática dos cidadãos?
É hoje evidente a crise de funcionamento do sistema políti¬co em quase todos os países europeus. Crise de confiança e de credibilidade. Desinteresse pela política, divórcio crescente entre instituições e cidadãos. São várias as causas. A principal é talvez aquela de que fala Pascoal Bruckner, no seu livro A melancolia democrática: ausência de alternativas dentro do sistema. A mundialização trouxe consigo a economia única e o pensamento único. Conservadores e sociais-democratas governam pratica mente segundo a mesma lógica. O totalitarismo de Estado foi sub¬stituído pela teologia de mercado. A ditadura dos mercados finan¬ceiros sobrepõe-se aos Estados e aos fundamentos humanistas da nossa sociedade. O capital financeiro desloca-se cada vez mais depressa em busca de mão-de-obra cada vez mais barata. Não há resposta para a desordem económica, o desemprego, a exclusão social. Por isso é necessária uma nova lógica na economia, outra dimensão na política, outra perspectiva que tenha o homem como razão de ser. No nosso caso, a construção de uma Europa democrática, humanista e social em contraposição a uma Europa tecnocrata e ultra-financeira, por cima dos direitos sociais que são conquistas da civilização.
Se não se criar, dentro do sistema, uma alternativa de governo, os excluídos voltar-se-ão contra o próprio sistema. O ter¬reno ficará aberto ao populismo, à xenofobia, a todos os Lê Pen que por aí pululam. Por isso é necessária uma alternativa dentro da democracia. Que a esquerda não se limite a gerir o que está e volte a assumir uma perspectiva de transformação da sociedade. Não vejo outra forma de reabilitar a política.
Está na moda dizer-se que não há diferença entre a DIREITA e ESQUERDA. Jacques Julliard sustenta que as crises do capitalismo e do comunismo não são crises que se possam igualar ou confundir, sendo duas crises distintas. Está de acordo com estas afirmações?
Quem diz que não há diferença entre a esquerda e a direita é porque já saiu da esquerda ou nunca saiu da direita. A pretensa morte das ideologias é em si mesma uma ideologia.
Estou mais ou menos de acordo com o que diz Jacques Julliard. A crise actual, que é também uma crise de civilização, resulta de duas crises que ocorreram simultaneamente e estão interligadas: a falência do modelo comunista soviético e a crise estrutural do neo-liberalismo, fruto da supremacia do capitalismo à escala mundial. São crises distintas. Mas a tentativa de impor o modelo ultra-liberal a todo o planeta, para além das fracturas so¬ciais que já está a provocar, com a criação de sociedades dualistas e os seu cortejo de novas e grandes desigualdades, pode gerar graves crises políticas, susceptíveis de porem em causa a própria democracia.
A divinização do mercado é uma nova forma de totalitaris¬mo. Reabilitar a política é também reabilitar o Estado, que é o único e grande instrumento da esquerda para corrigir os desequi¬líbrios e as desigualdades sociais.
Há quem o veja como um aristocrata da política. Alguém que não sacrifica o respeito pela palavra dada ao ime-diatismo politiqueiro de hoje. Há, aliás nessa postura, a dimensão do poeta, poeta que Torga definia como sendo Um grande soberano/ No triste destino/ de ser um monstro humano/
por direito divino. E assim que se sente?
A minha amiga Sophia de Mello Breyner fez a mais bela definição de socialismo que conheço: uma aristocracia para todos. Estou de acordo. Mas não me vejo, pese embora a grandeza dos versos de Torga, nem como «soberano», nem como o que quer que seja «por direito divino». Sou um poeta emprestado à políti¬ca. Ou, como também já disse: um poeta que faz política por razões poéticas e não um político que faz poesia por razões políti¬cas.
É o poeta ou o político que afirma faltar hoje à política, paixão, convicção, militância, sonho...?
Não é preciso ser poeta para constatar que falta um pouco de tudo isso à política. A muitos políticos, não a todos. Ainda há quem tenha convicções, paixão e sonho.
Tenho a impressão que o Manuel Alegre se sente no P.S. como um exilado dentro da sua própria Pátria.
Holderlin considerava-se um exilado da casa do Ser. Seprun disse que toda a literatura nasce do sentimento de se ser estrangeiro no mundo. Nesse sentido, talvez o poeta seja sempre um exilado. Ou um clandestino. Porque, como disse o meu amigo Herberto Helder, «a poesia é uma clandestinidade na ditadura do mundo.» Posto isto, eu não me sinto um exilado dentro do meu próprio partido. É certo que os partidos políticos, indispensáveis à democracia, são simultaneamente instrumentos de liberdade e fonte de autoritarismos vários. Uma pessoa como eu talvez sinta mais agudamente essa contradição. Não cedo a nenhuma forma de autoritarismo em nome de pseudo-interesses partidários que, a maior parte das vezes, não são senão álibis para as várias formas de poder pessoal, de grupo ou de facção. Sinto-me bem com as bases e com o povo que vota. A nomenclatura incomoda-me. E eu tambáem a incomodo. Não temos nada em comum. Há, aliás, uma coisa curiosa: todos dizem que sou uma referência do PS. Mas depois parece que essa referência os atrapalha. Acresce que me dá vontade de rir ver inimigos jurados do PS, na fase da sua conso¬lidação do país, arvorarem-se hoje em juizes daqueles que, com Mário Soares e Salgado Zenha, construíram o Partido Socialista e salvaram a democracia portuguesa. Lembro-me de um que, no dia 11 de Março de 1975, apareceu na televisão a dizer o golpe falhou, o PS disfarçou. Hoje é ministro.
Ser socialista é um estado de espírito? A frase é do Saramago. E eu estou de acordo. Ser socialista hoje é sobretudo um estado de espírito. É-se socialista porque sim. Porque não se pode deixar de ser. Por temperamento, por impul¬so. Diria mesmo: por feitio.
Como é que é o PODER por dentro? Chato. Com uma lógica quase inevitável a da auto-justifi-cação. E também da auto-perpetuação. O poder procura sempre relegitimar-se e perpetuar-se. E cai quase sempre nessa lógica: a do poder como fim principal e único de si mesmo. Onde moram os valores, os princípios?
Em cada pessoa que os tem.
O Manuel Alegre busca os valores através da magia da palavra; pelo exercício da lembrança atraiçoada, sendo poeta na escrita e na vida, habitando os lugares onde a poesia vive -«Alma», «Alentejo», «Che.»...
O poeta, dizia Dante, é um fabbro, um artífice da palavra. Mas também um mago. Um descendente directo do xamã e dos feiticeiros que nas sociedades primitivas procuravam, através da repetição rítmica de palavras mágicas, exorcizar as forças maléfi¬cas e convocar as forças benfazejas. Penso, aliás, que a poesia é isso mesmo: uma vivência mágica, uma relação mágica com o mundo através da revelação da palavra poética.
O seu livro recentemenete publicado, «Contra a Corrente», colectânea de intervenções políticas, surge como repositório de uma vivência à esquerda, pela cultura.
Constato, no entanto, que a grande maioria dos seus leitores, também eles, estão «contra a corrente», tendo-o a si como referência tipo: Um dos últimos socialistas-idealistas do RS.
Ser de esquerda é ser inconformista. E ser inconformista é viver e escrever contra a corrente. O meu amigo Fernando Assis Pacheco escreveu: «indignar-me é o meu signo diário.» Esse é também o meu signo: não perder a capacidade de indignação. Incomodar-me e incomodar.
Esta ressurreição de Che Guevara massificado não indi¬cia o fim ideológico do próprio Che? Não estará para aconte¬cer a sua segunda morte? Não estaremos a assistir ao esvazia¬mento poético e ideológico que Che ainda possui?
A vida e a figura de Che são uma forma de poesia e beleza. Aquele seu célebre retraio desperta em nós o outro lado de nós mesmos, um outro sentido, a vontade de partir para uma demanda ou uma guerrilha contra a injustiça e a opressão. Por isso não é possível recuperar nem esvaziar o Che. Mais do que o projecto ou a estratégia, necessariamente contingentes, ele representa sobretu¬do o desprendimento, o desprezo pelo poder, a insubmissão, a rebeldia. E o mais terrível de todos os dons: o dom de si.
Aos 60 anos, Manuel Alegre está cansado de um País em inho - que não é possível suportar tanta mentira/tanta gente de esquerda a viver à direita.
E agora?
Esse poema, embora pouca gente o saiba, foi escrito há muitos anos, ainda em Argel, embora só tenha sido publicado muito mais tarde, em «Atlântico». Suscita sempre grande entusi¬asmo quando é lido pelo José Manuel Mendes, pelo Vasco Pereira da Costa, pelo Carranca. As pessoa julgam que foi escrito agora para agora. E isso é que é terrível.
Fundador do Partido Socialista, republicano, comba¬tente anti-salazarista, o médico de Arganil, Fernando Valle é, estou certo, a grande referência de Manuel Alegre.
Fernando Valle é a minha principal referência cívica. De certo modo tomou na minha vida o lugar de Avô materno, com o qual ainda conspirou. Estar com ele inspira-me e tranquiliza-me. Aprende-se sempre algo de novo. É uma força da natureza, um homem de uma grande e extraordinária sabedoria. Uma pessoa de uma grande beleza, física e de alma. Podia ter sido tudo. Não quis ser senão o que é: ele próprio, um mestre de vida, de fraternidade e de civismo. Apesar de estar quase a chegar aos cem anos, con¬serva uma impressionante frescura de espírito, uma curiosidade permanente, uma incomparável vitalidade. Já reparou como a pele se mantém jovem? É um homem sem rugas. Não as tem por fora nem por dentro. Fernando Valle é um milagre.

(...) Resistir é possível Pela
presença lúcida É possível
começar de novo

Porque ainda há Fernando Valle
Algures em Coimbra ou Arganil
Há ainda um velho capitão do povo

Com ele é sempre Portugal e
é sempre Abril

* Artes & Artes, Outubro, 97

MANUEL ALEGRE NA PRAÇA DA CANÇÃO*

Na rua de Montarroio a casa, virada sobre o velho mercado da cidade, era da minha janela o observatório sobre o mundo.
A velha Alta...
O casario erguia-se a meus olhos, inalcançável, ideal.
Era o ano de 1966.
Meu pai, republicano sem República, do alto do seu cachim¬bo, trazia-me da rua vozes novas - o Zeca, o Adriano.
Era o tempo da Briosa - A Académica entrava em campo a monte, às vezes de capa traçada(...) Académica! (...) Ainda hoje, se o digo alto, me comovo. Porque era mais que uma palavra, era uma senha, um código, que pouco apouco passou a ter para mim um sentido mágico.
Meu pai dizia-me: Esta é a canção do nosso tempo! E eu ouvia a voz que da velha casa da rua de Montarroio quebrava a vidraça dos nossos silêncios e nos chamava, romântica. Era o Zeca, melhor, o Dr. José Afonso.
A voz, aos poucos, crescia-me e conduzia-me às grandes causas (como esse tempo era o nosso tempo!).
Decorava os versos Senhor Poeta, vamos dançar...
O tempo era o da luta.
Meu pai dizia-me: Agora é que vai ser! Os estudantes decretaram luto académico.

Os versos, carregados de flores, desciam à Baixa e inun¬davam as ruas Que mil flores floresçam...
- Olha o Manuel da Quinta, o Júlio, o Portugal!
- O Alberto Martins foi levado para a P/DE/
- Cheira-me a Sachetti.
A malta gritava em uníssono. O tempo era já o de falar alto!
O Torga, do Largo da Portagem, alertava: Viver a vida sem
o consentimento dos outros, principalmente quando eles, a todo o
custo no-lo queiram dar.
Paulo Quintela descia as escadas do jardim da Associação Académica e a Assembleia Magna dos Estudantes rejubilava. Era o tempo exactamente em cima do nosso tempo. Na Diligência cantava-se Os Vampiros. Mesmo ali ao lado, na Democrática, bebia-se o vinho da amizade. Em África, morria-se: Já lá vai Pedro Soldadol num barco da nossa armada/ e leva o nome bordado! num saco cheio
de nada, cantava o Adriano.
As baladas cantavam a liberdade, a Trova do Vento Que
Passa, Capa Negra, Rosa Negra.
O Bernardino era outra voz CL crescer no tempo em que
cantar não (era) talvez suficiente.
A Académica entrava, de branco, nos estádios. Era a hora do luto, que o negro era a festa e a gente não cedia.
Era o poema a meter-se nos anúncios das cidades e a ser microfone - uma noite destas, de repente, às três e tal.
Meu pai sempre me havia dito: o poema é uma arma! Os ouvidos enchiam-se de versos. A Praça da Canção era em Coimbra, a da República. Ouviam-se as guitarras - guitarras do meu país.

*Texto lido a 31 de Janeiro de 1996, nas comemo rações dos 30 anos da Praça da Canção na Universidade Lusófona e publicado no Jornal de Coimbra,a 7 de Fevereiro.