domingo, novembro 12, 2006

A Paixão da Vida e a Ânsia de Imortalidade em Miguel de Unamuno


Y bien, se me dirá, quál es tu religión? Y yo responderé: mi religión
es buscar la verdad en la vida y la vida en la verdad, aun a
sabiendas de que no he de encotrarlas mientras viva; mi religión es
luchar incesante e inçamablemente com el mistério; mi religión es
luchar com Dios desde el romper dei alba, hasta el caer de Ia noche,
como dicen que com El luchó Jacob.1)
Miguel de Unamuno

Foram várias as obras consultadas no intuito de sentir o sentimento religioso de Unamuno: Mi Religión y otros ensayos breves, Do Sentimento Trágico da Vida (Edição em Português), A Agonia do Cristianismo (Edição em Português) e Niebla (Edição em Castelhano e em Português).
Foi em Niebla, novela publicada pela primeira vez em 1914, dois anos após Del Sentimento Trágico de Ia Vida, que senti mais profundamente o poeta. Muito mais que nos seus textos filosóficos.
Serve este meu comentário o desabafo de um dos seus companheiros de tertúlia, em Portugal, Manuel Laranjeira. Escreveu este, no seu Diário Intimo:
é que você não é filósofo, não é sábio: é artista, apenas artista. Raciocina com a lógica afectiva. 2)
Por sua vez, Unamuno havia de escrever, em 1913, no prefácio ao volume de cartas organizado por Ramiro Mourão, que Laranjeira era um grande pensador, mas era um sentidor maior ainda.
O artista sobrepujava o filósofo, o docente.
Em Niebla, há Augusto Pérez, o protagonista. A partir dele surgirão as personagens cujas vidas se entrelaçam mas nunca colectivamente. As relações que surgem são sempre de solidão para solidão e ajudam a definir um ambiente denso e vago cujo título bem identifica: Névoa.
Esta névoa é dramatizada por elementos, o tempo e a personalidade, do protagonista que desembocam na morte.
Chegamos, no desenrolar da novela, ao capítulo XXXI em que Augusto Pérez vai visitar Unamuno, ou seja, em que o autor da obra é visitado pela personagem principal. Melhor, em que o criador é visitado pela criatura.
Assim, quando uma pessoa, procura razoes para se justificar, não faz em rigor outra coisa senão justificar Deus. E eu sou o Deus destespobres-diabos novelescos. 3)
A personagem busca o seu autor e este comunica-lhe que morrerá em breve:
Chegou a tua hora. Está escrito e não posso voltar atrás. Morrerás.
Criar-me para me deixar morrer! O senhor também morrerá! O que cria cria-se e o que se cria morre. Morrerá o senhor, don Miguel, morrerá o senhor, e morrerão todos os que me pensarem. A morte, pois!
Este supremo esforço de paixão pela vida, de ânsia de imortalidade, deixou extenuado o pobre Augusto. 4)
Miguel de Unamuno, sente necessidade de uma sustentação terrena, e essa sustentação depende do seu Criador. Mas uma vida sem continuidade para além da morte física impossibilitará que Deus deixe de o sonhar, a ele, Unamuno. A realidade humana aparece também como um sonho da Divindade, como uma ficção de ordem supe¬rior, capaz de produzir outras ficções secundárias.
A realidade da personagem é fictícia vista a partir do Homem, mas este é visto a partir de Deus.
No quiero morirme, no, no quiero ni querré quererlo; quiero vivir siempre, siempre, siemprey viviryo, este pobre yo que me soyy me siento ser ahoray aqui grita Unamuno em Del sentimento trágico de Ia vida en los hombresy en los pueblos. 5)
Em Unamuno é constante o pavor, o seu pavor metafísico do Nada.
O Deus de Unamuno, como o de Torga, é apenas suporte e fundamento da existência humana, não é necessidade racional, mas angústia vital, que o leva a querer acreditar em Deus. Ê, antes de tudo, sentir fome de Deus.
Não crer em Deus é uma coisa; resignar-se a que não haja, é outra.
Para Unamuno existir é criar. Unamuno não se revê numa arte que degenere em artifício.
Unamuno vive numa neblina sentimental. É que ele, como já o afirmei, citando Laranjeira, não era filósofo, não era sábio, era artista, raciocinava com a lógica afectiva.
Para Unamuno, a razão não era suficiente para chegar á verdade. Talvez ninguém o tenha compreendido melhor que o português de Espinho, Manuel Laranjeira: Unamuno ainda. Com a violência de quem precisa enganar-se, Unamuno proclama a fé, diz que é preciso ter fé. Compreendo: Unamuno quer ter fé, debate-se, e sente-se homem -sem fé. Raciocinar a fé é duvidar. A fé morreu. Unamuno quer reanimar as cinzas mortas e desvaira porque as cinzas lhe gelam as mãos. A fé não se demonstra, crê-se. E Unamuno quer demonstrar a fé. Eis o seu drama íntimo, Santo Agostinho cria porque era absurdo. Unamuno quer libertar-se da lógica e a lógica destroça-o. Compreendo como deve ser horrível o drama deste homem que grita a imortalidade da sua fé, a indestrutibilidade viva da sua fé, e a sente agonizar no fundo da alma 6) Só na ilusão de Deus é que Deus existe. E o grito de fé de Unamuno é o de um crente que deixou de acreditar, mas necessita de continuar essa ilusão sem fé.
Recorro, uma vez mais, a Laranjeira para reforçar, quanto possível, esta afirmação: Penso em Unamuno e no seu drama íntimo. O grito de fé deste homem faz-me lembrar uma lâmpada que, antes de extinguir-se, despede clarões mais intensos, mais vivos, como a chama agonizante de uma lâmpada, a fé de Unamuno oscila, esvoaça... Quer crer e não pode crer, deseja ter fé e não pode sufocar a dúvida — eis a tragédia 7)
Os textos de Laranjeira são de extrema lucidez. Um grande analista da sociedade e da mentalidade portuguesas, sem que nessa análise se vislumbre qualquer influência de Unamuno. Contudo, o contrário verifica-se, sendo grande a admiração de Unamuno por Laranjeira. Terá sido, estou certo, este sentidor de Espinho o principal responsável pela visão que o poeta salamantino criou de Portugal, de um certo Portugal.
Uma das afinidades entre os dois, residia no permanente conflito entre a fé e a razão, a curiosidade pelo suicídio (a última carta de Laranjeira, escrita antes de se suicidar foi dirigida a Unamuno), a interpretação da alma portuguesa e los abismos tenebrosos dei alma humana.
Frente ao nada aterrador, Unamuno vive completamente: E se é o nada que nos está reservado, façamos então com que isso seja uma injustiça 8)

1) Mi Religión y Otros Ensayos Breves, Coleccion Austral, Madrid, 1986, pág. 10. '' Manuel Laranjeira, Diário íntimo, Edições Vega, Lisboa, pág. 112.
2) Manuel Laranjeira, Diário Íntimo, Edições Veja, Lisboa. Pág.112.
3) Miguel de Unamuno, Névoa, Edições Vega, Lisboa, 2001, pág. 154.
4) Op. «>.,pág. 184.
5) Paulino Garagorri, IntroducciónaMiguelde Unamimo, Alianza Editorial, Madrid, 1986, pág. 54.
6) Manuel Laranjeira, Diário Íntimo, Edições Veja, Lisboa. Pág.113,114.
7) Op.cit., pág.114.
8) Miguel de Unamuno, Do Sentimento Trágico da Vida, Relógio d'Água, 1988