Teixeira de Pascoaes
Falar de Teixeira de Pascoaes é falar do saber fundo da infância radicado nas primeiras experiências, todo intuição.
O cenário bucólico, montanhês, levou-o a uma inquietação religiosa e intemporal, a uma vivência panteísta onde as pedras, as árvores, tudo está impregnado do espírito de Deus - «o verdadeiro sentimento poético é sempre religioso, porque transcende a realidade sem a desnaturar».
O real materializa-se em imagens, e a Saudade vai adquirindo formas, ainda que imprecisas, de «regresso ao paraíso», na busca de uma vivência infantil, de uma idade de ouro.
Tudo é e não é ao mesmo tempo. «O próprio Deus é porque não existe».
Na obra de Pascoaes confraternizam os elementos bíblicos e mitológicos e a sua escrita obedece a forças que se encontram para além da sua consciência.
É um mago de olhos de espírito, abertos aos mistérios da vida.
Enamorado do passado (Mãe) que sublimou, projecta-o para além do Futuro (Saudade).
A prevalência de um imago materno bom, será fonte de felicidade e angústia. Felicidade que encontra ao rememorar; angústia na perspectivação do Futuro.
Dizem os livros de psicanálise que quem não consegue atingir o acto cai no Eu Ideal - o Fantasma. Ora Pascoaes vai tentar atingi-lo, mas as portas que vai abrindo, outras se sucedem, ou são falsas, pois mais não são do que produtos da sua imaginação fértil.
Pascoaes percorre o tempo agindo sem o modificar. A realidade que vê não é acessível aos outros, e assim se perdeu dentro de si como de um poço onde a imaginação se renova.
Tudo para o Poeta era afectivo. A sua relação com as coisas, longe de uma aprendizagem cognitiva, manter-se-á pela vida fora, afectiva. Não é estranho, pois, assistirmos à evocação de mundos de arquétipos criados pela sua imaginação.
A criança continuou, vida fora. Não saiu de um tempo mágico, de um pensamento mágico, cheio de velhas estórias de bruxas, almas do outro mundo, de fantasmas que o Poeta sublimará. E quando, já velho, procura descanso, é junto de uma criança em plena idade mágica que o conseguirá - a sempre eterna idade de Teixeira de Pascoaes.
Contemporâneo de Einstein, de Freud, de Heidegger, de Pavlov, diria que «as formas objectivas do universo ninguém as vê».
Todo o seu percurso poético é de regresso ao Paraíso de onde nunca saiu, o Paraíso Perdido da infância.
Sua mãe, presença eterna até à morte, fonte do seu mundo, será o seu fantasma de carne e osso, a presença do Passado a que o Poeta descerá como um mineiro da alma.
Em A Minha Cartilha, pequeno livro publicado urn ano antes cia sua morte, dirá:
«O homem, como criador é anarquista, exige a liberdade de criar; corno criatura é comunista e sujeita-se ao estabelecido. Os corpos são irmãos; as almas não... Há o trabalho criador e o trabalho conservador, o que produz o pão espiritual, e o que produz o pão material - o que se vende nas Livrarias e o que se vende nas padarias: duas palavras que rimam, e, nesta rima, se irmanaram musicalmente, como também os irmana o serem ambos alimentos. E, por isso, cantei na minha mocidade.
«A pena é irmã da enchada,
A página dum livro é terra semeada».
A sua actividade poético-filosófica levá-lo-ia a gritar:
«Vivamos, enfim no: Faça-se a Luz! e no: Amai-vos uns aos outros! Faça-se a luz é o grito dos anarquistas. Amai-vos uns aos outros é o dos comunistas» (A Minha Cartilha).
Para o inconsciente humano a Natureza é comparada à Mãe e Pascoaes vai criar, pela imaginação, essa Eva Futura, dando voz às correntes inconscientes da alma colectiva - a Saudade.
«Salvemo-nos em esperança ou em lembrança, que a lembrança também incide sobre o futuro na poesia camoniana. E o que é a lembrança incindindo sobre o passado e o futuro? E a alma lusíada, a Saudade».
Lisboa, 19-V-91
In O Fantasma de Pascoaes, Universitária Editora, 2ed., 1997.
Falar de Teixeira de Pascoaes é falar do saber fundo da infância radicado nas primeiras experiências, todo intuição.
O cenário bucólico, montanhês, levou-o a uma inquietação religiosa e intemporal, a uma vivência panteísta onde as pedras, as árvores, tudo está impregnado do espírito de Deus - «o verdadeiro sentimento poético é sempre religioso, porque transcende a realidade sem a desnaturar».
O real materializa-se em imagens, e a Saudade vai adquirindo formas, ainda que imprecisas, de «regresso ao paraíso», na busca de uma vivência infantil, de uma idade de ouro.
Tudo é e não é ao mesmo tempo. «O próprio Deus é porque não existe».
Na obra de Pascoaes confraternizam os elementos bíblicos e mitológicos e a sua escrita obedece a forças que se encontram para além da sua consciência.
É um mago de olhos de espírito, abertos aos mistérios da vida.
Enamorado do passado (Mãe) que sublimou, projecta-o para além do Futuro (Saudade).
A prevalência de um imago materno bom, será fonte de felicidade e angústia. Felicidade que encontra ao rememorar; angústia na perspectivação do Futuro.
Dizem os livros de psicanálise que quem não consegue atingir o acto cai no Eu Ideal - o Fantasma. Ora Pascoaes vai tentar atingi-lo, mas as portas que vai abrindo, outras se sucedem, ou são falsas, pois mais não são do que produtos da sua imaginação fértil.
Pascoaes percorre o tempo agindo sem o modificar. A realidade que vê não é acessível aos outros, e assim se perdeu dentro de si como de um poço onde a imaginação se renova.
Tudo para o Poeta era afectivo. A sua relação com as coisas, longe de uma aprendizagem cognitiva, manter-se-á pela vida fora, afectiva. Não é estranho, pois, assistirmos à evocação de mundos de arquétipos criados pela sua imaginação.
A criança continuou, vida fora. Não saiu de um tempo mágico, de um pensamento mágico, cheio de velhas estórias de bruxas, almas do outro mundo, de fantasmas que o Poeta sublimará. E quando, já velho, procura descanso, é junto de uma criança em plena idade mágica que o conseguirá - a sempre eterna idade de Teixeira de Pascoaes.
Contemporâneo de Einstein, de Freud, de Heidegger, de Pavlov, diria que «as formas objectivas do universo ninguém as vê».
Todo o seu percurso poético é de regresso ao Paraíso de onde nunca saiu, o Paraíso Perdido da infância.
Sua mãe, presença eterna até à morte, fonte do seu mundo, será o seu fantasma de carne e osso, a presença do Passado a que o Poeta descerá como um mineiro da alma.
Em A Minha Cartilha, pequeno livro publicado urn ano antes cia sua morte, dirá:
«O homem, como criador é anarquista, exige a liberdade de criar; corno criatura é comunista e sujeita-se ao estabelecido. Os corpos são irmãos; as almas não... Há o trabalho criador e o trabalho conservador, o que produz o pão espiritual, e o que produz o pão material - o que se vende nas Livrarias e o que se vende nas padarias: duas palavras que rimam, e, nesta rima, se irmanaram musicalmente, como também os irmana o serem ambos alimentos. E, por isso, cantei na minha mocidade.
«A pena é irmã da enchada,
A página dum livro é terra semeada».
A sua actividade poético-filosófica levá-lo-ia a gritar:
«Vivamos, enfim no: Faça-se a Luz! e no: Amai-vos uns aos outros! Faça-se a luz é o grito dos anarquistas. Amai-vos uns aos outros é o dos comunistas» (A Minha Cartilha).
Para o inconsciente humano a Natureza é comparada à Mãe e Pascoaes vai criar, pela imaginação, essa Eva Futura, dando voz às correntes inconscientes da alma colectiva - a Saudade.
«Salvemo-nos em esperança ou em lembrança, que a lembrança também incide sobre o futuro na poesia camoniana. E o que é a lembrança incindindo sobre o passado e o futuro? E a alma lusíada, a Saudade».
Lisboa, 19-V-91
In O Fantasma de Pascoaes, Universitária Editora, 2ed., 1997.
1 Comments:
Recentemente ouvi falar de Pascoaes e desde então sorrio quando ouço a palavra "saudade", tão portuguesa e tão temida por todos!! É delicioso falar em futuro e associar esse mesmo futuro à saudade, aquilo que eu gostaria que voltasse a acontecer ainda que num tempo, num espaço e contexto diferente.. Obrigada pela leitura que me proporcionou neste lugar sem portas...
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