A Rendição da Académica
Por isto não prescindo de sonhar
Convosco outro jogo outra harmonia."
Excerto do poema — "Académica" de C. Carranca
Por esse país fora, sempre que se fala da Académica, há os que dizem "é o meu segundo clube". Outros fazem referência ao seu património e todos, ou quase todos, manifestam simpatia pelo emblema que marcou a diferença no futebol português.
O valor da Académica, a sua riqueza, estava toda ela nas diferenças de comportamento cívico e desportivo e na sua dimen¬são formadora.
Num texto intitulado A Académica já não existe, publicado a 2 de Outubro de 2004, no Diário de Coimbra, e que pela primeira vez trouxe à discussão a problemática da venda dos princípios da Académica — porque hoje o que está em causa é a rendição total aos mercadores de atletas futebolistas — afirmei que a Briosa hoje, "sem chama, sem estudantes, sem futuro, mas com muitos empresários, é do futebol que há: rompeu com a memória."
É sabido que a Académica, ao longo dos tempos, criou uma maneira própria, original, de estar no futebol, que contraria em absoluto este dirigismo sem escrúpulos que marca a realidade nacional.
Levado pela realidade que a nossos olhos se agiganta, repito o que afirmei a 26 de Novembro de 2004, no mesmo jornal, num texto intitulado Académica — a poética do futebol: "O conformismo das massas que se resignam é a imagem da perfeição do futebol — espectáculo que nos vai condu¬zindo para um beco sem saída, onde a ine-vitabilidade das leis de mercado, qual fim da História, nega o futuro como horizonte móvel".
É ancorado na matriz ideológica da Briosa — o futebol como elemento transformador do homem (individual) e da sociedade — que, sem equívocos, manifesto a minha oposição à actual política da Direcção do OAF, que gizou, finalmente, um acordo com a Direcção Geral da AAC, apadrinhado pela Reitoria, e que parecendo de reconciliação com os princípios serve os seus contrários.
Não basta dizer que se está com os estudantes, mesmo quando se obtém o apadrinhamento do Reitor da Universidade de Coimbra.
Os que andam por cá há décadas e têm seguido a Briosa, sabem que o acordo é de rendição da Académica.
Não me parece muito lógico que a direc¬ção dos estudantes aceite contrapartidas hoje que não foram honradas ontem pelo mesmo parceiro. Acrescentando-se que outros factores concorreriam para que, por enquanto, esse entendimento não fosse selado, por muito benéfico que seja.
Tudo leva a crer que o milagre de uma pereira dar uvas não se realize.
Na edição do jornal "A Bola" de 19 de Julho, as conclusões expressas quanto à política de contratações da Académica são claras: "Depois de resistir durante anos à tendência do mercado, a Académica rendeu-se" — que é como quem diz, vendeu-se à lei dos mercadores.
Não descortino na Académica dos empresários e afins, um fio condutor que nos ligue com verdade aos valores do passado projectando-os num futuro que se quer cada vez mais exigente.
A lógica da política e o vírus do negócio arrastaram, tragicamente, o futebol da Académica para o futebol da moda — sem ideias, sem substância, sem coesão.
Com este acordo assinado pelas Académicas, o OAF pretende capitalizar o património moral dos estudantes, a sua força anímica. É pena que a DG se tenha deixado convencer neste negócio. Uma fez bem, outra fez mal.
Este acordo será — o tempo assim o dirá —, um fracasso histórico.
Volto ao que escrevi em Dezembro de 2004, no DG. "Esta gestão do futebol que se pratica traz a marca do capitalismo selvagem que nada tem a ver com o património da Académica." Tenham os jovens sócios e simpatizantes a certeza de que hoje a Aca¬démica em que os vossos pais e avós acreditaram, pela qual gritaram, decorando os nomes dos jogadores, convivendo com eles nos estudos e nas tertúlias, já não existe.
O Presidente do OAF poderá até conse¬guir resultados para a sua empresa, mas será sempre o gestor de uma equipa de futebol de brasileiros, argentinos, colombianos, se-negaleses e turcos que nunca estarão na Académica ao abrigo do Projecto Erasmus, mas única e exclusivamente estarão para ga¬nhar muito dinheiro utilizando-a como placa giratória para mais altos voos, ou como terminus de carreira — nunca serão da Académica pela simples razão que ela deixou de existir.
Num artigo publicado no Jornal de Notícias deste ano e intitulado "Briosa, Académica e a publicidade enganosa", o ar¬ticulista referia: "Na verdade, nos últimos anos temos assistido a uma degradação ga-lopante das suas especificidades e singulari¬dades e mais dia menos dia, a continuar assim, assistiremos ao enterro da sua alma."
O Prof. Manuel Sérgio, meu ilustre cole¬ga na Universidade Lusófona nos anos 96/97, afirmou ao "Centro" de 7 de Junho, em entrevista a Mário Martins, que "A Académica já foi um clube com alma". Todos sabemos que dado o estado actual do futebol e do mundo, tudo se vende, até a alma. Resta-me a ténue esperança que no acordo das Académicas não se tenha repeti¬do o episódio bíblico do prato de lentilhas.
Carlos Carranca
Sócio n.° 704
Retirado do jornal Centro, ano I, nº9, II série, de 2 de Agosto de 2006.
Por isto não prescindo de sonhar
Convosco outro jogo outra harmonia."
Excerto do poema — "Académica" de C. Carranca
Por esse país fora, sempre que se fala da Académica, há os que dizem "é o meu segundo clube". Outros fazem referência ao seu património e todos, ou quase todos, manifestam simpatia pelo emblema que marcou a diferença no futebol português.
O valor da Académica, a sua riqueza, estava toda ela nas diferenças de comportamento cívico e desportivo e na sua dimen¬são formadora.
Num texto intitulado A Académica já não existe, publicado a 2 de Outubro de 2004, no Diário de Coimbra, e que pela primeira vez trouxe à discussão a problemática da venda dos princípios da Académica — porque hoje o que está em causa é a rendição total aos mercadores de atletas futebolistas — afirmei que a Briosa hoje, "sem chama, sem estudantes, sem futuro, mas com muitos empresários, é do futebol que há: rompeu com a memória."
É sabido que a Académica, ao longo dos tempos, criou uma maneira própria, original, de estar no futebol, que contraria em absoluto este dirigismo sem escrúpulos que marca a realidade nacional.
Levado pela realidade que a nossos olhos se agiganta, repito o que afirmei a 26 de Novembro de 2004, no mesmo jornal, num texto intitulado Académica — a poética do futebol: "O conformismo das massas que se resignam é a imagem da perfeição do futebol — espectáculo que nos vai condu¬zindo para um beco sem saída, onde a ine-vitabilidade das leis de mercado, qual fim da História, nega o futuro como horizonte móvel".
É ancorado na matriz ideológica da Briosa — o futebol como elemento transformador do homem (individual) e da sociedade — que, sem equívocos, manifesto a minha oposição à actual política da Direcção do OAF, que gizou, finalmente, um acordo com a Direcção Geral da AAC, apadrinhado pela Reitoria, e que parecendo de reconciliação com os princípios serve os seus contrários.
Não basta dizer que se está com os estudantes, mesmo quando se obtém o apadrinhamento do Reitor da Universidade de Coimbra.
Os que andam por cá há décadas e têm seguido a Briosa, sabem que o acordo é de rendição da Académica.
Não me parece muito lógico que a direc¬ção dos estudantes aceite contrapartidas hoje que não foram honradas ontem pelo mesmo parceiro. Acrescentando-se que outros factores concorreriam para que, por enquanto, esse entendimento não fosse selado, por muito benéfico que seja.
Tudo leva a crer que o milagre de uma pereira dar uvas não se realize.
Na edição do jornal "A Bola" de 19 de Julho, as conclusões expressas quanto à política de contratações da Académica são claras: "Depois de resistir durante anos à tendência do mercado, a Académica rendeu-se" — que é como quem diz, vendeu-se à lei dos mercadores.
Não descortino na Académica dos empresários e afins, um fio condutor que nos ligue com verdade aos valores do passado projectando-os num futuro que se quer cada vez mais exigente.
A lógica da política e o vírus do negócio arrastaram, tragicamente, o futebol da Académica para o futebol da moda — sem ideias, sem substância, sem coesão.
Com este acordo assinado pelas Académicas, o OAF pretende capitalizar o património moral dos estudantes, a sua força anímica. É pena que a DG se tenha deixado convencer neste negócio. Uma fez bem, outra fez mal.
Este acordo será — o tempo assim o dirá —, um fracasso histórico.
Volto ao que escrevi em Dezembro de 2004, no DG. "Esta gestão do futebol que se pratica traz a marca do capitalismo selvagem que nada tem a ver com o património da Académica." Tenham os jovens sócios e simpatizantes a certeza de que hoje a Aca¬démica em que os vossos pais e avós acreditaram, pela qual gritaram, decorando os nomes dos jogadores, convivendo com eles nos estudos e nas tertúlias, já não existe.
O Presidente do OAF poderá até conse¬guir resultados para a sua empresa, mas será sempre o gestor de uma equipa de futebol de brasileiros, argentinos, colombianos, se-negaleses e turcos que nunca estarão na Académica ao abrigo do Projecto Erasmus, mas única e exclusivamente estarão para ga¬nhar muito dinheiro utilizando-a como placa giratória para mais altos voos, ou como terminus de carreira — nunca serão da Académica pela simples razão que ela deixou de existir.
Num artigo publicado no Jornal de Notícias deste ano e intitulado "Briosa, Académica e a publicidade enganosa", o ar¬ticulista referia: "Na verdade, nos últimos anos temos assistido a uma degradação ga-lopante das suas especificidades e singulari¬dades e mais dia menos dia, a continuar assim, assistiremos ao enterro da sua alma."
O Prof. Manuel Sérgio, meu ilustre cole¬ga na Universidade Lusófona nos anos 96/97, afirmou ao "Centro" de 7 de Junho, em entrevista a Mário Martins, que "A Académica já foi um clube com alma". Todos sabemos que dado o estado actual do futebol e do mundo, tudo se vende, até a alma. Resta-me a ténue esperança que no acordo das Académicas não se tenha repeti¬do o episódio bíblico do prato de lentilhas.
Carlos Carranca
Sócio n.° 704
Retirado do jornal Centro, ano I, nº9, II série, de 2 de Agosto de 2006.
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