MANUEL ALEGRE NA PRAÇA DA CANÇÃO*
Na rua de Montarroio a casa, virada sobre o velho mercado da cidade, era da minha janela o observatório sobre o mundo.
A velha Alta...
O casario erguia-se a meus olhos, inalcançável, ideal.
Era o ano de 1966.
Meu pai, republicano sem República, do alto do seu cachim¬bo, trazia-me da rua vozes novas - o Zeca, o Adriano.
Era o tempo da Briosa - A Académica entrava em campo a monte, às vezes de capa traçada(...) Académica! (...) Ainda hoje, se o digo alto, me comovo. Porque era mais que uma palavra, era uma senha, um código, que pouco apouco passou a ter para mim um sentido mágico.
Meu pai dizia-me: Esta é a canção do nosso tempo! E eu ouvia a voz que da velha casa da rua de Montarroio quebrava a vidraça dos nossos silêncios e nos chamava, romântica. Era o Zeca, melhor, o Dr. José Afonso.
A voz, aos poucos, crescia-me e conduzia-me às grandes causas (como esse tempo era o nosso tempo!).
Decorava os versos Senhor Poeta, vamos dançar...
O tempo era o da luta.
Meu pai dizia-me: Agora é que vai ser! Os estudantes decretaram luto académico.
Os versos, carregados de flores, desciam à Baixa e inun¬davam as ruas Que mil flores floresçam...
- Olha o Manuel da Quinta, o Júlio, o Portugal!
- O Alberto Martins foi levado para a P/DE/
- Cheira-me a Sachetti.
A malta gritava em uníssono. O tempo era já o de falar alto!
O Torga, do Largo da Portagem, alertava: Viver a vida sem
o consentimento dos outros, principalmente quando eles, a todo o
custo no-lo queiram dar.
Paulo Quintela descia as escadas do jardim da Associação Académica e a Assembleia Magna dos Estudantes rejubilava. Era o tempo exactamente em cima do nosso tempo. Na Diligência cantava-se Os Vampiros. Mesmo ali ao lado, na Democrática, bebia-se o vinho da amizade. Em África, morria-se: Já lá vai Pedro Soldadol num barco da nossa armada/ e leva o nome bordado! num saco cheio
de nada, cantava o Adriano.
As baladas cantavam a liberdade, a Trova do Vento Que
Passa, Capa Negra, Rosa Negra.
O Bernardino era outra voz CL crescer no tempo em que
cantar não (era) talvez suficiente.
A Académica entrava, de branco, nos estádios. Era a hora do luto, que o negro era a festa e a gente não cedia.
Era o poema a meter-se nos anúncios das cidades e a ser microfone - uma noite destas, de repente, às três e tal.
Meu pai sempre me havia dito: o poema é uma arma! Os ouvidos enchiam-se de versos. A Praça da Canção era em Coimbra, a da República. Ouviam-se as guitarras - guitarras do meu país.
*Texto lido a 31 de Janeiro de 1996, nas comemo rações dos 30 anos da Praça da Canção na Universidade Lusófona e publicado no Jornal de Coimbra,a 7 de Fevereiro.
Na rua de Montarroio a casa, virada sobre o velho mercado da cidade, era da minha janela o observatório sobre o mundo.
A velha Alta...
O casario erguia-se a meus olhos, inalcançável, ideal.
Era o ano de 1966.
Meu pai, republicano sem República, do alto do seu cachim¬bo, trazia-me da rua vozes novas - o Zeca, o Adriano.
Era o tempo da Briosa - A Académica entrava em campo a monte, às vezes de capa traçada(...) Académica! (...) Ainda hoje, se o digo alto, me comovo. Porque era mais que uma palavra, era uma senha, um código, que pouco apouco passou a ter para mim um sentido mágico.
Meu pai dizia-me: Esta é a canção do nosso tempo! E eu ouvia a voz que da velha casa da rua de Montarroio quebrava a vidraça dos nossos silêncios e nos chamava, romântica. Era o Zeca, melhor, o Dr. José Afonso.
A voz, aos poucos, crescia-me e conduzia-me às grandes causas (como esse tempo era o nosso tempo!).
Decorava os versos Senhor Poeta, vamos dançar...
O tempo era o da luta.
Meu pai dizia-me: Agora é que vai ser! Os estudantes decretaram luto académico.
Os versos, carregados de flores, desciam à Baixa e inun¬davam as ruas Que mil flores floresçam...
- Olha o Manuel da Quinta, o Júlio, o Portugal!
- O Alberto Martins foi levado para a P/DE/
- Cheira-me a Sachetti.
A malta gritava em uníssono. O tempo era já o de falar alto!
O Torga, do Largo da Portagem, alertava: Viver a vida sem
o consentimento dos outros, principalmente quando eles, a todo o
custo no-lo queiram dar.
Paulo Quintela descia as escadas do jardim da Associação Académica e a Assembleia Magna dos Estudantes rejubilava. Era o tempo exactamente em cima do nosso tempo. Na Diligência cantava-se Os Vampiros. Mesmo ali ao lado, na Democrática, bebia-se o vinho da amizade. Em África, morria-se: Já lá vai Pedro Soldadol num barco da nossa armada/ e leva o nome bordado! num saco cheio
de nada, cantava o Adriano.
As baladas cantavam a liberdade, a Trova do Vento Que
Passa, Capa Negra, Rosa Negra.
O Bernardino era outra voz CL crescer no tempo em que
cantar não (era) talvez suficiente.
A Académica entrava, de branco, nos estádios. Era a hora do luto, que o negro era a festa e a gente não cedia.
Era o poema a meter-se nos anúncios das cidades e a ser microfone - uma noite destas, de repente, às três e tal.
Meu pai sempre me havia dito: o poema é uma arma! Os ouvidos enchiam-se de versos. A Praça da Canção era em Coimbra, a da República. Ouviam-se as guitarras - guitarras do meu país.
*Texto lido a 31 de Janeiro de 1996, nas comemo rações dos 30 anos da Praça da Canção na Universidade Lusófona e publicado no Jornal de Coimbra,a 7 de Fevereiro.
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