Sophia de Mello Breyner: O Lugar da Utopia*
O meu filho Miguel, de 13 anos, a propósito da língua portuguesa, numa conversa que desenvolvíamos quanto às suas qualidades (que alguns teimavam em negar), considerando-a rude, pesadona e própria para campónios, saiu-se com esta que deixou os crescidos, os que opinam sobre tudo, numa arrogância usual de quem se julga mestre (quando, afinal, todos somos aprendizes na vida), sem resposta apropriada para o momento:
- Isso é porque nunca leram a Sophia de Mello Breyner! As palavras parece que voam...
Este comentário provocou em mim, na minha mulher e não sei se nos amigos que nos acompanham, uma reacção semelhante à dos pais do menino do conto Jesus da obra Bichos de Miguel Torga que ficaram suspensos da afirmação sei um ninho.
Sem se ter dado conta, o Miguel, havia descoberto o que há de mais sublime: a vida e o valor das palavras.
O valor de uma língua guardiã do Templo e do Tempo de silêncios íntimos, onde moram os deuses.
É esse o lugar de Sophia, a que guarda não o fogo grego, como alguns afirmam, mas o fogo português, (que também é grego, porque essencial) que o afecto engendra como sujeito criador.
Se vos falo do meu filho é porque também eu me revejo na descoberta de Sophia, aos 13 anos, nesse poema intitulado Fundo do mar, onde nenhuma palavra está a mais, cada verso é, por si só, um poema, e onde a essencialidade das coisas se nos revela em comunhão com os outros.
No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.
Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
E termina alertando:
Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.»
Exercício de simplicidade sobre as coisas, perseguição do real, caminho para o absoluto, caverna de Platão iluminada pelo dom das palavras em que vivemos ocultos, os poemas da Sophia agradam-nos, agarram-nos porque são o lugar dos quatro elemen¬tos e da quintessência capaz de os unir e de nos unir.
Sophia desdenha o demagogo e o seu capitalismo das palavras porque sabe (...) que a palavra é sagrada.
Procura a verdade através da contemplação, do silêncio e Com fúria e raiva acusa o demagogo/ (...) que transforma as palavras em moeda/ Como se fez com o trigo e com a terra.
A pedra, a água, a flor, a areia, a casa, são reveladas pela palavra poética, pela palavra mágica como perseguição do real, como nostalgia de um mundo ideal.
Sophia sabe que os ricos nunca perdem a jogada/ Nunca fazem um erro. Espiam/ E esperam os erros dos outros/ (...) E devagar desviam o inimigo para o seu terreno/ Para o sacrificar como um toiro na arena.
Por isso em seus versos há os outros e há a ética, a vontade de actuar sobre as coisas na procura da justiça, da verdade e da beleza.
Através do silêncio, do despojamento é construído num ri¬tual poético, de nudez, o lugar da Utopia.
Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem,
No interior das coisas canto nua.
O lugar da Utopia é a sua pátria.
Sophia procura a exacta poesia libertadora, purificadora, capaz de congraçar na independência de cada um, o lugar onde se situa a palavra mágica, como dominadora do Mundo. O lugar da Paz.
Natal de 1999
* Jornal de Coimbra, 12 de Janeiro, 2000
O meu filho Miguel, de 13 anos, a propósito da língua portuguesa, numa conversa que desenvolvíamos quanto às suas qualidades (que alguns teimavam em negar), considerando-a rude, pesadona e própria para campónios, saiu-se com esta que deixou os crescidos, os que opinam sobre tudo, numa arrogância usual de quem se julga mestre (quando, afinal, todos somos aprendizes na vida), sem resposta apropriada para o momento:
- Isso é porque nunca leram a Sophia de Mello Breyner! As palavras parece que voam...
Este comentário provocou em mim, na minha mulher e não sei se nos amigos que nos acompanham, uma reacção semelhante à dos pais do menino do conto Jesus da obra Bichos de Miguel Torga que ficaram suspensos da afirmação sei um ninho.
Sem se ter dado conta, o Miguel, havia descoberto o que há de mais sublime: a vida e o valor das palavras.
O valor de uma língua guardiã do Templo e do Tempo de silêncios íntimos, onde moram os deuses.
É esse o lugar de Sophia, a que guarda não o fogo grego, como alguns afirmam, mas o fogo português, (que também é grego, porque essencial) que o afecto engendra como sujeito criador.
Se vos falo do meu filho é porque também eu me revejo na descoberta de Sophia, aos 13 anos, nesse poema intitulado Fundo do mar, onde nenhuma palavra está a mais, cada verso é, por si só, um poema, e onde a essencialidade das coisas se nos revela em comunhão com os outros.
No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.
Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
E termina alertando:
Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.»
Exercício de simplicidade sobre as coisas, perseguição do real, caminho para o absoluto, caverna de Platão iluminada pelo dom das palavras em que vivemos ocultos, os poemas da Sophia agradam-nos, agarram-nos porque são o lugar dos quatro elemen¬tos e da quintessência capaz de os unir e de nos unir.
Sophia desdenha o demagogo e o seu capitalismo das palavras porque sabe (...) que a palavra é sagrada.
Procura a verdade através da contemplação, do silêncio e Com fúria e raiva acusa o demagogo/ (...) que transforma as palavras em moeda/ Como se fez com o trigo e com a terra.
A pedra, a água, a flor, a areia, a casa, são reveladas pela palavra poética, pela palavra mágica como perseguição do real, como nostalgia de um mundo ideal.
Sophia sabe que os ricos nunca perdem a jogada/ Nunca fazem um erro. Espiam/ E esperam os erros dos outros/ (...) E devagar desviam o inimigo para o seu terreno/ Para o sacrificar como um toiro na arena.
Por isso em seus versos há os outros e há a ética, a vontade de actuar sobre as coisas na procura da justiça, da verdade e da beleza.
Através do silêncio, do despojamento é construído num ri¬tual poético, de nudez, o lugar da Utopia.
Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem,
No interior das coisas canto nua.
O lugar da Utopia é a sua pátria.
Sophia procura a exacta poesia libertadora, purificadora, capaz de congraçar na independência de cada um, o lugar onde se situa a palavra mágica, como dominadora do Mundo. O lugar da Paz.
Natal de 1999
* Jornal de Coimbra, 12 de Janeiro, 2000
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