Carlos Carranca e a Chama de Torga em Cada Um de Nós
Comentário ao espectáculo “Aqui, Diante de Mim” (Homenagem a Miguel Torga no Casino Estoril em comemoração do centenário do seu nascimento), 24 de Novembro 2007.
Sou um jovem estudante de medicina em Coimbra e confesso que desconheço em grande parte a obra de Miguel Torga, muito embora o seu entusiasmo pelas montanhas agrestes da paisagem transmontana, bem como a transparência das suas palavras no que diz respeito à mais subtil natureza humana, me tenham chamado a atenção para o seu nome. Existe em mim uma profunda admiração pela tranquilidade majestosa das montanhas – silêncio que nos confronta implacavelmente com o ruidoso desassossego das nossas existências em roda-viva. Quanto à necessidade de procurar um sentido para a vida humana, está latente em cada um de nós e é uma busca que começa precisamente por compreender qual a nossa verdadeira natureza.
Quiseram as circunstâncias que me deparasse com a voz imortal, possante e cheia de emoção de Miguel Torga, levada ao palco por Carlos Carranca, numa homenagem feita pela Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra em Lisboa no Casino Estoril, e que contou com a participação dos alunos da Escola Profissional de Teatro de Cascais.
A homenagem consistiu numa recriação de alguns momentos da vida de Torga, partindo de alguns dos seus textos e poemas. Juntando canto, poesia, dança e imagens, o espectáculo deu ao público a oportunidade de contactar com o poeta e o seu mundo, numa atmosfera de grande intimidade e cumplicidade. A figura imponente mas humilde de Carlos Carranca com os seus pés descalços simbolizou bem toda a força telúrica de Torga, em uníssono com a sua condição humana. Em pouco mais de 45 minutos transmitiu-se toda uma vivência de um homem que soube dar o devido valor às raízes humanas que nos prendem à vida.
Presenciei um espectáculo que deu a conhecer Torga de uma forma muito prática, através da sua obra, sem qualquer exercício de erudição. Foi um momento de profunda interiorização poética, no qual percebi claramente o quanto as palavras de Torga ressoam dentro de mim. Ligam-nos a mesma natureza humana e a mesma inquietação. Na verdade, basta existir neste transitório mundo desconhecido e ter uma completa consciência disso para que a necessidade de encontrar respostas surja sem dó nem piedade. É uma busca que não tem fim, mas a única capaz de nos ir libertando, aos poucos, das amarras invisíveis da nossa própria inconsciência.
Como diz Torga, o importante é aceitar partir nessa aventura, o ponto de chegada pouco importa. Até porque respostas absolutas nunca se encontram, ou não fosse este um mundo em que a mais básica ilusão se toma facilmente por verdade à luz do nosso entendimento. Mas é no seio desta aparente realidade que cabe ao homem encontrar-se a si mesmo, descobrir a sua essência de poeta e, com a mesma lucidez de Torga, compreender que recebemos de Deus uma grandeza natural que dispensa qualquer tipo de submissão. Compreender o verdadeiro valor da existência humana passa realmente por reconhecer que é nesta nossa experiência telúrica que se encontram as oportunidades perfeitas para a nossa completa realização espiritual.
Reconhecendo o valor da herança que Torga deixou a Portugal, que nenhum de nós descanse enquanto não conquistar também dentro de si a liberdade necessária para manifestar toda a grandeza que se esconde dentro de cada ser humano. No nosso espírito arde a mesma chama de faíscas irrequietas que se encontra em todos os poetas.
De facto, uma homenagem capaz de (re)despertar consciências para o grande poeta que foi Miguel Torga. Uma excelente forma de dar a conhecer um autor e que me contagiou com uma vontade sincera de conhecer melhor a sua obra. Um exemplo a seguir, num momento em que é muitas vezes difícil cativar os jovens para os grandes autores da nossa língua e para a importância que a literatura representa como ponto de partida para uma compreensão mais profunda de nós próprios.
Por João da Cruz
(finalista de Medicina da Univ. de Coimbra)
Comentário ao espectáculo “Aqui, Diante de Mim” (Homenagem a Miguel Torga no Casino Estoril em comemoração do centenário do seu nascimento), 24 de Novembro 2007.
Sou um jovem estudante de medicina em Coimbra e confesso que desconheço em grande parte a obra de Miguel Torga, muito embora o seu entusiasmo pelas montanhas agrestes da paisagem transmontana, bem como a transparência das suas palavras no que diz respeito à mais subtil natureza humana, me tenham chamado a atenção para o seu nome. Existe em mim uma profunda admiração pela tranquilidade majestosa das montanhas – silêncio que nos confronta implacavelmente com o ruidoso desassossego das nossas existências em roda-viva. Quanto à necessidade de procurar um sentido para a vida humana, está latente em cada um de nós e é uma busca que começa precisamente por compreender qual a nossa verdadeira natureza.
Quiseram as circunstâncias que me deparasse com a voz imortal, possante e cheia de emoção de Miguel Torga, levada ao palco por Carlos Carranca, numa homenagem feita pela Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra em Lisboa no Casino Estoril, e que contou com a participação dos alunos da Escola Profissional de Teatro de Cascais.
A homenagem consistiu numa recriação de alguns momentos da vida de Torga, partindo de alguns dos seus textos e poemas. Juntando canto, poesia, dança e imagens, o espectáculo deu ao público a oportunidade de contactar com o poeta e o seu mundo, numa atmosfera de grande intimidade e cumplicidade. A figura imponente mas humilde de Carlos Carranca com os seus pés descalços simbolizou bem toda a força telúrica de Torga, em uníssono com a sua condição humana. Em pouco mais de 45 minutos transmitiu-se toda uma vivência de um homem que soube dar o devido valor às raízes humanas que nos prendem à vida.
Presenciei um espectáculo que deu a conhecer Torga de uma forma muito prática, através da sua obra, sem qualquer exercício de erudição. Foi um momento de profunda interiorização poética, no qual percebi claramente o quanto as palavras de Torga ressoam dentro de mim. Ligam-nos a mesma natureza humana e a mesma inquietação. Na verdade, basta existir neste transitório mundo desconhecido e ter uma completa consciência disso para que a necessidade de encontrar respostas surja sem dó nem piedade. É uma busca que não tem fim, mas a única capaz de nos ir libertando, aos poucos, das amarras invisíveis da nossa própria inconsciência.
Como diz Torga, o importante é aceitar partir nessa aventura, o ponto de chegada pouco importa. Até porque respostas absolutas nunca se encontram, ou não fosse este um mundo em que a mais básica ilusão se toma facilmente por verdade à luz do nosso entendimento. Mas é no seio desta aparente realidade que cabe ao homem encontrar-se a si mesmo, descobrir a sua essência de poeta e, com a mesma lucidez de Torga, compreender que recebemos de Deus uma grandeza natural que dispensa qualquer tipo de submissão. Compreender o verdadeiro valor da existência humana passa realmente por reconhecer que é nesta nossa experiência telúrica que se encontram as oportunidades perfeitas para a nossa completa realização espiritual.
Reconhecendo o valor da herança que Torga deixou a Portugal, que nenhum de nós descanse enquanto não conquistar também dentro de si a liberdade necessária para manifestar toda a grandeza que se esconde dentro de cada ser humano. No nosso espírito arde a mesma chama de faíscas irrequietas que se encontra em todos os poetas.
De facto, uma homenagem capaz de (re)despertar consciências para o grande poeta que foi Miguel Torga. Uma excelente forma de dar a conhecer um autor e que me contagiou com uma vontade sincera de conhecer melhor a sua obra. Um exemplo a seguir, num momento em que é muitas vezes difícil cativar os jovens para os grandes autores da nossa língua e para a importância que a literatura representa como ponto de partida para uma compreensão mais profunda de nós próprios.
Por João da Cruz
(finalista de Medicina da Univ. de Coimbra)
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home