sábado, junho 09, 2007

Teixeira de Pascoaes: O Criador de Mitos

«Poesia é mais verdadeira que a própria História»
Aristóteles

Os Primeiros Versos

As figuras arcaicas, os mitos da infância, foram-se incorporando com o tempo na persona­lidade do poeta. A sua imaginação mítica, a sua angústia existencial virão, mais tarde, a atingir a divinização com a Saudade.
A poesia em Pascoaes move-se no plano da inspiração contra a inteligência, estando a finali­dade da Arte na inspiração.
A propósito deste problema, a inspiração contra a inteligência, João Gaspar Simões, recorrendo a Proust, diz-nos que «na arte tudo está no indivíduo e que cada indivíduo recomeça por conta própria a tentativa artística ou literária (...). Hoje um escritor de génio tem tudo por fazer ou tudo a fazer».
Ora, Pascoaes, desde os primeiros versos assume a obra por fazer, o tudo a fazer, o senti mento como originalidade intuitiva, superando a inteligência.
A sua capacidade de criar do nada (e pela palavra) só reservado a Deus, vai Pascoaes utilizá-la dando à poesia uma dimensão religiosa, num esforço ilimitado de sublimação das pulsões inconscientes reminiscentes da infância.
Pela vida fora se manterá a eterna criança que não sabe distinguir o seu mundo do dos outros - mundo espectral de sombras e fantasmas buscando o infini­to: «As coisas que me cercam, silenciosas/São almas a chorar, que me procuram» ( Vida Etérea).
Clama por sua Dulcineia: — Ó Saudade, ó Saudade (...), ó veio de água cristalina/Onde esta sede de infinito saciamos» (Versos Pobres).
O seu primeiro livro publicado - Embriões mereceu de Guerra Junqueiro o seguinte comen­tário dirigido ao pai do poeta: «diz ao teu filho que se deixe de versos, que trate de outras coisas» (Pascoaes de M. C.).
Tinha, ao tempo, Pascoaes dezassete anos de idade.
Desse primeiro livrinho destacamos estes ver­sos sem título:
«Já é negra para mim a mocidade... Eu exalo um suspiro desbotado, Mas ele cai no chão cristalizado Em lágrimas amargas de saudade»

Em Coimbra

Na cidade de Coimbra frequenta o último ano do Liceu e matricula-se em Direito.
Numa casa situada junto do Arco do Bispo, o poeta acorda pela primeira vez para a cidade do Mondego: «No dia seguinte, de manhã debrucei-me na janela do meu quarto, a contemplar dum terceiro andar, o panorama da cidade. Impres­sionou-me, logo, a pedra calcária dos edifícios, lisa da mesma cor dos ossos. Nunca vira tal pedra, a não ser no mausoléu dos cemitérios» (O Advogado e o Poeta).
Esta cor amarelada (pedra de Anca) a que o poeta se refere, «cor dos ossos» impressiona-o por estar ligada às suas obsessões - o medo da morte -o Dia dos Finados - o dia do seu nascimento.
«Cheguei como um bárbaro do Norte, a esta suave Itália pequenina. Enlevei-me na contem­plação de uma deusa que me falava e pousava as mãos na fronte. A paisagem de Coimbra é uma deusa e um deus o panorama do Marão.
Depois de um Júpiter fragoso, apareceu-me esta Flora delicada que me enterneceu profunda­mente. Senti uma lágrima nos olhos que era doce. Esta lágrima é tudo o que te devo, Coimbra! Andei cinco anos a criá-la e ficou-me, para sem­pre, nos olhos, entre lágrimas salgadas» (Livro de Memórias).
Relacionou-se, nessa época, com boémios e poetas (Pad'Zé, Fausto Guedes Teixeira, Augusto Gil, Hilário) que pelas ruas da velha Alta desa­parecida iam fruindo «(n)aquela encantada e quase fantástica Coimbra», utilizando a expressão de Antero de Quental - pai espiritual do poeta1.
Em Coimbra publica duas éclogas, Belo l e Belo II. Tempos mais tarde publica Sempre e, desta vez, Junqueiro envia-lhe uma carta, onde mani­festa regozijo pela obra acabada de sair:
«O meu amigo é naturalmente poeta (...) em conclusão, o seu livro é uma obra de arte infantil, deixando adivinhar, a relâmpagos, um belo poeta predestinado» (in Teixeira de Pascoaes, de Mário Garcia).
Em Sempre a natureza chora acompanhando o poeta:
«Tudo o que existe,
Aquém e além do nosso olhar
Bailava no meu choro.
Que é chorar?
E ver o sol, lágrima de ouro,
Pela face de Deus, a deslizar.
E ver o mundo
A cantar
O seu nocturno espírito profundo
Em gota de água e dor que vai tombar;
Subir talvez no azul dos céus
Bater as asas para Deus,
Voar...»
Pascoaes acredita na sua condição trágica de visionário, transformador da realidade.
A antiga fobia à instituição escolar manter-se-á. Considera os professores universitários «caveiras de erudição arqueológica que encarnam as almas cépticas cios sábios (e) a Universidade um inferno onde se reuniam todos os demónios de Portugal» (O Advogado e o Poeta).

A Saudade a começar

Pela Saudade - o amor -, o poeta vencerá a solidão, e o Povo aprenderá. Foi Goethe quem no-lo disse: «Só se aprende com quem se ama».
A Saudade, como mito de lembrança e de desejo, de dor e de prazer, vai alcançar uma visão panteísta (isto é, dependente do imago materno) do mundo, já enraizada pelo poeta na sua infância.
Pela saudade pascoaliana compreender-se-á que comparticipamos todos num ser universal e através dela o poeta dará uma resposta, nossa, lusíada, ao simbolismo importado de França.
António Nobre já o havia tentado, mas só Pascoaes o conseguirá através de um saudosismo simbolista impregnado de transcendentalidade e subjectividade.
Segundo Freud, a produção artística estará li­gada à sublimação, assim como à superação das pulsões inconscientes reminiscentes da infância.
Em Pascoaes o mundo dos símbolos, de arquétipos, de fantasmas, está ligado aos primeiros anos de vida, só que Freud conclui entendendo-o de natureza erótica, enquanto que, segundo o que nos foi dado observar, em Pascoaes nada nos permite concluir dessa maneira.
O afastamento do poeta da velha casa tinha contribuído para aumentar a saudade, sentindo--se longe da pureza original, da infância, aumen­tando-lhe o desejo de ser - de voltar a ser.
A saudade trá-la dentro de si como um desti­no - «nasci no dia eleito da Saudade».
Contrariamente ao que é comum pensar-se, a Saudade, entendida como Pascoaes a viu, não é sentimento depressivo, é algo de saudável que se projecta e acredita no Futuro.
Pascoaes vai viver entre dois tempos - o Passado e o Futuro - com olhos postos no infinito; recusa o Presente (o aqui e agora rea­lista) e o Futuro (que substitui pelo infinito). Tal fica a dever-se ao imago materno muito pre­sente.
O grande mestre salamantino, Miguel de Unamuno, referiu-se a Pascoaes nestes termos:
« dizia adeus ao sol, falava ao vento, saudava a aurora e lia no infinito».
Introduzindo o Passado na perspectivação do Futuro, a Saudade ter-se-á tornado sentimento de defesa (e porque não de alienação?) individual e colectiva.
Buscando as suas raizes no sebastianismo, sen­timento de raiz popular, por intermédio do Poeta de Amarante e seus companheiros da revista Águia, foi elevada a Saudade aos mais altos cumes da abstracção, atingindo o sagrado.
F assim, quanto mais o tempo é Passado, mais é Futuro.

«I don't know...»

Licenciado em Direito, Pascoaes abre, de parceria com Carlos Babo, escritório de Avogado em Amarante.
«Entre o poeta natural e o bacharel à força ia começar um duelo que durou dez anos, tantos como o cerco de Tróia e a formatura de João de Deus (...). Viver dez anos, num escritório, a lidar com almas deste mundo, o mais deste mundo que
é possível! - eu que nascera para outras convivên­cias» (Livro de Memórias).
Em Julho de 1906, transfere-se para o Porto e vai ser aí que viverá o seu grande amor - Leonor Dogge, a Eleonor cie Maranus.
Escreve a sua irmã: «Quando a vi pela primeira vez, eu tive positivamente a impressão nítida de que encarava com a própria alma miste­riosamente transformada em corpo, perante mim» (Olhando para Trás vejo Pascoaes).
Leonor, segundo se sabe, era enfermeira e fala­va cio poeta chamando-lhe «the man of the eyes». O ideal de mulher era, no seguimento cio ideal romântico, bem simbolizado na «Purinha» de António Nobre, o da virgem, branca, loura, toda
céu...
O Poeta vai dar por essa «aparição» no eléctri­co.
Nunca terá falado com a Deusa «(...) E quem se atreve a declarar-se a uma deusa?» (O Advogado
e o Poeta).
O seu amor feito de distância, ausência e sonho, levá-lo-á a longínquas paragens, atrás do Ideal, e assim, num dia de Novembro (o mês do seu aniversário), a bordo do «Augustine» parte
para Inglaterra.
Tudo se irá passar prosaicamente. A «noiva» recebe-o com uma resposta vaga de quem finge não entender:
«I don't know... I don't know...» Eis um acto falhado por parte do poeta: Conseguiu o que o seu inconsciente queria, pro­jectando a culpa sobre «o outro» (ela).
Pascoaes foi sempre um apaixonado e Leonor uma svLafaníasia, mais um ideal que, por demasi­adamente elevado, exterior ao poeta, não correspondeu, como não podia deixar de acontecer, ao seu icleal - o de criador de mitos.
A propósito da obra do poeta e da importân­cia da sua mãe nesta, e o papel de Leonor na sua consolidação, impõe-se uma muito curta reflexão:
A obra (e a Saudade) é uma materialização do Fantasma da mãe simultaneamente demasiado assustador se vivido strictu sensu, sob o ponto de vista fantasmático; e demasiado ameaçador se assumisse a forma de uma mulher material que o amasse (motivo pelo qual teve de fazer falhar o pedido à sua Eleonor). Tudo isto mostra que a obra é, simultaneamente, fuga (e sublimação) do fantasma cia mãe; e via de concretização (subli­mação prática) do desejo da mulher cuja confusão (por ele feita) com uma figura demasiado próxi­ma e presente da sua própria mãe o assustava tanto, que se desinteressou do amor físico (um susto, um medo dos maiores!...)

1 A propósito de Antero, a admiração por ele era tanta que levaria Pascoaes aos Açores, em romagem ao cemitério onde o poeta das Odes Modernas se encontra sepultado.

in: O Fantasma de Pascoaes

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