terça-feira, março 27, 2007

Emídio Guerreiro na Lousã

Exemplo vivo de dignificação do Homem


No dia 6 de Setembro de 1899 veio ao mundo, na cida­de de Guimarães, um dos ho­mens mais fascinantes de que tenho a honra de ser amigo.
Viveu em três séculos e hoje, no alto dos seus cento e cinco anos de idade, continua a ser futuro.
Pelo seu passado político de combatente contra todas as for­mas de ditadura, pelos valores democráticos de que ainda é arauto e exemplo vivo de digni­ficação do Homem, merece ser lembrado.
Há cerca de dois anos, numa das deliciosas conversas que mantinha com amigos (e supo­nho que na Lousa) fiz um co­mentário a propósito do socia­lismo democrático a que ele logo acrescentou:
- Sabe, hoje o socialismo serve para distribuir as migalhas que sobram do banquete capitalista!
Foi pela liberdade, sempre, que Emídio Guerreiro comba­teu. Foi por ela que, às ordens do General Sousa Dias, a 3 de Fevereiro de 1927, no Porto, empunhou uma arma.
Longe da Pátria, exilado em Espanha, ensinando e comba­tendo, foi adversário de Fran­co e em França integrou o ma-quis, participando na resistên­cia ao invasor alemão (evadiu--se por duas vezes de campos de concentração).
Foi pela liberdade, na defe­sa das suas convicções, que se tornou verdadeiro embaixador da resistência portuguesa ao salazarismo em Paris, acolhen­do muitos dos nossos exilados. Impulsinou o projecto político do General Humberto Delgado e foi o primeiro a denunciar a sua morte como crime perpe­trado pela PIDE.
José Augusto Seabra, um dos seus mais dedicados ami­gos, enviou uma mensagem a Emídio Guerreiro, no dia do seu centésimo aniversário onde dizia:
"Conheci o prof. Emídio Guerreiro desde os primeiros tempos do meu exílio em Fran­ça. Impressionou-me logo a sua personalidade irradiante, a sua coragem intelectual e mo­ral, a generosidade com que se entregara à causa da Liberdade e da Democracia, tanto em Por­tugal como na Europa e no Mundo."
Após quarenta e dois anos de exílio, num dia de Maio de 1974, regressava a Portugal o guerreiro Emídio e vinha para continuar a luta. Sabia que a li­berdade é um horizonte móvel e que não podemos deixar de a perseguir e de sonhar por ela.
Adere ao então PPD e, pou­co tempo depois, no célebre "Verão quente", é líder do par­tido.
Rapidamente as bases do partido e alguns barões se aper­ceberam que aquele homem estava muito para além dos seus interesses e, em breve, Emídio Guerreiro abandona o PPD, mas antes reafirmava as suas convicções, as de toda uma vida, as de homem de es­querda, as de socialista sem dogma.
Por duas vezes Emídio Guerreiro e sua esposa estive­ram na Lousa, em minha casa. Por duas vezes, visitaram locais que muito apreciaram. Lem­bro-me que, entre o muito que viram e usaram, foram os jantares no "Burgo" e no "Gato" que relembram com frequên­cia, assim como a visita à Quin­ta do Meiral para conhecerem a fábrica do célebre Licor Bei­rão e do não menos conhecido Carranca Redondo.
E as conversas intermináveis pela noite fora nas quentes noites de Verão?
Conversador inveterado, o professor Emídio Guerreiro, quando minha mulher lembra­va o adiantado da hora, não se deixava a abater: "vão as meni­nas andando para a cama que nós ficamos mais um bocado!" Bocado que se prolongava lá para as três da manhã.
Infelizmente, da Sra. D. Alice já não podemos usufruir a companhia. Mas deixou no pequenino jardim da casa do Prilhão, duas roseiras amarelas que minha mulher e eu olhamos com um carinho muito especial.

Trevim, 23 de Setembro de 2004
Carlos Carranca