quarta-feira, janeiro 26, 2011

FERNANDO NOBRE – O PRESIDENTE OCULTO

Epílogo de uma candidatura

Fernando Nobre não ganhou, mas ficou. O mesmo é dizer: não ficando, vai sendo. À imagem do sentido que, ao longo da História, é atribuído ao papa e à existência de um anti-papa, também, neste caso da política portuguesa, o candidato da esperança volveu-se num padrão vivo, espinho no sistema (ou no modo do seu funcionamento), uma sombra que fez tremer os representantes do statu quo da democracia lusa, actualmente com pouca luz. Assim – em mais um paradoxo português - ao invés dos profissionais da política e seus procuradores que, ao longo da campanha, deveriam ir vencendo os adamastores actuais que barram e asfixiam a sociedade portuguesa afrontando a fragilidade de ideias e acções, Fernando Nobre, não ele, mas para eles, tornou-se, pouco a pouco, um adamastor que lhes aparecia, ora a bombordo, ora a estibordo. No princípio, parecendo inofensivo, e nos últimos dias um arrepio de espinha.
Candidatura, portanto, marginal, dos “sem-abrigo” voluntariamente desabrigados dos tectos do gesso do compadrio e das vigas estafadas do sistema. Por vontade própria de cada um e na egrégora de todos, foi-se construindo uma rampa promissora que continuará certamente depois do resultado das eleições. A acção cívica, que engloba cidadania e aldeania, não cessa mesmo quando o candidato se retira ou faz uma pausa mais ou menos longa.
Todavia, dado que uma mesma paisagem ou um igual sonho pode não ser entendido do mesmo modo por muitos em questão, há sempre quem possa querer «pôr remendo novo em pano velho» ou «vinho novo em odres velhos». Pouco monta se um ou outro personagem desta comunidade cívica ainda possa pensar desta maneira, quando o que importa é que a sede de todos é de um licor nunca provado, numa taça outra.
Sendo certo que se impõe a dignidade do respeito e reconhecimento institucional, tomada a frase de um mestre que disse que «a verdade é um diamante de muitas faces», e tal como o dia se avalia pela noite, e vice-versa, assim se pode conceber que haja um presidente visível e um presidente oculto. A imagem é clássica, pois provém do mais alto simbolismo e não do rasteiro conceito de oposição, à maneira parlamentar deste desajeitado início de século. É dever, portanto, trazer aquela imagem, não por mera conveniência de circunstância, mas porque é inamovível. Quando se diz que Nobre é, a partir de agora, o presidente oculto, não significa que fique escondido ou mais ou menos acoitado, mas sim preservado para o que o tempo possa destinar. Presidente oculto ou sinal da expectativa manifestada na sociedade portuguesa que, fazendo jus à hora, se elegeu ela própria como consciência vigilante que repudia um paradigma de política portuguesa que tem, legitimamente é certo, um presidente eleito por aqueles que nele votaram.
É difícil saber se o grito inicial «mais além» poderia ter sido de outro modo. Foi-o, o do momento e no momento. Passámos vitoriosamente o Cabo da Boa-Esperança e muitos cabos das tormentas de vária ordem. Postos já a caminho, não chegámos (ainda) à Nova Índia, aqui tão perto de nós, na certeza de que também no longe bem sabemos navegar.
Entre Figueira da Foz e Coimbra, 24 de Janeiro de 2011.
Eduardo Aroso