Em memória de Carlos Pinto Coelho


São os autores e os artistas quem cria a cultura. Entre esta e o público (potencialmente) fruidor há os comunicadores. Deve entender-se por comunicadores não os que se limitam a veicular, mais ou menos acrítica e burocraticamente, as notícias de eventos culturais mas os que reflectem e problematizam a matéria a eles subjacente, tornando-a mais facilmente apreensível e apetecível pelo grande público. Carlos Pinto Coelho foi o jornalista português – não é exagero afirmá-lo – que nas últimas duas décadas melhor soube desempenhar esse nobre mister de comunicar a cultura, de maneira cativante e apelativa, mas sempre na observância de rigorosos critérios de qualidade e bom gosto, nunca transigindo com o vulgar e o medíocre (talvez aqui radiquem algumas das incompreensões e injustiças de que foi vítima). Comecei a admirar e a tirar proveito dessa sua arte comunicacional com o diário televisivo "Acontece!" (entre 1994 e 2003, na RTP-2) e, depois do incompreensível e criminoso afastamento do seu autor da televisão pública por mão de Luís Marques (a mando de Morais Sarmento, ministro do governo de Durão Barroso), com o programa radiofónico "Agora... Acontece!", que vinha realizando desde 1998 e ultimamente era difundido por mais de 80 rádios locais de Portugal e ainda por estações de Espanha, Macau e Brasil.
Atendendo às partidas que coração já lhe pregara, outros, no seu lugar, teriam deixado de trabalhar. O seu elevado sentido de serviço público e a consciência de que o país muito perderia com tal atitude, impeliram-no a continuar no activo. Por isso, maior a dívida de gratidão de todos quantos apreciavam o seu trabalho e mais sentido o seu desaparecimento. Mas como a lei da morte não é passível de revogação, há que saber honrar e cultivar a sua memória. E uma das formas de o fazer é ouvindo as edições do "Agora... Acontece!" disponíveis no arquivo on-line da Rádio Universitária do Minho. Esse é um excelente testemunho do seu excercício, culto e inteligente, de bem entrevistar, e da atenção que sempre deu à boa música (de expressão) portuguesa e à poesia recitada, uma arte tão maltratada hoje em dia na rádio portuguesa.
Rendo-lhe a minha sentida homenagem, transcrevendo as palavras de um colega de ofício, que com ele privou, João Gobern:
«Por esta altura, já se recordou a sua biografia, já se lembraram os seus feitos: e o maior deles é mesmo ter assinado, durante quase uma década, um diário de resistência cultural numa TV habituada a franzir o sobrolho à cultura. Já sorrimos diante da memória do seu jeito pausado de dizer e de encadear frases e ideias num ritmo muito próprio. Tinha 66 anos e depois da machadada inexplicável que lhe foi dada por uns bárbaros que a História não vai recordar, mas também não chegou a condenar, parecia ter recuperado em pleno de dois enfartes. Voltara à rádio para continuar a falar de livros, de artes e ideias, sempre apoiados em pessoas para que o diálogo não acabasse e as palavras pudessem recuperar o valor real que os maus tratos lhes tinham roubado. Tinha projectos e propostas, algumas delas utópicas mas até por isso mais valiosas. Tinha agora regressado à RTP [Memória] para continuar à conversa do lado que mais falta parece fazer a uma terra que esquecendo os seus se alheia de si mesma. Depois de entrevistar o pintor Nadir Afonso, no programa de estreia, preparava-se para questionar o General Almeida Bruno, militar de Abril. E não fica mal no seu currículo a circunstância de estar a trabalhar naquilo que mais gostava quando o coração voltou a falhar, desta vez sem remédio. Jornalista, passou ao lado da advocacia, com escala pela imprensa. Foi na televisão que fez de tudo, passando inclusivamente pela direcção de programas da RTP. Mas a sua cara é a folha de rosto do "Acontece!", estupidamente interrompido por um ministro pugilista que sentenciou a necessidade de mudar quase tudo para que quase tudo ficasse na mesma.
Sem querer, houve duas memórias que emergiram. A mais velha terá uns quinze anos e junta numa sala acanhada da 5 de Outubro uma equipa de consultores do "Acontece!" – o José Rebelo, o António Carlos Carvalho, a Maria João Fernandes, o Nuno Henrique Luz e eu – a despejar sugestões, a defender as damas e os cavalheiros das nossas áreas e preferências. Ele, quase alheado. Até que de repente acaba o recreio: isto é bom, aquilo não funciona em televisão, isto vai precisar de uma abordagem especial. De repente, o programa já estava na cabeça dele e eram escassas as mudanças a partir do momento em que havia esse desenho mental. Depois, no Verão do ano passado, conseguiu numa óptima noite de tertúlia figueirense juntar-me ao meu pai [Ápio de Sottomayor] e deixar-nos horas à conversa sobre o jornalismo de hoje. Nunca tinha tido com o meu mestre de vida e de profissão um diálogo tão profundo como nessa ocasião. E percebo agora que será difícil de repetir algo de semelhante sem a ajuda e o estímulo do Carlos Pinto Coelho, que ainda por cima quando me telefonava, normalmente para me dar ralhetes, insistia em tratar-me por "meu rapaz". Eu achava graça. Agora não acho nada. Aquele abraço.» (João Gobern, in "Pano para Mangas" - "Conversa acabada.", 16.12.2010)
Atendendo às partidas que coração já lhe pregara, outros, no seu lugar, teriam deixado de trabalhar. O seu elevado sentido de serviço público e a consciência de que o país muito perderia com tal atitude, impeliram-no a continuar no activo. Por isso, maior a dívida de gratidão de todos quantos apreciavam o seu trabalho e mais sentido o seu desaparecimento. Mas como a lei da morte não é passível de revogação, há que saber honrar e cultivar a sua memória. E uma das formas de o fazer é ouvindo as edições do "Agora... Acontece!" disponíveis no arquivo on-line da Rádio Universitária do Minho. Esse é um excelente testemunho do seu excercício, culto e inteligente, de bem entrevistar, e da atenção que sempre deu à boa música (de expressão) portuguesa e à poesia recitada, uma arte tão maltratada hoje em dia na rádio portuguesa.
Rendo-lhe a minha sentida homenagem, transcrevendo as palavras de um colega de ofício, que com ele privou, João Gobern:
«Por esta altura, já se recordou a sua biografia, já se lembraram os seus feitos: e o maior deles é mesmo ter assinado, durante quase uma década, um diário de resistência cultural numa TV habituada a franzir o sobrolho à cultura. Já sorrimos diante da memória do seu jeito pausado de dizer e de encadear frases e ideias num ritmo muito próprio. Tinha 66 anos e depois da machadada inexplicável que lhe foi dada por uns bárbaros que a História não vai recordar, mas também não chegou a condenar, parecia ter recuperado em pleno de dois enfartes. Voltara à rádio para continuar a falar de livros, de artes e ideias, sempre apoiados em pessoas para que o diálogo não acabasse e as palavras pudessem recuperar o valor real que os maus tratos lhes tinham roubado. Tinha projectos e propostas, algumas delas utópicas mas até por isso mais valiosas. Tinha agora regressado à RTP [Memória] para continuar à conversa do lado que mais falta parece fazer a uma terra que esquecendo os seus se alheia de si mesma. Depois de entrevistar o pintor Nadir Afonso, no programa de estreia, preparava-se para questionar o General Almeida Bruno, militar de Abril. E não fica mal no seu currículo a circunstância de estar a trabalhar naquilo que mais gostava quando o coração voltou a falhar, desta vez sem remédio. Jornalista, passou ao lado da advocacia, com escala pela imprensa. Foi na televisão que fez de tudo, passando inclusivamente pela direcção de programas da RTP. Mas a sua cara é a folha de rosto do "Acontece!", estupidamente interrompido por um ministro pugilista que sentenciou a necessidade de mudar quase tudo para que quase tudo ficasse na mesma.
Sem querer, houve duas memórias que emergiram. A mais velha terá uns quinze anos e junta numa sala acanhada da 5 de Outubro uma equipa de consultores do "Acontece!" – o José Rebelo, o António Carlos Carvalho, a Maria João Fernandes, o Nuno Henrique Luz e eu – a despejar sugestões, a defender as damas e os cavalheiros das nossas áreas e preferências. Ele, quase alheado. Até que de repente acaba o recreio: isto é bom, aquilo não funciona em televisão, isto vai precisar de uma abordagem especial. De repente, o programa já estava na cabeça dele e eram escassas as mudanças a partir do momento em que havia esse desenho mental. Depois, no Verão do ano passado, conseguiu numa óptima noite de tertúlia figueirense juntar-me ao meu pai [Ápio de Sottomayor] e deixar-nos horas à conversa sobre o jornalismo de hoje. Nunca tinha tido com o meu mestre de vida e de profissão um diálogo tão profundo como nessa ocasião. E percebo agora que será difícil de repetir algo de semelhante sem a ajuda e o estímulo do Carlos Pinto Coelho, que ainda por cima quando me telefonava, normalmente para me dar ralhetes, insistia em tratar-me por "meu rapaz". Eu achava graça. Agora não acho nada. Aquele abraço.» (João Gobern, in "Pano para Mangas" - "Conversa acabada.", 16.12.2010)
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