domingo, março 29, 2009

ÂNGELO

A Morte não estava anunciada – ele não a esperava, nem tão pouco os seus familiares e amigos. Veio inesperadamente, sem avisar ninguém, silenciosa e traiçoeira, com tanta violência,porém, que fez disparar o coração – e te fulminou!

O ataque chegou disfarçadamente, inesperado e rápido: será que ele se emocionou com o jogo do seu Benfica? Teve aviso ou ameaça? O Ângelo não se precipitava com possíveis acidentes, sempre atento na estrada, pressentindo o que os outros, distraídos, não tinham observado - e agia a tempo, como daquela vez em que, já de noite, nos aproximávamos de Lisboa. Ele desviou-se de um carro que o ultrapassou, perigosa e ilegalmente - e só depois tivemos a sensação de que escapámos do choque por obra e graça da manobra oportuna e eficiente do Ângelo.

Foi nosso companheiro de muitas horas, durante as férias dos últimos anos, em Portugal. Conversávamos até de madrugada. Íamos e vínhamos por Cascais e arredores com a Idalina e o Carlos Carranca, que frequentemente nos convocava para espectáculos teatrais - ou para um recital de poesia ou para o lançamento de livros ou para um concerto de fados de Coimbra ou para um almoço ou jantar... E, se não havia canções, escutávamos o Carranca, o Luís Góes e outros companheiros.

Nas tardes de calor, o “museu” familiar, onde havia de tudo um pouco – desde os poemas e retratos de Miguel Torga às ferraduras e outros acessórios de bois, cavalos e mulas. E nada era melhor que o fresquinho do salão – e o refrigerante ou o uisquinho. Contudo, o mais agradável era o diálogo fácil e fraterno, comentando mil e uma coisas - sem falar (mal) dos outros!

E agora, Ângelo? A notícia da viagem sem retorno chegou-nos por telefone. Ligamos e atendeu-nos o Victor , mas só conseguimos dizer: “Pêsames”. O silêncio é de ouro... Ficaste perto do Zé e do Antonino, que foram antes fazer companhia aos primos José Ventura (que contava histórias à minha avó Conceição de Folques) e Matilde. Definitivamente, estás em Arganil, que tanto amavas e defendeste até no futebol, partilhando essa devoção por Cascais. Ao longe, a Beira moçambicana... Perto, a família e os amigos, mais o Benfica do coração que te atraiçoou.

Lamento que não tenhas vindo ao Brasil para conhecer esta cidade grande demais, que nos assusta e enternece, porém de braços abertos para os amigos. Que pena! E o pior é que não voltarás a Cascais e só poderei revisitar-te, mudo e triste, em Arganil.
João Alves das Neves