terça-feira, setembro 21, 2010


Longos terão sido os serões na Ilha

Texto lido na sessão de Homenagem a Eduino de Jesus, no Penedo da Saudade a 18.IX.2010

Longos terão sido os serões da Ilha. E porquê?

Porque ficaram fundo, silenciosos, impressivos, nas palavras de Eduino. Amarram-nos a um Cais de saudade. As palavras tiranizam-nos a um destino onde acenam lenços brancos, silenciosos, de mãos ausentes: Adeuses ao “único passageiro do navio”, “cansado/ da vida / e agarrado / à vida / como um menino abraçado / a um brinquedo partido”.
E a bruma descendo sobre as pessoas e as coisas, os lugares; o gesto sonolento do seu braço dizendo adeus.
Ao outro lado da vida, ao outro lado do imaginário, chegará o poeta franzino, o das noites longas de S. Miguel.
Poeta da ínsula dos fantasmas, não traz uma doutrina nos versos que escreve, há nele um sem abrigo, um marginal sem margens, um poeta da remota fundação de Portugal.
Aportou no Choupalinho e dali, sem que alguém o tivesse notado, ergueu o braço onde há pouco repousava o brinquedo partido e, virado para Santa Clara-a-Velha, exclamou:
“Isabel, trago-te estas rosas”
E desde aí, não se cansou de ser o “aventureiro astral”, “sem medo de chegar tarde / ao destino”.
Longos terão sido os serões do continente. Lorvão e o inverno chuvoso de Coimbra na margem direita desse rio de salgueiros.
Havia os campos do Mondego onde, também, era visível o invisível. Deixara para trás a Ilha. Ganhara, agora, o quotidiano remanso de uma Coimbra saudosa de si mesma e fustigada pelos ventos benfazejos das ideias novas.
Mas o menino perdera o brinquedo. As rosas, essas, havia-as ofertado a quem lhes pertencia por direito. O brinquedo, quem o teria achado? Que fazer? “Deixar tudo / e seguir no rasto / de um sonho”.
E se assim o disse, melhor o fez:
Por isso, aqui estamos nós a olhar na pedra saudosa deste Penedo de Coimbra, uma réstia do sonho de quem não traiu nem se traiu, cumprindo o seu destino luminoso de bruma.

Monte Estoril 5-IX-2010
Carlos Carranca